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Governo cria embaixada de Cabo Verde no Marrocos e consulado no Sahara Ocidental e abre 'briga' com Argélia
Política

Governo cria embaixada de Cabo Verde no Marrocos e consulado no Sahara Ocidental e abre 'briga' com Argélia

O Governo criou formalmente a embaixada de Cabo Verde em Marrocos, na capital Rabat, e um consulado em Dakhla, no sul do país, e que fica no Sahara Ocidental, território que já foi colónia de Espanha e que mesmo auto-proclamando a sua independência há 50 anos continua a ser reivindicado também por Argélia num braço-de-ferro de décadas com Marrocos.  O que Cabo Verde ganha com a instalação de uma missão diplomática naquele país do Magreb, com todos os custos que acarreta e em tempos de crise financeira?

Num decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros e promulgado pelo Presidente da República, José Maria Neves, o Governo recorda que Cabo Verde e Marrocos estabeleceram relações diplomáticas em 1986, “com subsequentes acções de cooperação que resultaram em ganhos palpáveis em sectores importantes de actividades”.

“Quais sejam, por exemplo, a formação de quadros que tem sido a área de maior concentração da cooperação, transportes aéreos, água e electricidade, histórico-cultural”, lê-se. “Entre as iniciativas atrás referidas está a redefinição da cobertura diplomática e consular de Cabo Verde no território marroquino e vice-versa, mediante criação das representações diplomáticas e consulares residentes num território e noutro”, acrescenta o decreto-lei, que formaliza a “instituição de uma representação diplomática cabo-verdiana em Rabat, cidade capital marroquina e de uma representação consular em Dakhla na região sul de Marrocos”.Delaman.NET

Nota-se que o decreto, propositadamente, não faz qualquer menção ao Sahara Ocidental, que alberga a cidade de Dakhla, preferindo “região sul de Marrocos”, dando a entender que apoia a posição de Rabat e que não reconhece a autonomia da República Árabe Saraui Democrática (RASD), que auto-proclamou a sua independência de Marrocos em 1975.

Questiona-se, portanto, o que estará por detrás da abertura de uma embaixada em Rabat e um consulado “no sul de Marrocos”, em Dakhla, com todos os custos que essa operação acarreta e logo numa altura em que o país vive confrontado com uma situação de crise social e económica, agravada com o suspense na redefinição da geopolítica internacional, devido ao conflito russo-ucraniano e as consequências negativas que já se começam a notar.

Depois da visita do ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Integração Regional, Rui Figueiredo Soares, ao Reino de Marrocos, em Junho deste ano, para um encontro com o seu homólogo Nasser Bourita, Praia enviou a Rabat uma equipa avançada para procurar instalações, o custo de vida, enfim fazer uma 'prospecção' do mercado antes de formalizar a abertura da embaixada em Marrocos.

Uma fonte do jornal A Nação, que aflorou este assunto na sua edição de 30 de Junho, acredita que não será Cabo Verde a arcar com as despesas dessa operação diplomática e, sim, que a instalação da embaixada de Cabo Verde em Rabat, assim como a instalação do consulado-geral em Dakhla, serão financiadas pelo Reino de Marrocos, “numa perspectiva de pagamento de favores, pelo facto de a diplomacia cabo-verdiana ter alterado a sua posição em relação ao problema do Sahara Ocidental”, passando Cabo Verde assumidamente a apoiar a integridade territorial do Reino de Marrocos relativamente ao Sahara Ocidental.

Uma posição que agrada sobremaneira os marroquinos, que na pessoa do seu ministro dos Negócios estrangeiros, Nasser Bourita, prometeu ajudar Cabo Verde no desenvolvimento socioeconómico do arquipélago, em sectores prioritários como a agricultura, pescas, turismo, habitação e construção, formação profissional e energias - os dois países acordaram em apoiar, de forma concertada e mútua, as candidaturas marroquinas e cabo-verdianas ao nível dos organismos regionais e internacionais, tanto que Soares e Bourita combinaram em instruir os seus representantes permanentes em Nova Iorque, Genebra e na União Africana para coordenarem as suas acções e decisões em assuntos de interesse comum.

