Júlio de Carvalho fala da sua candidatura para a presidência da Comissão de CEDEAO, numa abordagem simples e clarividente sobre as grandes questões da comunidade, concluindo que “as políticas de infra-estrutura, paz e segurança, união aduaneira, capacitação do sector privado são fundamentais para a criação de uma efectiva unidade”
Santiago Magazine - O que o move a disponibilizar-se à presidência da Comissão da CEDEAO?
Júlio de Carvalho - Passei seis anos em dez países, como residente, trabalhador operário, desportista e professor. Durante a minha estadia testemunhei e vivi a pobreza e suas precariedades nos domínios de educação, saúde, violação de direitos humanos, segurança pessoal e colectiva, que assolam esses países irmãos e atormentam o seu martirizado povo. Com efeito, o que vi e convivi nos países da CEDEAO, cimentaram na minha pessoa um profundo sentido de responsabilidade política e social, que hoje com formação, qualificações e experiência que adquiri pretendo assumir como cidadão africano. Nesta perspectiva a minha motivação é antes de mais nada, moral e política e traduz uma aposta da minha pessoa em modestamente contribuir na medida das minhas possibilidades e capacidades para o rompimento da situação de pobreza, estagnação e opressão económica e política do povo africano.
O seu percurso profissional e político dá-lhe alguma vantagem para vir a ser escolhido?
Como disse anteriormente, vivi com os nacionais da CEDEAO nas terras deles. Conheço muito bem a realidade da nossa sub-região. Também, como académico e membro de organizações regionais como WEST AFRICA THINK TANK (Dakar) e colaborador com Instituto África Ocidental (Praia), e outas instituições, tenho tido acesso a dados analíticos que me permitem conhecer de fundo a nossa sub-região. Igualmente, tenho mantido, com frequência, contacto e discussões com cidadãos da nossa sub-região. A combinação de conhecimentos explícitos e tácitos, permitiram-me organizar e apresentar uma proposta/plataforma abrangente, propondo acções específicas para a nossa sub-região. Venho seguindo as questões de CEDEAO por vários anos. Por isso, tenho ideias concretas para juntos enfrentarmos os desafios da nossa sub-região. Estou constantemente a aprender e a acompanhar a nossa sub-região. Aprendo com amigos, académicos, fontes governamentais e multilaterais diversas, como por exemplo o Banco Africano de Desenvolvimento, etc. Infelizmente não posso dizer que as minhas fontes de aprendizagem têm muito a ver com o nosso país porque o conhecimento da CEDEAO em Cabo Verde é ainda muito limitado. Neste contexto, já em 1993, ao regressar do continente para Cabo Verde, apresentei uma proposta ao então primeiro-ministro no sentido de criar um Movimento de Apoio à Integração Africana. Claro, nada resultou porque nessa época, CEDEAO não era prioridade. Como deve notar, a minha candidatura não cai do céu. Foi adequadamente pensada e assumida.
Conta com o apoio de quem? Já tem suporte do Governo de Cabo Verde?
Acredito plenamente que tenho razões para isso que o Estado de Cabo Verde ainda não tem uma escolha. Não é uma questão fácil e o processo exige a transparência para que Cabo Verde possa apresentar um candidato sólido. No meu caso, sou um cabo-verdiano residente nos Estado Unidos, onde exerço as funções de docente e académico. Sou Doutorado em Liderança Educativa, Certificado de Estudos Avançados (CAGS) em Administração Escolar, Mestrado em Educação com incidências no Ensino Integrado e Gestão de Empresas, Certificado de Pós-Graduação Especializado em Negociação e Resolução de Conflitos, Certificado de Pós-Graduação Especializado em Diversidade, Licenciatura em Línguas Estrangeiras, Frequência de programas de Direito Geral com e Programa de Mestrado em Diplomacia com incidência no Comércio Internacional. Mais, devo dizer que tenho um profundo conhecimento das várias culturas que englobam a nossa sub-região. E falo as três línguas oficiais da comunidade com fluência em outras três línguas nativas da nossa sub-região, incluindo a base de comunicação em Wolof da Senegabia. Sendo assim, as minhas qualificações e experiência são os maiores suportes que tenho. Já falei com várias individualidades cabo-verdianas e da CEDEAO que me expressaram a sua satisfação em ver a minha manifestação de interesse. Como a minha candidatura é para Cabo Verde e CEDEAO, vou precisar do apoio de todos eles considerando o meu percurso.
