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Fotógrafo Eneias Rodrigues e a sua arte de eternizar memórias
Entrevista

Fotógrafo Eneias Rodrigues e a sua arte de eternizar memórias

O olhar apaixonado, o entrelaçar de dedos, os detalhes do vestido, a hora do sim, a troca de alianças, as lágrimas escorrendo pelo rosto, o cochicho ao pé da orelha, a comoção no rosto dos pais e convidados, os abraços apertados, o bolo, o brinde, a alegria na pista da dança.. Desde os preparativos até o último minuto da festa, nenhum detalhe escapa às lentes de Eneias Rodrigues. Formado em Design Gráfico e Fotografia, Belito, como é conhecido entre amigos, tem o dom de captar as memórias mais que perfeitas de casais. Hoje, após 20 anos a fazer registo em diferentes áreas de fotografia, é um dos mais requisitados fotógrafos de casamento de Cabo Verde. Nesta entrevista, vamos conhecer um pouco mais sobre o trabalho deste fotógrafo cabo-verdiano que se envolve com emoção em qualquer ensaio e transborda sensibilidade na sua forma de fazer arte.

“Para criarmos uma foto temos de a ver antes de levar a câmera aos olhos. Tento criar uma foto que traga paz, tranquilidade e felicidade para as pessoas”

Santiago Magazine - Design gráfico de profissão, como e quando começaste a aventurar-se como fotógrafo?

Eneias Rodrigues - Por incrível que pareça, o meu interesse pela Fotografia surgiu bem antes do Design Gráfico. Comecei a fazer as primeiras fotos ainda pequeno, quando o meu pai trabalhava no antigo jornal “Voz di Povo”. Ele tinha feito uma pequena formação de fotografia e ensinou-me a mexer numa máquina fotográfica. Mais tarde, o fotógrafo José Maria Borges ensinou-me a segurar corretamente numa máquina e levou-me pela primeira vez a uma câmara escura, onde aprendi como se fazia a revelação de fotos. Fiquei fascinado com todo aquele processo e apaixonei-me de vez pela fotografia. Quando terminei o liceu, escolhi cursar Artes Gráficas, mas ao chegar em Portugal fiquei a saber que também havia um curso de fotografia na minha universidade e logo me interessei. Assim que surgiu a primeira oportunidade me inscrevi no curso, conciliando as duas formações. Foi então que começou a minha carreira na fotografia.

E como eram as tuas fotografias naquela época? Que tipo de registo fazias?

Paisagens, sobretudo de paisagens. Mas também gostava de fotografar algo que trazia uma certa alegria e informação para as pessoas que viam. Lembro-me que fiz um trabalho na escola sobre profissões em risco de extinção, para chamar atenção das pessoas que o mundo estava a mudar tão depressa. Muitas profissões estavam a se extinguir à nossa frente sem sequer darmos conta. Foi muito bom fazer esse trabalho e a reação das pessoas e dos colegas foi muito boa.

Aventuraste pelo fotojornalismo, fizeste registos incríveis de paisagens e momentos… Mas há bem pouco tempo começaste a apresentar aos seus amigos e seguidores registos fantásticos de casamentos. Quando e como surgiu este projeto?

Em 1999, quando terminei a universidade, fui convidado a trabalhar como design gráfico no Jornal de Coimbra em Portugal. Ao perceber que também sabia fotografar, o diretor Jorge Castilho logo orientou-me no fotojornalismo, que é a minha paixão até hoje. Aprendi muito nesse jornal e quando regressei a Cabo Verde, para integrar a equipa gráfica do Jornal A Semana, a convite da então diretora, Filomena Silva, percebi que ali fazia falta um fotojornalista. Além de trabalhar como design gráfico, comecei também a fazer fotografias para o jornal ao mesmo tempo que nas horas vagas aproveitava para fazer vários registos de paisagens, de ruas, de pessoas...

E esses registos nas horas vagas ajudou-te a aperfeiçoar-se como fotojornalista?

Penso que foi o contrário. A minha passagem pelos jornais me fez estar muito mais atento às expressões das pessoas, aos momentos e a tudo o que se passa à minha volta. Fazer fotojornalismo exige do fotografo muito mais agilidade e atenção aos pequenos detalhes.

Pequenos detalhes que as tuas lentes também captam nas fotografias de casais...

Sim, sim claro. Mais do que qualquer outro tipo de fotografia, fotos de casais exigem o máximo de detalhes, para que fiquem perfeitas. Cada gesto, cada olhar, a cumplicidade... tupo.

Retomando a minha pergunta quando surgiu a ideia de fotografar casamentos? Quando e como surgiu este projeto?

A minha primeira experiência com fotografias de casamento foi em 2007, com o casamento da minha irmã. Na altura não queria seguir essa área, pois não gosto muito de fazer só retrato. Nos books de casamento que via em Portugal percebi que as fotos tinham o olhar do fotografo e não de um fotojornalista. Por isso as fotos quase todas eram pousadas. Eu não queria isso nas minhas fotos. Contudo, por receber muita solicitação, resolvi analisar o mercado e aprofundar mais sobre esta área. Resolvi então, entrar para este ramo de Reportagem fotográfica de casamento, trazendo o meu olhar de fotojornalista. Nasceu assim este meu projeto de contar histórias de casais e do grande dia através da fotografia.

