Esta declaração do governo (diabolização) é uma forma chantagista de impor o silêncio aos cabo-verdianos em relação a um setor que é estratégico no processo de desenvolvimento de um país insular como o nosso, empurrando para a marginalidade o interesse coletivo, o exercício da cidadania, o escrutínio social, numa clara afronta às leis, às instituições e à autoestima da nação.
Definitivamente este país não é para todos. Se um dia foi, deixou de o ser. Hoje defender o interesse coletivo tornou-se uma espécie de heresia, ou usando a terminologia adotada pelo governo, “diabolização”. Hoje as pessoas e as instituições do Estado estão proibidas de exercer as suas competências quando estas mexem de alguma forma com certos interesses privados ou de grupos.
O governo, pela boca do ministro dos Transportes, Carlos Santos, chamou a atenção do país para o perigo de “diabolização” da Binter Cabo Verde, agora Transportes Inter-ilhas de Cabo Verde. Entende o governo que questionar a forma como essa companhia aérea vem explorando o tráfego doméstico, no quadro de um contrato de concessão que ninguém conhece – e que o primeiro-ministro havia afirmado certo dia que sequer existe – é “diabolização” dessa empresa, e como tal, deve ser evitada.
Esta declaração do governo é uma forma chantagista de impor o silêncio aos cabo-verdianos em relação a um setor que é estratégico no processo de desenvolvimento de um país insular como o nosso, empurrando para a marginalidade o interesse coletivo, o exercício da cidadania, o escrutínio social, numa clara afronta às leis, às instituições e à autoestima da nação.
Vamos aos factos. No parlamento, que é a casa do povo, a oposição questiona o funcionamento da Binter Cabo Verde, fala de tentativas recorrentes de sonegação de informações essenciais para o escrutínio que o país deve fazer a quem administra os recursos nacionais, e o governo procura se esconder atrás da “diabolização”, ao invés de explicar os contornos da referida concessão e a quantas anda a aviação civil doméstica, combatendo assim a especulação e o diz que diz. Mas não responde, e tudo fica na mesma
A Direção Nacional de Receitas do Estado e a Agência de Aviação Civil, no uso das suas competências, realizam uma inspeção ao funcionamento da Binter Cabo Verde e concluem que da forma como essa empresa está a funcionar, não é possível qualquer controlo, seja fiscal, seja técnico-funcional, e pedem uma inspeção externa para repor a ordem e resgatar o respeito e o cumprimento das leis da República.
É evidente que quando não se consegue entender o funcionamento de uma empresa, tanto a nível técnico-operativo, quanto a nível contabilístico-fiscal, todas as conclusões, ou suspeições, podem ser aceites, entre as quais fugas fiscais, negociatas de capitais… enfim… conclusões, ou suspeições, essas, porém, evitáveis de forma bem simples – basta repor o cumprimento das leis e o respeito pelas instituições do Estado.
A DNRE e a AAC são instituições importantes no processo de desenvolvimento de Cabo Verde. A primeira responde pela administração fiscal do país e a segunda é a entidade reguladora do setor da aviação civil. Elas fazem o seu trabalho, que decorre naturalmente da materialização do conteúdo funcional das suas competências estatutárias e legais, e o governo entende que falar desse trabalho e de outras coisas que incomodam a nação no setor dos transportes aéreos domésticos é “diabolização” da operadora – no caso a Binter.
E o desconforto do governo em relação a este assunto é tão forte, que logo a seguir, emite uma nota a esclarecer que a Binter Cabo Verde “não se encontra indiciada por nenhuma suspeita de fuga ao fisco”, esquecendo-se, no entanto, de esclarecer que isto só será possível - ou seja, a Binter só será indiciada - se as conclusões da DNRE/AAC/ARE sobre este assunto forem levadas em consideração.
Mas mais. Não se percebe muito bem a posição do governo ao insistir na tentativa de passar esta ideia peregrina de “diabolização” da Binter Cabo Verde para a sociedade, quando na verdade devia estar do lado dos interesses do país.
Com efeito, há aqui muita confusão e muitas perguntas que demandam por respostas. O parlamento tem ou não o direito de ser informado sobre a gestão de setores estratégicos no processo do desenvolvimento do país, como é o caso dos transportes? É papel do governo, e das instituições do Estado, defender o interesse coletivo, ou não? Se sim, como é que o governo aparece a defender o interesse de uma empresa privada em detrimento do interesse coletivo? Quando o governo ataca as instituições do Estado que estejam a realizar o seu trabalho, no cumprimento das suas competências legais, não estará a “diabolizá-las”? Como é que o governo classifica os quadros nacionais, quando “desconfia” do trabalho que fazem? Quererá o governo dizer que a DNRE e a AAC/ARE não são capazes de inspecionar uma empresa como a Binter? Se sim, o que é que o governo estará a espera para demitir os responsáveis dessas instituições?
A direcção,
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