O que é que pode trazer de diferente à Comisso da CEDEAO? Isto é, o que podemos esperar da sua liderança caso vencer esta disputa?
Muitas coisas conforme estão delineadas na minha proposta de candidatura. De acordo com o documento de Visão 2020, adoptada pela Autoridade em Junho de 2007 e que constitui um marco histórico no desenvolvimento institucional e de recentragem dos fins últimos da CEDEAO, os principais desafios que a organização enfrentava e ainda de certo modo enfrenta são: Insegurança Humana; Desigualdades de Géneros e Vulnerabilidade de segmentos importantes da população; Qualidade pobre de serviços sociais; Inadequadas infraestruturas; Pressão populacional sobre Recursos; Alto custo de fazer negócios; Processo lento de Integração regional; Dependência da exportação de um conjunto pequeno de recursos naturais; Mudanças Climáticas e degradação ambiental.
E, a nível político, sobressaem os desafios da integração regional, instabilidade e violência política, entre outras questões como governação e direito humanos e cívicos. Sendo assim, para enfrentar esses desafios e obstáculos são propostos cinco blocos transformativos na linguagem da Visão: (a) Desenvolvimento de Recursos, (b) Paz e Segurança, (c) Boa Governação, (d) Integração económica, (e) Integração monetária. É no quadro desses blocos transformativos e de vários programas e projectos já em implementação que propomos articular as nossas prioridades. Essas prioridades são nos domínios de:
Por isso, neste domínio a cooperação internacional é fundamental. Privilegiarei nesta cooperação, contribuição em meios e capacitação técnico militar em detrimento de presença militar estrangeira nos países membros, sem comprometer a eficácia no combate militar aos criminosos internacionais e aos inimigos da paz e tolerância política nos nossos países.
Considera influência política pode ser determinante na região?
Digo que sim! Cabo Verde tem sido um Estado sólido com boas políticas onde geralmente, os valores e a cidadania são defendidos e respeitados. Contudo, para que possamos assumir a liderança de CEDEAO, Cabo Verde teria que fazer um “lobbying” muito forte junto de alguns países da sub-região. Na lógica, é a vez de Cabo Verde, mas não existe um “DONE DEAL”. Outros países poderão se interessar pela liderança. Também, Cabo Verde precisa de se comprometer e assumir mais o seu papel a nível da nossa sub-região. No meu caso específico, pisei no solo do continente, pela primeira vez, em 1978, quando eu estava nas vésperas dos meus catorze aniversários. Nessa altura, representei Cabo Verde na equipa nacional de ténis. E vim para os Estado Unidos, pela primeira vez, em 1984. Nessa altura, nos Estado Unidos, aproveitei para estudar e atingi o nível máximo académico, isto é, o grau de Doutor. Entendo a política ocidental, cabo-verdiana e da nossa sub-região. Cabo Verde pode convencer os outros países que estamos em condições de liderar. Mas, como esses países têm independência na escolha, seria de bom tom que o candidato escolhido fosse realmente alguém competente em disciplinas interdisciplinares e de mente aberta. Acredito que sou essa pessoa!
Como vê a integração económica na região? Como pretende transformar essa unidade efectiva?
