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Mana Guta quer fazer jus aos ancestrais através da escrita
Entrevista

Mana Guta quer fazer jus aos ancestrais através da escrita

A escrita é a forma que Mana Guta encontrou para fazer jus aos ancestrais depois de ter passado por um sofrimento pessoal em 2012, “num hino à memória, nas denúncias de carácter social e na procura de uma estética que valorize o pensar filosófico e o modo de sentir a arte em Cabo Verde.” Fala Mana Guta, ou Maria Augusta Évora Tavares Teixeira, natural de São Miguel, Santiago, mestre em Letras, e professora universitária há 20 anos.

Santiago Magazine - Quem é Mana Guta?

Mana Guta - É o meu eu feminino, em eterno desassossego, que encontrou um espaço-texto para dar vazão ao meu eu da escrita. Este, por sua vez, quer fazer jus aos meus ancestrais, num hino à memória, nas denúncias de carácter social e na procura de uma estética que valorize o pensar filosófico e o modo de sentir a arte em Cabo Verde.

Que tipo de trabalho tem feito?

De 1992 a 2012 vinha publicando textos académicos, na minha área de actuação ligada a Línguas, Literatura e Cultura. Usava o meu nome de baptismo Maria Augusta Évora Tavares, até 1999 e, na sequência do casamento, acrescentei Teixeira. Em 2012, num momento de muito sofrimento pessoal, em que tinha que acomodar uma notícia terrível e ainda manter a serenidade para tomar decisões práticas num país estrangeiro, onde pessoas da minha família em Cabo Verde dependiam de mim, fui procurar, na infância e na juventude, as vozes que me socorressem. Cheguei a passar muitas noites sem dormir e só me lembrava das responsabilidades que me foram atribuídas, ainda muito nova, devido ao facto de ter sido a primeira filha, primeira neta e primeira bisneta… o que, na nossa tradição familiar, exige um amadurecimento precoce. Decidi, assim, que era essa Mana Guta que ia dar nó às minhas tripas, congelar provisoriamente o meu coração e assumir o comando, uma última vez. Era a única forma de manter a lucidez. E Mana Guta podia dar vida e voz aos meus mais velhos. E assim assumi este nome de família como nome artístico.

É hoje uma voz conhecida no mundo literário cabo-verdiano. Quando e qual é o primeiro trabalho que publicou?

Em projecto individual, foram dois títulos num mesmo volume dos anais de Jornadas e Congressos de Letras da minha Universidade. Chamavam-se “A ideologia da elite no livro didáctico - Reflexão e Crítica” e “Cabo Verde face à Língua Portuguesa: uma nação bilíngue?”, no ano de 1994, o 3º da minha Graduação. Mas, em 1992, resultado de uma pesquisa de grupo, publicava o meu primeiro texto. Frequentava o primeiro ano do Curso de Letras, no Rio de Janeiro-Brasil.

 “Quadro da Assembleia Nacional e a fazer um doutoramento ligado à literatura de representações das línguas de Cabo Verde ligadas à identidade cultural em construção, ela tem focado muito em “Literatura de Inclusão”, que já lhe valeu prémios, para além de vários trabalhos académicos.”

E essa de literatura de inclusão. Porquê a literatura de inclusão?

Para mim, é a única forma de fazer literatura. Sou Licenciada e Mestre em Letras (Línguas e Literaturas Modernas) e mesmo o meu trabalho de Doutoramento faz interface com Letras. Entendo que, se para além da escrita académica, me permito estar deste outro lado de quem faz a arte, a minha escrita não deve fazer eco aos mesmos referenciais que a escrita académica sufraga. É a minha oportunidade de divulgar a poesia de quem tem um pensar filosófico e uma concepção de mundo que são desconhecidos dos centros de poder, do assim chamado cânone. Quantos professores de literatura, quantos críticos literários viveram no interior de Santiago, numa época em que não havia energia eléctrica e conheceram o mundo de homens e mulheres analfabetos, soberbamente sábios! mas silenciados? Penso, em respeito a eles, que devo usar todo esse privilégio (o de lhes dever tudo o que sou e o de estar no lugar da fala) para exercitar a denúncia e promover a superação.

É algo novo por aqui. Como está Cabo Verde em relação a publicação desse tipo de literatura?

Como toda a cultura resultante de processos de colonização, somos contraditórios, na nossa forma de identidade e de expressão. O nosso sentir está cá dentro, mas as leis que regem a valorização da nossa cultura, tão rica, autónoma e pujante, são pedidas de empréstimo ao exterior. A literatura de inclusão precisa de um engajamento político, de quem está disposto a assumir projectos de arte engajada com os projectos sociais. Isto é, muitos fazem literatura engajada, mas alguns deixam de potenciá-la, porque ficam à espera do crivo de alguém e instituições estrangeiras que, naturalmente, têm outra cultura, outras referências, outros sentimentos de pertença. É a chamada auto-mutilação. Na literatura, alguns precisam ainda do seu 5 de Julho de 1975.

Mana Guta é académica, escritora, esposa e mãe. Como tem conseguido separar o mundo académico do mundo pessoal?

Não tenho conseguido. Vou gerindo o dia-a-dia e guardando os textos na gaveta.

Projectos futuros.

 Os académicos

- Defender o meu bendito Doutoramento que já dura um certo tempo e versa sobre a forma como os nascidos e ou educados depois da independência reinventam os valores da Nação, a partir da música e da comunicação social…

- Publicar uma série de três volumes em comemoração dos meus 27 anos de docência, 20 dos quais dedicados ao ensino superior.

Na ficção

- Publicar o livro de contos infanto-juvenil Camões Crioulo e o livro de contos para adultos Casa da Joana.

Mensagem para os jovens escritores.

Que nunca deixem de ler. Leiam sempre, leiam tudo o que passar pelas vossas mãos. Que tirem o tempo necessário para a escuta e a contemplação. Ouçam o que os mais velhos têm a dizer. Sem pressa. Ganharão anos de pesquisa e de experiência de graça. Sejam educados e atenciosos - nunca se arrependerão.

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SOBRE O AUTOR

Redação