Que serviços ofereces aos noivos?

Eu tenho uma empresa de design gráfico e fotografia chamada CS Design e fazemos cobertura dos casamentos eu e mais um ou dois fotógrafos dependendo do tamanho do casamento. Cobrimos o casamento entre 8 a 10 horas, com fotografias desde a preparação do noivo e da noiva até o lançamento do bouquet, passando pela cerimonia e festa. Temos quatro pacotes com e sem álbuns e há um que estamos promovendo que é um pacote de luxo que vem com três álbuns com muita qualidade, com box para álbuns personalizados com ou sem foto e com capas de cristal.

E que material entregas?

Para todos os quatro pacotes que a empresa dispõe, entregamos um DVD e uma Pen-drive personalizados com todas as fotografias do casamento em baixa e em alta resolução, além de um slide show. A diferença está nos álbuns. O primeiro pacote inclui book impresso, enquanto o segundo contém três book’s - um grande e dois pequenos. Já terceiro e o quarto pacote são do tipo luxo como já tinha falado.

Fotografar casamento é a mesma coisa que contar história de um casal ou até mesmo de uma família e amigos. Trabalhas a direção criativa, indicando a melhor luz, ambiente e lugares especiais para o registo fotográfico?

Alem de registar o grande dia, eu procuro através das minhas fotos narrar toda conto história do casal, todo o seu percurso. Por isso, com a devida antecedência, procuro reunir com os casais e faço várias perguntas sobre as suas vidas. Normalmente fazemos um grupo no viber, whatsapp ou messenger para interagirmos até à data do casamento. Gosto de saber o que gostam, se tiverem alguma surpresa tenho de saber antes, como eles se conheceram para poder ter a máxima atenção no dia deles, Não gosto que me falhe nada. Durante as sessões fotográficas não gosto muito de dirigir os casais ou de pedir que façam certas poses.  Deixo os casais agirem naturalmente, apenas orientando-lhes de vez em quando, mas nada de muito pose, e vou fotografando conforme o clima que aparecer. Assim, as fotos saem mais espontâneas. Em termos de luz faço sempre essa direção para que as fotos saiam como eu quero.

O que mais gostas de fotografar quando fazes uma reportagem de casamento?

A espontaneidade e mostrar o amor e felicidade, não só dos casais, mas também dos convidados. Quando entrego as fotos, os noivos sempre me falam que consegui mostrar tudo nas fotos e que eles não deram conta de tanta coisa que eu tinha nas fotografias.

O que te distingue de outros fotógrafos que faz este tipo de registo em Cabo Verde?

Talvez a minha entrega pois eu não faço casamento só por dinheiro. Por isso não tomo mais de quatro casamentos por mês. Uma por semana para poder ter tempo de descansar, pois é muito cansativo e também para poder ter a máxima interação e conhecimento do casal. Gosto de fazer parte dos casamentos, da cerimonia e da festa, embora tento ser o mais discreto possível para poder captar os melhores momentos. Gosto muito e vibro com cada momento feliz que consigo mostrar do casamento dos meus noivos.

Há alguma história de casais, ou do registo de casais, por si que te tenha emocionado particularmente?

Várias histórias, mas uma marcou-me mais, pois no momento que íamos fazer a sessão dos noivos eles começaram a discutir. Perante estas situações o fotografo deve ficar sereno para poder acalmar o casal e podermos conseguir fazer boas fotos. Daí a importância de conhecer a historia do casal, de interagir por algum tempo antes do grande dia. Nesse caso em concreto, consegui acalmá-los porque coloquei o bebé deles no meio e comecei a fazer fotografias. Consegui ter alguns momentos muito fraternos e tudo acabou correndo bem.

Dissestes que não costumas dar dicas de poses. Então como consegues fazer fotos tão fantásticas dos noivos?

Tento provocar momentos como por exemplo mandar o noivo dizer uma coisinha no ouvido da noiva onde normalmente consigo um bom sorriso, etc. Sou menos poses e mais momentos. Pois quando veem a foto vão lembrar do que aconteceu naquele momento. Muitas vezes os noivos me dizem que querem fazer umo foto que viram na internet, eu digo sempre vou fazer, mas do meu jeito porque se for fazer tudo para ficar igual perde-se a magia.

Quais os ingredientes de sucesso para uma boa foto-reportagem de casamento? Existe uma fórmula mágica?

Não existe fórmula mas quando existe amor no casal é sempre mais fácil fotografar. Interagem mais, ficam mais alegres e dão mais momentos bons para fotografar.

Com que antecedência os noivos devem contactar-te?

Mais ou menos um ano ou seis meses de antecedência. Contudo, há noivos que entram em contacto com um a dois meses de antecedência. Porém, aqueles que deixam para os últimos meses correm o risco de não conseguirem um encaixe na minha agenda. Em Cabo Verde, as pessoas ainda preocupam muito mais em gastar muito dinheiro com a festa, comida, etc. e menos com a fotografia que fica para sempre. Por isso, existem muitos casais que fizeram uma grande festa, num dia lindo, mas não têm imagens para se lembrarem desse dia.

