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Presidenciais. Os vencedores e perdedores do domingo eleitoral
Política

Presidenciais. Os vencedores e perdedores do domingo eleitoral

José Maria Neves levou o troféu, sim, mas há outros vencedores da eleição presidencial deste domingo, 17. Do outro lado da barricada, não foi só Carlos Veiga (ou a sua reinvenção em Kalú) que chora a perda de mais uma candidatura a presidente da República: o MpD e a UCID, e seus respectivos líderes, baixam a cabeça em introspecção pelo fraco score de Veiga, candidato para o qual deram a cara sem pejo. E, pior, após a derrota, quase sempre vem a bancarrota. Eis o rescaldo do dia em que JMN se tornou no quarto presidente eleito de Cabo Verde.

 

Os vencedores

José Maria Neves

Sem dúvida, JMN é o grande vencedor das presidenciais 2021. Não apenas porque ganhou, mas sobretudo porque o conseguiu de forma avassaladora, o que lhe garantiu a eleição histórica logo na primeira volta. Mais do que isso, Neves ganha nas ilhas com maior peso político (São Vicente, Santiago, Santo Antão, Fogo e Boa Vista) e onde o PAICV, seu partido, havia sido arrasado nas legislativas de Abril deste ano. E ganha em toda a diáspora - o mapa de votaçao mostra o mundo azul, cor atribuída pelo NOSI para identificar cada candidato. Prova de que o “moranguinho” de Santa Catarina está acima do seu partido e goza de uma grande e indesmentível empatia com a população jovem e feminina. O seu discurso, sempre romântico e pedagógico, o credibiliza como um político com sentido de Estado. Com 1-0, dá goleada!

PAICV

Mesmo sem estar na linha da frente da candidatura de José Maria Neves, o PAICV soube e bem trabalhar nos bastidores para permitir JMN aparecer sozinho como frontrunner, de resto, como estas eleições assim o exigem, mas agregando e aglutinando toda a família tambarina – salvo as exceções que se conhecem e que não tiveram qualquer relevância nos resultados – à volta do candidato que pediu “Djunta Mon, Kabesa y Korason” para chegar ao Palácio do Plateau. A estratégia foi brilhante e testemunha-se, agora que se chegou à meta, a sua eficácia.

 

Casimiro de Pina

Os mais de 3.300 votos que obteve na sua primeira candidatura a presidente da República, podem parecer pouco. Mas não. Avaliando os recursos de cada candidato, Casimiro de Pina, mpdista e liberal convicto, acaba por provar que não é só com outdoors, cartazes, camisolas, autocolantes e dinheiro, muito dinheiro, que se conquista o eleitorado. As ideias também. No caso de Casimiro de Pina – que não tinha nenhum desses materiais de propaganda – ficou claro que foram as suas prestações, sobretudo, nos dois debates que foram determinantes para lhe garantir um honroso terceiro lugar nas presidenciais deste domingo. Aliás, a forma que CdP utilizou para fazer a sua campanha – sem aglomeração de pessoas, sem esbanjamento – deve e tem de fazer escola, doravante, na política cabo-verdiana. Um país com parcos recursos, a atravessar uma crise financeira e económica e a braços com a pandemia da Covid-19 não pode permitir campanhas eleitorais a boiar em rios de dinheiro, bailes, festas e irresponsabilidade de candidatos que garantem defender a saúde e bem-estar dos cabo-verdianos. E a sociedade percebeu isso. Ainda que timidamente refletida nas urnas.

A democracia

Cabo Verde volta a ser destaque no mundo, que bate palmas para a nossa maturidade política e democrática. As eleições decorreram sem incidentes, de forma ordeira, civilizada e pacífica. E os resultados provisórios, que dão vitória a JMN na primeira volta, mostram que os cabo-verdianos já sabem discernir entre esta e aquela eleição, entre este e aquele candidato. Em menos de seis meses, os eleitores que deram maioria absoluta ao MpD nas legislativas, entregaram, à primeira, a Chefia do Estado a um candidato apoiado pelo mesmo partido (PAICV) que em Abril caíra com estrondo, inclusive provocando, acto contínuo, a queda da sua líder, Janira Hopffer Almada. Com efeito, a coabitação política já ocorrera quando Jorge Carlos Fonseca ganhou as presidenciais de 2011, ainda com JMN como primeiro-ministro. Agora é JMN, enquanto PR, a ter de conviver com um governo que não é da sua cor política. A vida dá voltas, a política, idem. Ganha a democracia cabo-verdiana.

