A coerência do PM e a incoerência dos cabo-verdianos!
Entrelinhas

A coerência do PM e a incoerência dos cabo-verdianos!

Cabo Verde está, pois, perante um primeiro ministro coerente consigo mesmo e que tem respostas sempre prontas para o povo incoerente que quer exigir-lhe aquilo que ele não tem, nunca teve e jamais terá. Por isso, para ele é perfeitamente natural dizer uma coisa hoje e amanhã outra completamente diferente. As circunstâncias e os interlocutores definem as suas palavras e posições.

A pressão do Mindelo já começou a produzir resultados. O primeiro ministro acaba de admitir que passará a haver voos internacionais diretos da Cabo Verde Airlines a partir do aeroporto Cesária Évora.

Estranho? Nada! Este homem – Ulisses Correia e Silva – não surpreende. E a ninguém engana. A não ser quem queira, de moto próprio, fingir-se enganado.

De ridículo em ridículo, este homem consegue vencer todas as corridas, todas as maratonas, quando a disputa é a promessa marota, a sedução, a vitimização e o faz de conta.

É verdade! Vamos a alguns factos mais recentes e mais risíveis. Um belo dia, questionado pelos profissionais da comunicação social a propósito da suspensão dos voos internacionais da falecida TACV para Mindelo, Ulisses Correia e Silva teve a sensata lucidez de responder que ele não era gestor daquela empresa. A resposta saiu célere, clara, concisa, tendo o chefe do governo assumido uma postura de triunfo, ilustrada por um sorriso maroto nos lábios.

É uma arte dele! Há que ser reconhecido. Quem não se lembra da sua primeira proposta para os TACV, quando questionado pelo jornalista durante um debate televisivo nas campanhas de 2016, sobre qual seria a sua primeira medida em relação àquela empresa, caso ganhasse as eleições, tendo respondido de forma direta e concisa: “demitiria imediatamente o Conselho de Administração”.

Uma proposta seca, supérflua, porque óbvia! Enfim, resposta de alguém que se apresentava confuso sobre o que iria fazer com uma empresa considerada estratégica para o desenvolvimento nacional. Tanto mais que, tudo o que fez quando eleito, foi assassiná-la aos olhos de todos os cabo-verdianos, sem direito à reclamação ou manifestação de última vontade.

O povo costuma dizer que quem dá o que tem, a mais não pode e nem deve ser exigido. É o bom senso. E aquilo que sai da boca do povo é lei. O primeiro ministro Ulisses Correia e Silva, na verdade, tem dado o que tem. Ele tem sido sensato com um povo até certa medida insensato.

Vejamos. Foi para as eleições com o lema: “sen djobe pa ladu”. Passou toda a campanha sem conseguir mostrar ao que veio, uma vez que o próprio lema era destituído de conteúdo e de sentido. Disse que mudou a Praia e que iria mudar Cabo Verde. Prometeu 9 mil empregos qualificados anuais para os jovens. Condenou o betão e os investimentos públicos. Elogiou o setor privado. Prometeu a regionalização imediata do país. E o povo, que não é cego, nem surdo, entendeu que as conversas do homem eram sinceras e votou em massa nele.

E ele, sendo sincero com as suas palavras, começou a materializar o seu lema, “sen djobe pa ladu”. Sobre o emprego, respondeu, certo dia, que este não cai do céu. E acrescentaria, na mesma ocasião, que não possui uma varinha mágica para resolver as gritantes demandas sociais que o país enfrenta.

Numa certa altura, ele e o seu ministro das Finanças, Olavo Correia, deslocaram-se a Mindelo com a missão, entre outras, de apresentar e discutir com a sociedade civil de São Vicente a sua proposta de regionalização do país, e aproveitou o momento para lamentar perante os órgãos de comunicação social que se fosse da sua vontade o país já estaria regionalizado há muito.

Na sua sinceridade ele se esqueceu de ir um pouco mais longe para explicar por que razão fizera tal promessa ao país, se a materialização da mesma não dependeria da sua vontade exclusiva.

Mas é o Ulisses Correia e Silva igual a si mesmo. Exigir tal explicação seria intentar contra a sua natureza. Nunca escondeu o seu amor em relação ao setor privado, aos empresários. Na semana finda, ele terá recomendado os jovens do Mindelo, durante um encontro, a não esperar do Estado. Isto é, o cidadão pode até servir o Estado, mas não deve esperar muito deste. Enfim, coisas dos liberais!

Há, assim, que entender o homem nos seus limites naturais. Por exemplo, logo no primeiro ano do mandato, Ulisses Correia e Silva, decidiu demitir-se das suas funções para entregar a gestão do país ao seu ministro das Finanças, Olavo Correia. E, desde então, se escondeu atrás deste, só aparecendo de vez em quando, sempre acompanhado daquele sorriso maroto sob uma pérfida e disfarçada arrogância.

Cabo Verde está, pois, perante um primeiro ministro coerente consigo mesmo e que tem respostas sempre prontas para o povo incoerente que quer exigir-lhe aquilo que ele não tem, nunca teve e jamais terá. Por isso, para ele é perfeitamente natural dizer uma coisa hoje e amanhã outra completamente diferente. As circunstâncias e os interlocutores definem as suas palavras e posições.

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