É cabo-verdiano da ilha de São Nicolau, tem 29 anos e está entre os jovens investigadores da área de Energia mais promissores de mundo. Germilly Barreto, Engenheiro de Energias Renováveis, acaba de ser distinguido pelo Eurotherm Young Scientist Prize and Awards 2020 com a sua tese de doutoramento na área de Engenharia Mecatrónica e Energia, intitulada “Modelling and optimisation of porous volumetric receivers in point-focus solar concentration systems”. Em conversa com Santiago Magazine, este “Patchê Parloa” da localidade de Água das Patas falou da emoção de receber a tão grande nomeação, da necessidade de Cabo Verde aumentar a sua aposta em energias renováveis e da importância de promover a investigação científica com foco no desenvolvimento da economia organizacional e do país .A entrega oficial do prémio deve acontecer no próximo mês de setembro, em Lisboa, durante a Conferência Eurotherm 2020.
Quem é Germilly Barreto?
Germilly Barreto - Sou da ilha de São Nicolau e resido atualmente em Portugal no distrito do Porto, cidade de Vila Nova de Gaia. Fiz o ensino básico nas escolas primárias de Campinho e da cidade de Ribeira Brava, e completei o ensino secundário na Escola Secundária Doutor Baltazar Lopes da Silva.
Em 2010, com 18 anos, vim para Portugal para a cidade de Évora (no Alentejo) onde, na Universidade de Évora, fiz a Licenciatura em Engenharia de Energias Renováveis, entre 2010-2013, Mestrado em Engenharia da Energia Solar, entre 2013 e 2015 e, por fim, de 2015 a 2020 fiz um Doutoramento em Engenharia Mecatrónica e Energia (2015-2020).
Durante o doutoramento especializei-me na área de energia, mais propriamente na componente de energia térmica e energia solar. Depois disso, consegui uma bolsa de quatro meses na área de investigação de Pós-Doutoramento na Universidade de Aveiro.
A propósito, a sua tese de doutoramento é sobre Engenharia Mecatrónica e Energia, mas acabou se especializado na área de energia térmica e energia solar. Porquê essa escolha?
Um engenheiro mecatrónico tem valências que lhe permite atuar nas áreas da engenharia mecânica, eletrotécnica e informática. Durante o curso de doutoramento existe a possibilidade de escolher o ramo de especialização a seguir: mecatrónica ou energia. Eu sou da vertente da energia, mais propriamente da energia térmica (energia solar térmica de alta e baixa temperatura). Apesar de ter feito o doutoramento na área de Engenharia Mecatrónica e Energia, especializei-me apenas na vertente da energia. Com esta especialização tenho valências que me permite atuar como investigador e engenheiro nas áreas de energia solar térmica, transferência de calor, escoamento de fluidos, e tudo isto com uma componente forte de modelação numérica.
E hoje trabalha como investigador. Onde?
Passado os quatro meses de pós-doutoramento na Universidade de Aveiro, passei a trabalhar como investigador doutorado na Unidade de Inovação e Desenvolvimento da empresa ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade na área de Energia. Estou na ISQ desde novembro de 2020.
Foi recentemente distinguido pelo Eurotherm Young Scientist Prize and Awards com a sua tese “Modelling and optimisation of porous volumetric receivers in point-focus solar concentration systems”. Em que consiste a sua tese? No que baseia o estudo?
Fui distinguido com um dos prémios da “Young Scientist Prize and Awards 2020”. Resumidamente, a minha tese consistiu no desenvolvimento de um modelo numérico tridimensional detalhado de recetores volumétricos porosos, acoplados a sistemas de concentração solar de foco pontual, e que depois foi usado para otimizar o desempenho térmico e hidrodinâmico do recetor. Para além desse modelo detalhado e das conclusões retiradas do processo de otimização, ainda foi feito um trabalho experimental, que permitiu determinar propriedades radiativas da tecnologia em estudo.
O que descobriu com esse estudo? E o que essa descoberta significa para as novas tecnologias?
Com o trabalho da tese contribuímos para o desenvolvimento de modelos numéricos complexos que incluem: propagação de radiação, escoamento de fluidos e transferência de calor em meios porosos. Além destes desenvolvimentos ainda foram propostas configurações e condições que permitem otimizar o desempenho da tecnologia que estudamos, assim como também a determinação experimental de propriedades radiativas complexas dessa tecnologia. Isso quer dizer que este estudo pode ser usado para dimensionamento de sistemas de energia solar térmico, ou seja de alta temperatura, para fins de produção de eletricidade, quando se pretende usar essa tecnologia.
O estudo pode ser aplicável em Cabo Verde??
Em Cabo Verde pode ser aplicado para fins de investigação científica.
Como foi o processo de seleção para o Eurotherm Young Scientist Prize and Awards?
