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Regionalização. Conversa para ninar bois ou para dormir mesmo
Entrelinhas

Regionalização. Conversa para ninar bois ou para dormir mesmo

Com a proposta de regionalização apresentada pelo MpD, de 4 em 4 anos o país passará a eleger 587 políticos só nas autarquias locais. Com mais 72 deputados nacionais eleitos de 5 em 5 anos, Cabo Verde teria 669 políticos eleitos para administrar a vida de menos de meio milhão de almas.

O Grupo Parlamentar do MpD acaba de publicar na sua página oficial do facebook, aquilo a que dá o nome de versão zero da proposta de regionalização do partido ventoinha. Movido pelas pressões do Mindelo, o deputado pelo círculo eleitoral de São Vicente, João Gomes, um dos vice-presidentes do referido Grupo Parlamentar, terá encontrado um bom escape para assim dizer aos seus conterrâneos, qualquer coisa como esta: “vejam, eu já fiz a minha parte”. Curiosamente poucas horas depois de o próprio líder do MpD, Ulisses Correia e Silva, ter sacudido a água do seu capote, dizendo que se fosse pela sua vontade a regionalização já teria sido feita.

Esta tirada do Grupo Parlamentar do MpD cheira, pois, a esturro. Ou melhor, uma manobra para ninar os bois, estes que teimam em não dormir. Porque esta proposta não convence ninguém. Nem mesmo quem a copiou e publicou no facebook. Porque incoerente, primária, desconexa. No conteúdo e na forma. Superficial! Uma cópia mal feita do actual estatuto dos municípios de Cabo Verde, este que há muito se esgotou em todas as suas dimensões e valências. Enfim, uma aberração total!

Tudo isso é grave. Muito grave. Porém, não é mais grave do que os males que tal proposta pode provocar na vida colectiva da nação, nos bolsos do cabo-verdiano, caso venha a ser aprovada.

A democracia cabo-verdiana é uma das democracias mais caras do mundo, tendo em conta as condições económicas e sociais do país. Cabo Verde é país de parcos recursos naturais. Os impostos e outras receitas do Estado não conseguem cobrir todas as despesas de funcionamento da máquina pública. Os sucessivos orçamentos do Estado são assim co-financiados pelos parceiros internacionais, em forma de ajudas orçamentais, créditos, donativos e outras formas de financiamento.

Cabo Verde é, no essencial, um estado de direito. A separação de poderes é uma realidade. Os tribunais funcionam com confiável autonomia e independência. O parlamento é a casa das leis. São realizadas eleições periódicas e nos termos da lei. Ou seja, as instituições democráticas funcionam normalmente.

Até aqui tudo bem. Todavia, convém lembrar que estamos a falar de um país arquipelágico, com apenas 4 mil e 32 quilómetros quadrados de superfície, sem contar a área marinha. Dados do último senso dizem que ainda não chegamos ao meio milhão de pessoas. Entretanto, o país conta com 72 deputados nacionais, que representam 10 círculos eleitorais, sendo cada ilha um círculo mais 2 em Santiago – Norte e Sul. O mandato dos deputados nacionais é de 5 anos.

A nível autárquico o país conta com 22 municípios. São as autarquias locais. Aqui são eleitos, de 4 em 4 anos, 137 vereadores e 342 eleitos municipais, designados deputados municipais. Os vereadores fazem parte da Câmara Municipal, o órgão executivo colegial do município. Os eleitos municipais, ou deputados municipais, fazem parte da Assembleia Municipal, o órgão deliberativo do município.

No quadro da regionalização ora proposta pelo MpD, os 10 círculos eleitorais passarão a ser regiões administrativas. Estas serão governadas por uma Assembleia Regional eleita, de onde sairá a Comissão Executiva Regional, com poderes executivos. Estamos a falar de mais 108 políticos eleitos em todo do território nacional.

Isto tudo significa o seguinte: de 4 em 4 anos, só nas autarquias locais serão eleitos 587 políticos - ficam de fora os 72 deputados nacionais eleitos de 5 em 5 anos - para administrar a vida de menos de meio milhão de pessoas espalhadas por um território de 4 mil e 32 quilómetros quadrados, com salários acima da média, para além de outros subsídios como comunicação, transporte, representação, renda de casa. Por exemplo, um presidente de Câmara Municipal tem salário base de 136 mil escudos (sem contar os subsídios). Este salário corresponde a 13 salários mínimos. Dá para entender? Ou será conversa para ninar bois!

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Redação