A CEDEAO foi criada na Cimeira de Lagos em 1975, na sequência de várias iniciativas de cooperação e integração económica e política, com destaque para a proposta de 1972 sobre a União dos Estados da África Ocidental, promovida pelos então Chefes de Estado da Nigéria e do Togo, respectivamente o General Yakubu Gowon e Gnassingbe. A iniciativa de 1972 constituiu a base principal do Tratado de Lagos, que no entanto, sofreu uma alteração importante em 1993, num contexto de emergência de profundas mudanças no panorama internacional, africano e sub-regional. A sua criação obedeceu a fundamentos seculares e da história moderna da África colonial e pós-colonial, nos domínios de cooperação económica e integração sub-regional. Fundamentos alicerçados em identidades culturais, laços históricos e de comércio tradicional transfronteiriço entre os países da sub-região no período colonial e pré colonial, e nas tendências e experiências internacionais modernas iniciadas no século 20 de formação de unidades económicas e políticas supranacionais . Assim, pode notar que a questão da integração económica é chave para o desenvolvimento e a consolidação de CEDEAO. Neste quadro, a dinamização do processo em vista a atingir a união aduaneira em 2040 é fundamental. Também, são fundamentais as políticas de realização de infraestruturas rodoviárias, ferroviárias, aéreas que facilitem de uma forma segura e eficiente o movimento de pessoas e bens na região. É por isso que a política de paz e segurança tem também uma importância fundamental. Também, o reforço da capacidade no sector privado para integração económica é fundamental na medida em que o sector privado é o principal agente de investimento que será mais lucrativo num mercado alargado. Resumindo, como já disse, as políticas de infraestrutura, paz e segurança, união aduaneira, capacitação do sector privado são fundamentais para a criação de uma efectiva unidade. Termino lembrando sempre que a CEDEAO é uma escada no caminho da Unidade Africana. E, nesta medida também, a estreita cooperação com a União Africana é de grande importância.
Cabo Verde, de certa forma, tem desaproveitado esse imenso mercado da CEDEAO, com poucas trocas comerciais e investimentos praticamente nulos, apesar dos incentivos com a Taxa Económica Comum. O que estará na base disso e como reverter esse quadro?
Na qualidade de um país insular e membro da CEDEAO, Cabo Verde, na minha opinião, precisa redefinir a sua política em relação à nossa sub-região. A CEDEAO tem uma dimensão enorme e grandes potencialidades. Os quadros da CEDEAO são altamente qualificados em áreas interdisciplinares. Nós temos preconceitos que estão a impedir-nos de conhecer e/ou abraçar a nossa sub-região. Acho que muitos cabo-verdianos também têm complexo da sua africanidade. Muito cedo dei conta de que cabo-verdianos não conhecem a nossa sub-região e a África em geral. Isso tem contribuído para o nosso relativo atraso em aproveitar o que a CEDEAO pode oferecer. Por exemplo, tem havido alguns passos consistentes no aproveitamento de matérias-primas para o processamento em Cabo Verde apesar da taxa económica comum existente facilitar esta actividade? Tem havido alguma abordagem por parte de Cabo Verde para a avaliação de possibilidades de integrar a cadeia de valor de seleccionados produtos industriais ou agrícolas, cujas partes poderão ser processados ou produzidos com vantagens em Cabo Verde? Eu poderia dar muito mais exemplos. É certo que a nossa integração e as vantagens que traz coloca-nos um desafio profundo que é o de transporte. Mas, aqui devo dizer que nada é impossível quando existe a vontade, determinação política e consciência dessas vantagens.
A criação da moeda única da CEDEAO é uma questão delicada para Cabo Verde, cuja moeda está indexada ao Euro por via do Acordo Cambial com Portugal. O que vai mudar e quais os argumentos para convencer Cabo Verde a aderir a esta nova moeda na região?
Aqui, confesso que a minha posição é reticente. Como abordei antes, o cabo-verdiano não conhece a nossa sub-região e tem preconceitos sobre as “coisas” africanas. Também, existem muitas assimetrias entre países. Infelizmente, a nossa sub-região tem países que fazem parte dos mais pobres do mundo e tem uma potência africana que é a maior economia de Africa. Aderir-se à moeda única é uma possibilidade...mas com ponderação e estudos de viabilidade. A Europa, com toda força, está a ter problemas com a moeda única. Por exemplo, a Inglaterra nunca se aderiu a euro. Mas, no nosso caso, precisamos entender as vantagens e desvantagens. Lembrem-se que estamos ligados ao euro e que temos grande dependência da economia europeia...e poderíamos, talvez, começar o processo em etapas, primeiro consolidando a cooperação e integração económica.
Comentários