Como tens driblado a crise neste período de pandemia. Sabemos que tem sido muito difícil em todos os setores e áreas de atividades. Os fotógrafos têm sofrido com a pandemia?

Está a ser muito difícil, mas penso que dias melhores virão. Como a minha mulher me disse o ano de 2020 é para esquecer, tirar as ilações para crescermos depois. Durante a quarentena estudei muito para melhorar os meus conhecimentos e agora estou a estudar como vou fazer pacotes fotográficos promocionais e ver se consigo driblar essa crise, visto que os eventos foram todos cancelados.

O Eneias também possui imagens incríveis de paisagens de Cabo Verde, principalmente da tua querida cidade da Praia. Consideras-te um privilegiado por ter da tua janela uma das melhores vistas da capital do país?

Sim, muito! Tenho a sorte de ter uma grande vista da Praia da Gamboa e da cidade da Praia, embora estragaram-na um bocadinho fazendo um prédio em frente a minha casa, mas quando subo no terraço continuo tendo esse privilégio. Adoro a minha cidade e gosto muito de compartilhar imagens que deixam as outras pessoas felizes.

O teu fascínio pela lua é também visível. Aliás as melhores fotos da lua refletindo sobre a praia da Gamboa têm sido registadas e divulgadas por ti nas redes sociais. Qual o teu sentimento, o teu estado de espírito perante uma lua cheia? Admira-as antes de pegar na câmera ou só paras para as contemplar depois dos flash’s?

A imagem da lua traz-me sossego e inspiração. Quando vejo uma lua cheia, admiro-a antes e depois penso em todas as fotos que já fiz da lua, pois tenho a faculdade incrível de lembrar de todas as fotos que já fiz, e só depois pego na câmera para fazer uma foto diferente das outras. Para criarmos uma foto temos de a ver antes de levar a câmera aos olhos. Tento criar uma foto que traga paz, tranquilidade e felicidade para as pessoas. Partilho-as para fazer as pessoas felizes. Aliás, no meu facebook tenho um lema que diz que vim ao mundo para fazer as pessoas mais felizes. Tudo o que eu faço tento fazer de forma positiva. Mesmo quando faço fotos de funeral tento sempre não chocar as pessoas com a minha foto.

O que mais te encanta? Paisagens paradas ou o movimento?

Gosto mais do movimento porque gosto da adrenalina de ter pouco tempo para analisar, regular a luz na câmera, enquadrar e fotografar.

Estúdio ou a azafama das ruas?

Gosto do estúdio mas muito mais da rua. No estúdio eu tenho o total controle de tudo e posso repetir quantas vezes for preciso, mas na rua tenho de me desdobrar para conseguir apanhar o que quero, pois se não apanhar à primeira perdi. É disso que eu gosto, dessa adrenalina.

Encenação ou o realismo?

Realismo com toda a certeza.

Detalhes ou conjunto do cenário e/ou pessoas?

Sou muito detalhista, porque acho que no pormenor é que está o ganho. Mas gosto de fotografar pessoas também, pois cada um dá uma fotografia diferente.

Rostos ou o corpo todo?

Gosto muito de expressões faciais, mas também adoro a energia e a comunicação que o corpo traz numa imagem levando-nos a várias interpretações.

Marca preferida?

Desde sempre Nikon é a máquina com que sempre trabalhei. Adoro, mas trabalho com qualquer máquina fotográfica.

Lembras-te da tua primeira máquina fotográfica? De que marca era?

A primeira máquina fotográfica é sempre inesquecível para qualquer fotógrafo. A minha era uma Nikon N90 analógica (de Rolo 35mm) e foi-me oferecida por um amigo.

Ainda a tens?

Tenho, claro. Continua novinha e a funcionar perfeitamente. Trabalhei com ela desde 1997 ate 2002 quando o jornal A Semana, onde trabalhava na época, adquiriu uma maquina digital.

Por fim, deixa aqui algumas palavras de encorajamento aos jovens fotógrafos cabo-verdianos.

A mensagem que deixo aos jovens que gostam desta área de fotografia são: primeiro que antes de dizerem que são fotógrafos, como muitos fazem criando páginas de facebook como fotógrafos, cobrando preços muito baixos para fazerem sessões fotográficas, estudem a técnica e que perguntem os mais antigos, etc. Estou sempre disponível para ajudar os que estão a começar. Segundo, que não se preocupem em comprar máquinas muito caras no princípio. A melhor maquina fotográfica é aquela que tens nas mãos. Terceiro, que façam muitas fotos a tudo para poderem aprimorar a técnica e descobrirem a área da fotografia que mais gostam. Façam sessões de graças se for o caso, que aos poucos vão aparecer clientes. Por último, pesquisem a tabela de preços no mercado para poderem desvalorizarem o trabalho dos fotógrafos no nosso país. Vamos fazer com que todas as pessoas em Cabo Verde valorizem a nossa arte e pagar o preço justo por ela.

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