O factor Argélia

Este virar de jogo por parte de Cabo Verde, tem outras consequências. E a principal é o factor Argélia, país amigo deste arquipélago e cujas relações de cooperação vêm desde a luta independentista nacional.

É que, ao endossar o seu apoio à integridade territorial do reino do Marrocos, aceitando o Sahara Ocidental como parte desse país magrebino, Cabo Verde abre uma briga com o seu país-amigo, Argélia, que poderá deixar de apoiar o arquipelago nas várias frentes diplomáticas como vinha sucedendo até aqui. Razão pela qual, algumas fontes, consideram extemporânea a decisão do Governo abrir agora uma embaixada no Marrocos, ainda por cima, um país estrategicamente pouco interessante nesta conjuntura, e um consulado numa região (Sahara Ocidental) com a qual Cabo Verde não tem qualquer relação.

Argélia e Marrocos, tendo pelo meio a Frente Polisário, que proclamou a RASD (República Árabe Saraui Democrática, em 1975) há muito que mantêm um braço-de-ferro pela posse daquela que foi no passado uma colónia espanhola. 

Como escrevia o A Nação de 30 de Junho, “diante do que parece estar em jogo, falta saber o que Cabo Verde ‘encaixou’ ou vai ‘averbar’, em termos materiais e financeiros, realmente, para este alinhamento junto do Marrocos”.

Sahara Ocidental

Sahara Ocidental é um território do Norte da África, limitado a norte por Marrocos, a leste pela Argélia, a leste e sul pela Mauritânia e a oeste pelo Oceano Atlântico, por onde faz fronteira marítima com as Ilhas Canárias. Sua área de superfície é de 266.000 km² e é um dos territórios mais escassamente povoados do mundo, consistindo principalmente de planícies desérticas. A população é estimada em pouco mais de 500.000 habitantes, dos quais quase 40% vivem em El Aiune, a capital e maior cidade do Saara Ocidental. O controle do território é disputado pelo Reino de Marrocos e pelo movimento independentista Frente Polisário.

Ocupado pela Espanha até 1975, o Saara Ocidental, um território rico em minerais, água (subterrânea) e pesca, está na lista das Nações Unidas de territórios não autônomos desde 1963, após uma demanda marroquina. Em 1965, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou sua primeira resolução sobre o Saara Ocidental, pedindo à Espanha que descolonizasse o território.

Um ano depois, uma nova resolução foi aprovada pela Assembleia Geral solicitando que um referendo fosse realizado pela Espanha sobre autodeterminação. Em 1975, a Espanha cedeu o controle administrativo do território a uma administração conjunta do Marrocos - que havia reivindicado formalmente o território desde 1957 - e da Mauritânia. Uma guerra eclodiu entre esses países e um movimento nacionalista saarauí, a Frente Polisário, proclamou a República Árabe Saaraui Democrática (RASD) com um governo no exílio em Tindouf, Argélia.

A Mauritânia retirou suas reivindicações em 1979 e o Marrocos acabou garantindo de facto o controle da maior parte do território, incluindo todas as grandes cidades e recursos naturais. As Nações Unidas consideram a Frente Polisário a legítima representante do povo sarauí e afirma que os sarauís têm direito à autodeterminação.

Desde um acordo de cessar-fogo patrocinado pelas Nações Unidas em 1991, dois terços do território (incluindo a maior parte da costa atlântica) é administrado pelo governo marroquino, com apoio tácito da França e dos Estados Unidos. O restante do território é administrado pela RASD, apoiada pela Argélia.

A Frente Polisário ganhou o reconhecimento formal para a RASD de 46 estados e foi alargada a adesão à União Africana.

 

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