                                                                                                                  

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Os perdedores

Carlos Veiga

Convenhamos, Kalú não foi uma aposta bem elaborada do gabinete de comunicação e imagem do candidato apoiado pelo MpD e UCID. Seja como for, a terceira derrota de Carlos Veiga a uma corrida presidencial em Cabo Verde poderá ter consequências irreparáveis na vida política do antigo primeiro-ministro da década de 90. Para já, com 72 anos de idade, não é crível que Veiga ainda sonhe concorrer outra vez, o que, em termos práticos, o pode afastar de vez da cena política cabo-verdiana. Para além disso, Carlos Veiga investiu tudo nesta candidatura, chamando o MpD, seu líder e todo o elenco governamental – até se juntou à UCID para conquistar São Vicente, o que se revelou um flop – para se fazer eleger, mas não convenceu o eleitorado. Pior de tudo isso é o volume de dinheiro que fez circular para sustentar uma candidatura luxuosa e ousada – fala-se em números perto dos 100 mil contos – que foi um fiasco, já que sequer chegou a 80 mil votos que lhe garantiriam qualquer coisa como 80 mil contos do subsídio do Estado. É nestas alturas que se percebe que depois de uma derrota, quase sempre virá a bancarrota.

Ulisses Correia e Silva

Enquanto presidente do MpD, partido que apoiou a candidatura de Carlos Veiga, era aceitável e normal que Ulisses Correia e Silva declarasse publicamente o seu “apadrinhamento” ao projecto Kalú. Só não podia, sendo primeiro-ministro em função, dar a cara em outdoors ao lado de Kalú. A ideia era utilizar a sua imagem de político vencedor das legislativas para atrair o seu eleitorado. Saiu torto, porque UCS, fazendo orelhas moucas às reclamações da sociedade sobre a subida vertiginosa de preços de produtos e bens, não se apercebeu que está com popularidade em queda, pelo que haverá de concluir que a derrota de Carlos Veiga pode ter sido causada pela sua administração desastrosa em diversos sectores, sobretudo a nível dos transportes marítimo e aéreo, ou a falta de solução para a criminalidade crescente por todo o país. Essa arrogância política fez cair Óscar Santos da Câmara Municipal da Praia ante Francisco Carvalho, mas não lhe serviu de exemplo. Ademais, UCS era preferido por vários dirigentes e militantes do MpD para pleitear-se com JMN, aproveitando seu capital político. Entretanto, o peso de Veiga terá falado mais alto e a consequência disso (tal como aconteceu em 2010, quando regressou de repente à liderança do MpD, então liderado por Jorge Santos, que recuou para permitir a eleição de CV sem oposição interna) foi nova derrota do líder histórico ventoinha e um cartao amarelo ao Governo.

António Monteiro

O presidente da UCID terá sido, porventura, um dos maiores derrotados da noite eleitoral deste domingo. António Monteiro pode até justificar o apoio a Carlos Veiga, alegando que tanto a UCID, quanto o MpD são da mesma família política, a Internacional Democrata do Centro (IDC), isto é, ambos são do centro-direita. Mas nem mesmo os seus pares no partido democrata-cristão gostaram dessa ideia, tanto que Lídio Silva, antigo presidente da UCID, e outros militantes de peso demarcaram-se de António Monteiro para apoiar outros candidatos, como Hélio Santos e Fernando Delgado. Ora, Carlos Veiga contava com o crescendo do partido liderado por Monteiro no Norte do país (sobretudo São Vicente) para arregimentar o maior número de apoiantes e levar de vencida a concorrência. Aconteceu precisamente o contrário, ou seja, numa ilha onde o PAICV é terceira força política (score das últimas legislativas e autárquicas), JMN venceu categoricamente, minimizando toda e qualquer importância política de António Monteiro, líder da UCID que, à revelia de boa parte dos seus pares, colocou todas as fichas em Carlos Veiga. Agora, pedem a sua cabeça.

Hélio Sanches

Ok, Hélio Sanches não era favorito a ganhar estas eleições presidenciais, quando tinha como adversários Carlos Veiga e José Maria Neves, todos estes suportados pelas máquinas dos seus partidos. Mas era expectável que, perante o leque de candidatos que se posicionaram e estavam à cata de votos, Hélio Sanches fizesse melhor, obtivesse melhor. De facto, tirando Veiga e Neves, o advogado Sanches era o único dos restantes concorrentes que já tinha experiência política e administrativa de relevo (foi secretário-geral do Governo com Veiga primeiro-ministro, dirigente partidário e deputado nacional pelo MpD). Quer dizer, em teoria HS seria o terceiro mais bem cotado nas estimativas, com potencial para, ainda que com um score abaixo dos dois favoritos, provocar uma segunda volta. Nada disso, Hélio Sanches acabou num humilhante quinto lugar (2.112 votos, equivalentes a 1,1% da votação global), atrás, imagine-se, do desconhecido e atabalhoado Fernando Delgado, que chegou a 2.514 votos, ou seja, 1,4% do eleitorado. Mesmo em Santa Catarina, seu concelho natal, Sanches só conseguiu uns míseros 146 votos de mais de 26 mil eleitores. Flop total! 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine