Relatório da Comissão Política Concelhia do MpD em São Domingos sobre o Panorâma Político nesse município do interior de Santiago considera "caótica a gestão camarária" e acusa Clemente Garcia de tomar decisões unilateriais e, inclusive, ilegais, pelo que, avisa, "os militantes e a Comissão Política Concelhia não apoiam a recandidatura do actual presidente".
O documento, endereçado ao presidente do partido, tem data de Julho de 2019, mas, segundo fontes de Santiago Magazine, mantém-se actual, tanto pelo periodo que abarca (um ano politico) quanto pelos assuntos que aborda e que continuam a inquietar os militantes do partido em São Domingos.
Numa altura em que paira uma grande indecisão sobre quem será o próximo candidato do MpD nesse concelho, com vários pretendentes já disponibilizados, este relatório da Comissão Concelhia do partido ventoinha, liderada por Isa Gandira Rodrigues, vem separar as águas e opôr-se claramente a uma eventual recandidatura do actual autarca, que cumpre ainda seu primeiro mandato à frente desse município e cuja continuidade vem sendo criticada pelos seus próprios pares, apesar de um suposto apoio do ministro de Estado e um dos vice-presidentes do MpD, Fernando Elisio Freire.
O texto, após um preâmbulo em que lembra a hegemonia do MpD em São Domingos desde a abertura política, faz uma caracterização extremamente negativa do desempenho de Clemente Garcia, com quem mostra estar de costas voltadas.
"Aqui, em São Domingos, as articulações entre sistemas, ou um determinado sistema não funciona bem, apesar de vários esforços feitos para o fortalecimento de relações, de diálogo e de apelo que fizemos no dia de apresentação do plano de atividades de CPC, na nossa 2ª sessão de assembleia concelhia ocorrida em Dezembro de 2018", começa por relatar o documento, que prossegue as denúncias afirmando taxativamente: "Temos um executivo Camarário, uma câmara municipal, em que começando pelo seu líder, se têm negados categórica e sistematicamente em articular com as estruturas do MpD de São Domingos (Assembleia Politica Concelhia, Comissão Politica Concelhia, Eleitos Nacionais, Eleitos Municipais) e que adicionado ao seu deficiente funcionamento, técnico, social, politico têm originados situações causadoras de um desempenho avaliado negativamente pelos munícipes e consequente descrédito, angústia, instabilidade, insatisfação, raiva e pavor, humilhação aos nossos militantes".
Segundo o mesmo relatório, "os membros da ACP e da CPC-SD têm sido sistemática e publicamente ignorados, humilhados pelo presidente da Câmara Municipal, Senhor Clemente Garcia", e cita uma série de situações em que o actual edil pouco ou nenhum caso fez das criticas e sugestões da CPC.
"O Presidente nunca reage. Isto é falta de consideração e desrespeito ao partido que o elegeu e aos munícipes de São Domingos. A CPC procura apoiar a Câmara na organização ou coorganização de algumas atividades de carácter politico, por exemplo, na comemoração do dia 13 de Janeiro, acaba por desistir, porque não é 'tida e nem achada', mesmo sabendo que tais atividades terão impacto político muito grande. É falta de colaboração. Quando o PAICV, através de seu sector local, publicamente acusa a câmara de certas ilegalidades (3 ocasiões neste mandato) procuramos contactar imediatamente o presidente da Câmara para nos explicar os factos e também nos fornecer os dados para que possamos responder politicamente à oposição. Nunca sequer responde ao nosso pedido, nem que seja com um simples “ciente”. Simplesmente ignora. É falta de respeito. O que vemos depois, são respostas do Presidente no facebook que nada dignificam um humano de respeito, um professor (de jovens e adolescentes), quanto mais um presidente de câmara. Pensamos que a melhor resposta às críticas da oposição é mostrar projetos, obras, trabalho, etc. A Câmara nunca nos convida para qualquer evento ou atividade que seja. O presidente de Câmara não participa e tenta impedir que alguns vereadores marcassem presença nas atividades realizadas pela Comissão Politica Concelhia".
A concelhia do MpD também revela que "os eleitos municipais têm muita dificuldade em falar com o Presidente de Câmara". "Nem pessoalmente, nem por telefone, nem mediante uma tentativa de audiência; as senhas de presença quando são pagas aos eleitos é de forma humilhante; a Assembleia Municipal de SD é a única da ilha de Santiago que não dispõe de uma viatura própria para trabalhos administrativos e políticos".
O mesmo se verifica em relação aos deputados Nacionais do MpD, eleitos pelo círculo de Santiago Sul (São Domingos). "Sabemos que o deputado Emanuel Lopes tem insistido em contactar com o Presidente para saber, articular e/ou discutir determinados assuntos de interesse do município, mas este nunca se disponibilizou para o efeito", informa a CPC de São Domingos.
