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Boa Vista. Ancorada entre dois mundos!
Ponto de Vista

Boa Vista. Ancorada entre dois mundos!

Todos os cabo-verdianos deviam conhecer a Praia da Santa Mónica, uma das melhores praias do mundo. Mas não vim aqui para falar da geográfica física e sim da geografia humana da ilha da Boa Vista!

Entre dois mundos está ancorada a Ilha da Boa Vista; e nesta imensidão oceânica conflui a ingratidão, a injustiça, a violação dos direitos humanos, a corrupção do poder municipal, o racismo, enfim ocorre aqui um mar de incongruências e contradições, diante de um poder central, o Governo, que finge nada ver, e diante de um poder local, que viola frontalmente a CRCV, sendo o Bairro de Boa Esperança a ponta do iceberg de um grande problema!

Entre dois mundos está ancorada a Ilha da Boa Vista, com um poder local que nega o direito à habitação aos santiaguenses. Como consequência de quinhentos anos de escravatura europeia, ficou no ADN dos cabo-verdianos uma reverência bajuladora aos europeus, uma herança de medo perante o antigo colonizador, um poder municipal que por um lado tirou e tira o chapéu aos europeus em tudo, mas que, por outro lado, espezinha os seus irmãos da terra, negando-lhes o direito a uma habitação condigna! Entre estes dois mundos, de um lado Hotéis de luxo, pertencentes aos europeus, e de outro o Bairro da Boa Esperança com a sua pobreza e falta de condições essenciais para uma vida digna, entre as quais a sanitária, pertencente aos santiaguenses e irmãos da costa ocidental africana!

O Bairro da Boa Esperança, fruto de um poder municipal que pratica a discriminação racial contra os santiaguenses, parecido com um gueto, um bairro habitado na sua maioria por gentes de Santiago que trabalham nos hotéis luxuosos da ilha e vivem num bairro cujo fornecimento de água, energia e saneamento básico, serviços esses que passam a centímetros da referida localidade, lhe é negado pelo poder municipal.

Entre dois mundos está ancorada a Ilha da Boa Vista, com uma riqueza imobiliária gigantesca, uma imensa atividade económica, produzindo externalidades positivas para o Estado que arrecada balúrdio de impostos para o erário publico, mas que, em termos de contrapartida para os serviços públicos básicos, nomeadamente a saúde, apenas dispõe de um Centro de Saúde (com necessidade de equipamentos básicos de saúde) e profissionais com necessidade de reciclagem e de formação, para uma população de dezassete mil habitantes. Constata-se grande incongruência, quando se elege o turismo como atividade económica prioritária para Boa Vista, e esquece-se que quem visita Cabo Verde devia ter disponível uma infraestrutura pública como a saúde mais ou menos alinhada com a infraestrutura de saúde de seu país de origem; constata-se também um serviço de saúde primitivo e em contradição com os ditames de quem diz que o turismo é a galinha dos ovos de ouro.

Não podia alongar mais esta prosa sem ao menos fazer referência à denúncia pública de corrupção dos terrenos contra os Responsáveis Municipais da Boa Vista, feita por Sérgio Corra, o italiano cabo-verdiano. O Procurador-geral da Republica tem em mãos mais uma missão espinhosa, pois que todos os cabo-verdianos são iguais perante a lei, não pode haver intocáveis neste país. Aliás o que tem incrementado as desigualdades sociais neste país é a mega corrupção dos terrenos, uma das variáveis que impede o acesso à habitação às pessoas de fraco poder económico!

Enfim, entre estes dois mundos está ancorada a Ilha da Boa Vista e uma verdade inabalável, apesar das diferenças: todos vivem debaixo do mesmo sol, sujeitos à limitação do homem perante a Mãe natureza e aqui os dois mundos se esgotam em nada; repito, se esgotam em nada, em nada!

Sal Rei, 30 Março de 2020

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Redação