“Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber”
Actos 20-35
O novo coronavírus e as sucessivas declarações do Estado de Emergência (EE) colocaram um grande peso sobre as famílias cabo-verdianas, sobretudo em Santiago, a maior vítima desta pandemia em Cabo Verde.
O confinamento familiar, num país com 35% de população em estado de pobreza, é uma afronta. Não só porque muitas casas não oferecem condições de confinamento, mas também porque é na rua que grande parte delas consegue alguma coisa para driblar a fome.
Isto é um facto que nenhum discurso consegue esconder. Tanto assim é que, logo no primeiro momento, o governo apelou à união de todos os cabo-verdianos para combater este inimigo invisível, ao mesmo tempo que aconselhava as Câmaras Municipais, a entidade política e administrativa mais próxima das populações, a se mobilizarem à volta da distribuição de cestas básicas.
O apelo do governo foi imediatamente apreendido por grande parte das organizações sociais e pessoas individuais, sensibilizando emigrantes, empresários, ONGs, que se mobilizaram para ajudar famílias vítimas das medidas restritivas impostas pelo EE, com vários tipos de apoio – cestas básicas e outros -, dir-se-ia uma expiração de oxigénio que lhes tem permitido resfolgar melhor neste tempo de asfixia material e perplexidades contingenciais.
A longa história de fomes e mortes cíclicas no arquipélago deve explicar o sentimento de entre ajuda e solidariedade que naturalmente caracteriza o cabo-verdiano. Aqui o “djunta mon”, a partilha, é mais do que uma forma de vida, de estar com o outro, é a nossa identidade, constituindo-se, assim, num dos raros ativos intangíveis deste país arquipelágico e minúsculo.
Acontece, no entanto, que essa onda de solidariedade não conseguiu mobilizar os representantes do povo – os deputados nacionais.
Num momento em que a maior ilha do país está a iniciar o seu terceiro EE, não se viu e nem se ouviu um único deputado a falar ou a ensaiar um gesto que seja de solidariedade para com as famílias mais pobres do país.
Num momento em que Cabo Verde inteiro e a sua diáspora se encontram envolvidos na mobilização de meios para socorrer quem mais precisa, os deputados continuam confinados no seu mundo à parte, como se não fizessem parte do país, porém, usando e abusando dos recursos de todos os cabo-verdianos.
Referimo-nos concretamente ao subsídio de visitas ao círculo e às senhas de combustíveis.
Em tempos de confinamento, é óbvio que não há visitas ao círculo, e consequentemente, não poderá haver o tal subsídio e muito menos as senhas de combustíveis.
Até as sessões têm sido realizadas sem a presença física dos deputados. Houve inclusive sugestões para a suspensão do parlamento… E se tudo isso é natural e justificável, nessa mesma perspectiva, é, também, natural e justificável, a suspensão do pagamento de tal subsídio e senhas de combustíveis e a consequente canalização desse dinheiro para as famílias vulneráveis do país.
E isto, sem prejuízo de esses "bem-aventurados" representantes do povo, dispensarem uma parte do seu rendimento disponível para a solidariedade social, na esteira do que vem sendo feito pelos emigrantes, empresários e outras individualidades da sociedade civil.
Afinal, onde está a solidariedade dos deputados nacionais para com o povo que representam?
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