"Assim não podemos continuar porque estamos a descredibilizar o coletivo MpD junto da população e dos seus militantes. Não queremos que o partido seja espelho de um só sistema deficiente ou de individualidades, mal visto pelos militantes e pela população. Não queremos que o partido tenha quem, chegando ao poder, deixa-se ser acorrentado por uma onda de arrogância e passa a cultivar o poder como se fosse seu poder. Nenhum elemento do sistema MPD pode remeter outros sistemas ou individualidades para os 'contentores de lixo', por mero capricho ou vingança", acrescenta o relatório.
E, analisando a Câmara Municipal, o documento da concelhia do MpD é claro: "O desempenho tem sido aquém das expectativas. Muitíssimo fraco apesar dos avultados recursos financeiros que o Governo tem disponibilizado ao município. Quem diz é toda a população e os próprios militantes", reconhece a CPC que aproveita para elencar um conjunto de situações que terão contribuído "para o mau desempenho da equipa camararia", como a existência de um Gabinete Técnico desestruturado - "sem arquiteto urbanístico/paisagístico, sem engenheiro civil sénior, sem um diretor que o dirige".
"Um munícipe solicita um croqui ou uma planta de localização ou uma autorização qualquer tem de esperar mais de 3 meses, e às vezes o consegue com muita insistência. Não há um técnico que dê um parecer sobre assuntos urbanísticos. Quem o dá é a vereadora de urbanismo. Isto não pode no nosso ponto de vista. Vereador e técnico ao mesmo tempo é ilegal e inconcebível", adverte o documento, que fala ainda da extinção dos serviços de Auditoria Interna e da Unidade de Aquisição Pública - "a CMSD tinha, até final do mandato da anterior equipa, um gabinete de Auditoria Interna e de Aquisição Pública gerida por um dos técnicos que se encontra, neste momento, sob assédio moral no trabalho. É o único auditor interno de CMSD" - e que estará a causar "erros nos procedimentos administrativos, levando ao seu cancelamento através de denúncias públicas por parte da oposição; falhas no orçamento e nas contas de gerência (equilíbrio); relatório anual de atividades rudimentar e sem consistência; ineficácia na gestão. Hoje, na CMSD, as compras (até papel higiénico), muitas vezes avulsas, e com consequente desperdício, são feitas pelo Vereador de Administração".
O relatório indica ainda que a delegação municipal de Nossa Senhora da Luz, em Milho Branco, está isolada e posta de lado e traz ao conhecimento do presidente do MpD, Ulisses Correia e Silva, casos de assédio moral no trabalho, apontando oito nomes de funcionários que já desempanharam altas funções no município, mas que foram colocados na prateleira. "Com eles são gastos anualmente quase 7.000 contos sem que produzam nada".
A CPC afirma que tem havido "algumas obras avulsas, descoordenadas e desestruturantes, com défice no planeamento e na execução e a custos avultados; obras que não terminam e com elevadas dívidas aos trabalhadores (pobres chefe de famílias) e aos colaboradores", deixando transparecer inclusive certas medidas tomadas de forma ilegal. "A equipa da CM não funciona como um órgão colegial. As decisões que devem ser da equipa são tomadas exclusivamente pelo presidente. Os vereadores nem assinam atas de reuniões. Não há votação de assuntos de tomada de decisão. Não há votação de assuntos sujeitos à deliberação".
No entender da Comissão Politica concelhia do MpD, o presidente de Câmara está "distante da população", tanto que, diz a CPC, "dos contactos que já fizemos com os militantes e simpatizantes do MpD, com os funcionários e com a população em geral, há um único denominador comum: Não querem mais este presidente. Não querem Clemente Garcia".
Portanto, conclui o relatório, "exige-se uma liderança dinâmica e visionária para São Domingos", pois "a gestão camarária é caótica". Por isso, "os militantes, amigos e simpatizantes do MpD São Domingos não apoiam a recandidatura do atual Presidente. Os Membros da APC e da CPC não apoiam a recandidatura do atual presidente", avisa o órgão máximo do MpD em São Domingos.
Ao Santiago Magazine, a presidente da CPC de São Domingos disse não se recordar de ter escrito tal relatório. Mesmo depois de enviarmos o documento para lhe refrescar a memória, Isa Gandira Rodrigues insistiu em afirmar que não escreveu esse documento, sugerindo que talvez fosse feito por outra pessoa no sentido de promover uma notícia falsa. Isa Gandira diz também que a CPC de São Domingos não escolheu nenhum candidato para as autárquicas.
Para além disso, Santiago Magazine sabe e pode provar que esse relatório existe e que, inclusive, foi a própria Gandira quem o levou à direcção do partido. Além disso, vários contactos feitos por este jornal junto de pessoas conhecedoras do dossier confirmam o relatório.
A propósito, foi por causa dessas denúncias da CPC de São Domingos que Ulisses Correia e Silva se viu obrigado a se reunir com os seus militantes nesse concelho para porem tudo em pratos limpos. Esse encontro aconteceu no dia 10 de Agosto do ano passado no Salão Paroquial no centro da cidade.
Santiago Magazine tentou ouvir a posição de Clemente Garcia mas este não atendeu as nossas chamadas.
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