O antigo primeiro-ministro, Carlos Veiga, defendeu hoje a necessidade de se rever a Constituição, que completa 33 anos, tornando-a mais flexível para evitar bloqueios institucionais causados pela falta de consensos políticos.
A Constituição de 1992 "cumpriu bem o seu papel", mas "com o tempo vai-se desgastando" e precisa de ser ajustada "para acompanhar os novos tempos e responder aos problemas que surgem no direito e na justiça", afirmou Carlos Veiga, à margem de um colóquio internacional comemorativo dos 33 anos da Constituição.
"É nessa situação que eu penso que a nossa Constituição deve ser revista pontualmente para que possa acompanhar os novos tempos e possa contribuir para resolver os problemas" que vão surgindo "para o direito e para a justiça", acrescentou.
O antigo governante alertou que, atualmente, "o ambiente político não favorece o espírito de compromisso" que esteve na origem da Constituição, dificultando revisões que exigem maiorias qualificadas de dois terços.
"Duvido que seja possível fazer tão cedo uma revisão constitucional", afirmou, defendendo soluções mais flexíveis para evitar bloqueios institucionais.
Como exemplo, apontou a dificuldade dos partidos em chegarem a acordo para preencher cargos externos da Assembleia Nacional, situação que considera "inconcebível".
Carlos Veiga destacou ainda a necessidade de se rever a tutela dos direitos dos cidadãos face à administração, criticando o facto de os tribunais continuarem a aplicar uma lei de 1983, em contradição com a Constituição.
O professor da Universidade Nova de Lisboa Jorge Bacelar Gouveia, também participante no colóquio, defendeu melhorias na independência do poder judicial e um debate sobre a equiparação do crioulo ao português, alertando para diferenças linguísticas. Por outro lado, sublinhou ainda a importância de incluir novos direitos fundamentais, como a proteção da mulher e direitos digitais, bem como reforçar o combate ao narcotráfico, dada a posição estratégica de Cabo Verde.
Na abertura do colóquio, a ministra da Justiça, Joana Rosa, destacou os ganhos já reconhecidos internacionalmente, nomeadamente na qualidade da democracia, na proteção de direitos, liberdades e garantias, no reforço dos direitos das crianças e na promoção da igualdade de género. E sustentou que eventuais alterações constitucionais devem ser debatidas, sobretudo entre os partidos, mas também com a sociedade civil.
Numa mensagem alusiva ao aniversário da lei magna, o Presidente, José Maria Neves, apelou ao envolvimento "cívico" de toda a sociedade na defesa da Constituição, alertando para riscos globais como o recuo democrático e a ascensão de discursos de ódio. O chefe de Estado defendeu ainda uma "pedagogia da Constituição", assente na educação para a cidadania.
O colóquio internacional comemorativo dos 33 anos da Constituição é organizado pelo Ministério da Justiça e pelo Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais, reunindo académicos, especialistas de Portugal e Brasil, magistrados, advogados e docentes cabo-verdianos para debater os desafios constitucionais do país.
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