Mitigação da seca e marginalização do mundo rural
Entrelinhas

Mitigação da seca e marginalização do mundo rural

Governo disponibiliza 300 mil contos para socorrer famílias do mundo rural do arquipélago, onde vivem 174.566 pessoas, entre crianças e jovens e homens e mulheres. São 1.718$54 por pessoa. Como o programa tem a duração de 3 meses, então caberá a cada pessoa 57$84 por mês.

Três questões prévias: i. Onde está o dinheiro que não acaba, anunciado pelo vice-primeiro ministro, Olavo Correia? ii. Será que o mundo rural não tem direito a esse dinheiro também? iii. Será que 300 mil contos conseguem tapar os buracos que estes 3 anos consecutivos de seca conseguiram cavar na vida das famílias cabo-verdianas, sobretudo as rurais?

Quando um país atravessa períodos de seca, todo o mundo apanha por tabela. No campo, na cidade, na emigração. Porque tudo aumenta na vida das pessoas. Só os rendimentos é que não aumentam. Os desafios aumentam, os preços aumentam, o desemprego aumenta, o êxodo rural aumenta, os problemas sociais aumentam e as famílias sofrem. Todas as famílias. As que têm posses e as que não têm posses.

As que têm posses consomem menos e a um preço mais caro. As que não têm posses simplesmente deixam de consumir. A não ser os bens básicos, para não morrerem à fome. E isto, só quando calha, porque, muitas vezes, nem isso.

Com a seca, o rendimento, sobretudo o disponível, diminui. Porque todos passam a pagar mais, seja para satisfazer as necessidades pessoais, seja para satisfazer as necessidades alheias, as necessidades do próximo. Quem tem mais sente-se na necessidade de ajudar quem tem menos e as coisas complicam sobremaneira para todos.

Cabo Verde está a atravessar 3 anos de seca e os efeitos são sentidos por todos. E, este ano, o governo disponibilizou 300 mil contos para mitigar esses efeitos.

Segundo dados do INE de 2018, o país conta neste momento com 543.492 pessoas, das quais 174.566 vivem no mundo rural. Contas feitas, temos que o governo disponibilizou 1.718$54 para socorrer cada homem e mulher e jovem e criança do mundo rural cabo-verdiano vítimas do mau ano agrícola. Isto por 3 meses, o que significa que a cada homem e mulher e jovem e criança cabem 57$84 por mês.

São contas fáceis de se fazer e que demonstram a marginalidade a que as famílias rurais do país estão votadas.

Mas também são contas que demonstram os vários pesos e as várias medidas que são usados na distribuição dos recursos nacionais e a sua aplicabilidade no quadro de uma política de correção das assimetrias regionais e locais.

Por exemplo, - e falando apenas da ilha de Santiago - o concelho de Santa Cruz vai receber 19 mil contos desse bolo. Tendo em conta que a população santa-cruzense é de 26.099 pessoas, pode-se dizer que o governo reservou 727$99 para socorrer cada homem e mulher e jovem e criança desse concelho. O que dividido por 3 meses dá 242$66 por mês para cada homem e mulher e jovem e criança.

Pode alguém, bem-intencionado, entender isso como algo grave. Sobretudo sabendo que Santa Cruz é o concelho que mais sofre com a seca em Cabo Verde, sendo a agricultura e a pecuária a base da sua economia.

Pode alguém, também bem-intencionado, entender que isso não é tão grave assim. Exatamente! Pode alguém, bem melhor intencionado, entender que grave mesmo é ver concelhos pequenos como Ribeira Grande de Santiago, Tarrafal de Santiago e São Miguel a receber mais do que Santa Cruz, quando estes concelhos têm uma população bem menor.

Aqui vai. Ribeira Grande de Santiago vai receber 28 mil contos e conta com uma população de apenas 8.319 pessoas, ou seja, 3 vezes menor do que a de Santa Cruz. São Miguel vai receber 22 mil contos e conta com uma população de 14.121 pessoas, ou seja, pouco mais de metade da população de Santa Cruz. Tarrafal de Santiago vai receber 25 mil e 500 contos e conta com uma população de 18.171 pessoas, muito aquém da população de Santa Cruz. Pois, Santa Cruz vai receber 19 mil contos, e conta com uma população de 26.099 pessoas.

Estes dados foram aqui trazidos para efeitos de reflexão. A ideia é tentar entender o que é que poderá estar por detrás desses números. As razões, as motivações que podem, de algum modo, explicar essa discrepância de valores… a ver se é possível chegar a algum entendimento…

Entende-se, de alguma maneira, a marginalização das famílias do mundo rural. Não são solução, antes são vistas e avaliadas como problemas. Representam despesas. Não dão lucro, e logo, são marginalizadas por quem elegeu o capital como seu parceiro previligiado de jornada. Isto é natural nos sistemas ditos de direita. E esperar outra coisa desta casta seria sandice. Pois, este governo não é para pobres e nem para o mundo rural, está claro!

Porém, torna-se complicado perceber a discriminação de um concelho em detrimento de outro… num ambiente económico onde há dinheiro que não acaba, gerido por um governo que se afirma de rosto humano e envolvido na empreitada de contruir um país inclusivo.

Será? Se sim, onde está o dinheiro que não acaba, anunciado pelo vice-primeiro ministro, Olavo Correia? Será que o mundo rural não tem direito a esse dinheiro também? Será que 300 mil contos conseguem tapar os buracos que estes 3 anos de seca conseguiram cavar na vida das famílias cabo-verdianas, sobretudo as rurais?

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