A edição da Constituição da República de Cabo Verde (CRCV) alusiva aos 25 anos da lei magna ficou manchada por um conjunto de erros, gralhas e incorrecções “considerado inadmissível” pela bancada do PAICV, numa declaração política do deputado e vice-presidente do partido Tambarina, João Baptista Pereira.
Jorge Santos, presidente do Parlamento, e principal protagonista deste incidente, já admitiu o logro e promete duas medidas imediatas, para, nesta primeira fase, reparar, ou pelo menos, minimizar o problema: abrir um inquérito para apurar responsabilidades e mandar recolher os 92 exemplares já distribuídos entre os deputados e membros do governo.
Santiago Magazine não conseguiu saber quanto custou esta edição da CRCV, mas presume-se que, tal como os manuais de matemática, terão custado uma avultada soma ao Parlamento (foram impressos 500 exemplares), "por mera negligência ou pouco profissionalismo de quem não fez o seu trabalho como devia", segundo um funcionário da Assembleia Nacional.
E aqui, segundo as contas deste diário digital, pelo menos três entidades devem ser chamadas a prestar contas: Jorge Santos, presidente da Assembleia Nacional, que é quem encomendou as edições, e tinha como responsabilidade averiguar da qualidade do serviço, no acto da recepção do produto; Maianga Produções Lda, a quem coube a concepção do design e paginação; Soares Artes Gráficas, que fez a impressão e os acabamentos. Os dados oficiais dizem que Maianga Produções Lda, é propriedade de um cidadão brasileiro, Sérgio Garcia Guerra. Já Soares Artes Gráficas Lda, do Brasil, não tem qualquer experiência na edição de livros.
Os erros, as gralhas e incorrecções foram considerados graves pelo deputado João Baptista Pereira. “O documento editado pela Assembleia Nacional destaca-se, negativamente, pela troca de páginas, artigos, secções, capítulos, títulos e partes da Constituição da República, aprovada pela Assembleia Nacional, em 1992, com as alterações nela introduzidas pelas revisões de 1999 e de 2010”, observa o deputado do PAICV, para quem “os lapsos do documento editado pela Assembleia Nacional são de bradar aos céus”.
Neste contexto, a declaração política da bancada do PAICV, exemplifica a sua posição com os seguintes exemplos: “1. A página 64 é seguida da página 69; 2. O artigo 78° (Direito a educação), que, na sistemática da Constituição, pertence à PARTE II, que trata dos Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais é seguido imediatamente do artigo 86° (Deveres para com as autoridades); 3. A página 65 vem logo a seguir à página 72; 4. O artigo 79° (Direito a cultura), que, na sistemática da Constituição, pertence à PARTE II, que trata dos Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais, vem depois do artigo 92º (Banco de Cabo Verde) – PARTE III – DA ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA E FINANCEIRA); 5. A página 68 é seguida da página 77; 6. O artigo 100º (Fiscalização das operações eleitorais - PARTE IV - DO EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO) vem logo a seguir ao artigo 85º (Deveres para com a Nação e a comunidade - TÍTULO III – PARTE II - DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS); 7. A página 73 vem logo depois da página 80; 8. O artigo 93º (Sistema fiscal - PARTE III – DA ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA E FINANCEIRA) vem logo depois do artigo 109º (Modo de Eleição do Presidente da República - PARTE IV DO EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO); 9. A página 81 é antecedida da página 76; 10. O artigo 99º (Campanha eleitoral) é seguido do artigo 110° (Condições de elegibilidade do PR – tirando completamente do contexto: Artigo 100º (Fiscalização das operações eleitorais); Artigo 101º (Segredo e unicidade do voto); Artigo 102º (Círculos eleitorais); Artigo 103º (Princípios gerais e comuns); Artigo 104º (Exercício do poder político por sufrágio); Artigo 105º (Conversão de votos); Artigo 106º (Apresentação de candidaturas); Artigo 107º (Imunidade dos candidatos); Artigo 108º (Marcação de datas de eleições); Artigo 109º (Modo de eleição)”.