Esses prémios são atribuídos pelo comité da EUROTHERM de quatro em quatro anos, e consistem num prémio EUROTHERM e dois EUROTHERM Awards para jovens cientistas que tenham terminado o doutoramento na área da transferência de calor e ciências térmicas. O processo de seleção foi dividido em duas fases: na primeira fase cada país que pertence à EUROTHERM apresenta duas nomeações ao comité principal, estas nomeações dizem respeito a trabalhos de doutoramento de excelência na área científica em que os prémios são atribuídos. Na segunda fase, o comité principal seleciona os vencedores do prémio para jovem cientista e dos dois Awards. Eu fui selecionado para receber um dos dois prémios EUROTHERM Awards, sendo que esta é a primeira vez que um destes prémios é atribuído a uma tese de doutoramento desenvolvida numa universidade portuguesa. Para concorrer ao prémio enviei a minha tese, o meu currículo e a lista das minhas publicações científicas ao Comité Nacional de Portugal. Posteriormente fui selecionado para a segunda fase, onde depois recebi a notificação da minha seleção para receber um dos prémios.
A avaliação dos candidatos para este prémio é focada, principalmente, no trabalho da tese de doutoramento, incluindo o nível científico, a originalidade, a importância dos resultados para as ciências térmicas e transferência de calor e a adequação da modelação numérica e os métodos experimentais utilizados.
Qual o sentimento de saber que como, jovem investigador cabo-verdiano, recebeu uma menção internacional, destacando-se entre jovens de várias partes do mundo?
O sentimento é de reconhecimento pelo esforço, dedicação e qualidade do trabalho científico que fiz, juntamente com os meus orientadores no ICT-Instituto de Ciências da Terra na Universidade de Évora. Para além disso, veio acrescentar motivação e reforçar que trabalhos de qualidade serão sempre valorizados.
Como acha que Cabo Verde está em termos de investigação científica? O nosso país tem apostado na investigação e no desenvolvimento de tecnologias?
Relativamente à investigação científica em Cabo Verde, não tenho acompanhado tanto o quanto gostaria. Mas a ideia que tenho é que a aposta nessa área tem sido muito pouco, ou quase nada.
Isso quer dizer que não temos uma cultura de pesquisa científica?
Não acho que a razão seja por não termos no país uma cultura de investigação. Penso que poderia haver mais apostas nesta matéria. Tanto as autoridades como as empresas e universidades precisam se envolver mais nesses processos.
Na sua opinião há aceitação por parte das instituições e empresas nacionais relativamente à energia renovável?
Já deveria existir, mas não há de todo. O sector de Energias renováveis têm tido ao longo do tempo um desenvolvimento importante e começou a ser visto como sectores de criação de emprego, de receitas e principalmente na redução energética e redução de impactos ambientais. Isso sem contar a redução de custos de energia.
Quer dizer que não existe consciência social e política da importância da investigação?
Existe, é claro, pelo menos na área das energias renováveis. Mas falta ainda traduzir em ações, essa parte da consciencialização.
Quando se fala da investigação aplicada à industria, está-se a falar na investigação voltada para o crescimento económico?
Na investigação aplicada à indústria entra muito a variável económica. A minha tese de doutoramento, por exemplo, foi um trabalho mais teórico com uma componente experimental, que posteriormente será usado na prática. Mas, com certeza esse tipo de investigação aplicada à indústria contribui para o desenvolvimento económico. Atualmente trabalho em projetos, cujo objetivo é melhorar a eficiência dos processos térmicos industriais. A melhoria da eficiência de processos industriais, traduz-se na utilização de menos recursos para a produção do mesmo que se produzia antes. Logo, está-se a contribuir para o desenvolvimento económico da organização e consequentemente do país.
Cabe às empresas o papel de apostar na investigação científica? Elas devem participar em projetos de investigação com foco nos resultados económicos?
As empresas precisam de lucros, por isso devem apostar tanto na participação de projetos de investigação. Devem apostar em investigação que levam ao melhoramento da tecnologia e por conseguinte obter melhores resultados económicos.
Para o tecido empresarial há informações? Há uma visão estratégica que permita às empresas perceberem os benefícios que a investigação pode trazer?
Penso que há informação sim. O problema é que as empresas não querem passar por mudanças, enquanto aquilo que fazem está a gerar algum lucro. O pensamento é: o que estamos a fazer está a funcionar, estamos a ter lucros, então vamos deixar como está. Acho que há uma inércia em relação a mudanças. A investigação implica que depois haja mudanças, mas as empresas não estão predispostas a mudar.
Neste momento, qual o seu maior projeto e no que está a aplicar enquanto engenheiro e investigador?
Neste momento participo em vários projetos na empresa onde trabalho. E o que considero de mais valor são os trabalhos que temos feito para o desenvolvimento de modelos numéricos de diferentes tecnologias aplicadas ao armazenamento de energia térmica e melhoramento de eficiência energética em edifícios.
Tem algum projeto de investimento para Cabo Verde? Pensa voltar para cá e aplicar o que aprendeu lá fora?
De momento não tenho nenhum projeto. Mas discuto sempre com alguns colegas meus cabo-verdianos sobre possíveis investimentos para Cabo Verde. Não penso voltar tão cedo, mas gostava de iniciar algo relacionado com investigação científica no meu país.
Qual o seu maior sonho hoje?
Não diria que este seja o meu maior sonho, mas tenho a ambição de poder contribuir e conseguir uma posição de relevo no que diz respeito à investigação científica na minha área. Tenho pensado nisso e estou a trabalhar para que isso aconteça.
Que conselho para jovens que queiram seguir esta carreira?
Que tenham muita humildade, dedicação, persistência e foco na qualidade do trabalho.
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