Termos em que a bancada tambarina aconselhou Jorge Santos no sentido de que “para minimizar os impactos negativos da disseminação desse documento junto da sociedade, é imperativo suster-se imediatamente a distribuição dessas constituições e, com a maior brevidade possível, se proceder à recolha de todos os exemplares já oferecidos ou vendidos, sendo neste caso, com devolução dos montantes recebidos”.
O PAICV pediu ainda ao presidente do Parlamento cabo-verdiano que partilhasse com os cabo-verdianos “os meandros do processo que culminou com a famigerada edição da Constituição da República alusiva aos 25 anos da sua aprovação, um documento sem qualidade e, por isso, a pior de todas as constituições da República editadas até à presente data”.
O deputado do MpD e vice-presdente da bancada parlamentar ventoinha, João Gomes, também criticou o documento. “Infelizmente, as coisas não correram bem com esta impressão e publicação e pedimos ao senhor presidente que a Assembleia Nacional mande averiguar, doa a quem doer, para que medidas sejam tomadas”, disse, pedindo ao mesmo tempo que os prevaricadores “sejam sancionados”.
O deputado ventoinha reconheceu que se está perante uma “situação anómala”, pois, diz ele, “não se concebe que uma gráfica possa imprimir uma Constituição e não haja ninguém nessa gráfica, que se preocupe com a revisão”. João Gomes foi ainda mais longe ao perguntar se na Assembleia Nacional “não há técnicos responsáveis para fazerem essa revisão”.
Para Gomes, a bancada do MpD “exige explicações” em relação ao que aconteceu com a citada publicação. Entretanto, acusa o PAICV, emparticular o deputado João Baptista Pereira, de querer aproveitar da situação para aproveitamento politico.
“Nunca esperei, enquanto deputado nacional, assistir a uma tamanha deslealdade institucional”, indicou o parlamentar da bancada do MpD, numa referência à declaração política do PAICV, para depois realçar que este assunto “podia ter sido tratado a nível da conferência (de representantes) e com o senhor presidente (do Parlamento)”.
“Subir ao palanque, a vangloriar-se e a mostrar a Constituição mal impressa é uma vergonha nacional e o partido (PAICV) que bate palmas a essa deslealdade não merece outra coisa senão ficar lá onde está na oposição”, concluiu o eleito do MpD pelo círculo eleitoral de S. Vicente. A reacção do deputado João Baptista Pereira às declarações do seu colega não se fez esperar e considera que “não há quem, de consciência tranquila, possa ficar calado perante um caso desta natureza”.
Para o deputado do PAICV, não se trata de uma deslealdade, mas sim da “defesa da Constituição”. “A Assembleia Nacional tem juristas que paga com o erário público, tem serviços que paga com o erário público, tem advogados avençados com o erário público, mas ninguém fez isso”, comentou, referindo-se ao trabalho que o seu grupo parlamentar se deu para ler a Constituição “página a página e artigo a artigo” e detectar as falhas.
Entretanto, o presdente da Asemblia Nacional, Jorge Santos, já disse que vai abrir um inquérito para apurar responsabilidades. Com os resultados do inquérito, certamente o país passará a saber o que se passou e quanto custou esta edição.
Santiago Magazine sabe que a empresa que fez o design e a paginação do livro, constante da ficha técnica da edição em referência – a Maianga Produções, Lda - pertence a Sérgio Garcia Guerra, um cidadão brasileiro, residente na Praínha, com NIF 171779908. A sua empresa está registada com o NIF 271989505.
Esta empresa foi criada em 2016 e iniciou funções no dia 1 de Novembro desse ano e tem como objecto social principal “actividades de consultoria em tecnologias de informação”.
No entanto, a empresa Soares Artes Gráficas, que fez a impressão e o acabamento do livro, conforme ficha técnica da edição, não existe em Cabo Verde. Tem sede no Rio de Janeiro e a sua experiência no ramo vai até pequenos trabalhos gráficos como posters e cartazes de festas, calendários e fotos com molduras.
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