"Há algo de podre no Reino da Dinamarca", assim constatou o vigilante Marcelo na Tragédia de Hamlet. Se mudássemos Reino por Estado burguês, e Dinamarca por Cabo Verde parafraseando Shakespeare, logo veríamos que o podre, permanece o mesmo.
Assim constataram-no também, os vigilantes da SONASA, SEPRICAV e SILMAC, na quinta-feira passada. Que terminando a greve sobre as suas reivindicações, lançaram um ultimato: "caso as partes continuem a nos ignorar vamos avançar para uma nova greve a partir do dia 25 do próximo mês”.
Quem observar este evento como um facto isolado, engane-se.
No mês de Janeiro deste ano, trabalhadores do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica entraram em greve. Aparentemente, a ordem burguesa do Instituto se achou no direito de tirar dos trabalhadores, o prêmio de produtividade.
Em Novembro do ano passado, portanto um evento recente, os agentes prisionais entraram em greve. Solicitando o pagamento das horas extras e reivindicando o aumento salarial.
O que é uma greve afinal? É uma promessa da classe trabalhadora que se quer confirmar. É a indignação laboral dando uma resposta conjunta à exploração. É o trabalho assalariado se erguendo em face ao Capital. É um pequeno lembrete à burguesia: "Os únicos que produzem a riqueza somos nós os trabalhadores, e portanto, ela é nossa!"
É na greve, que a classe trabalhadora cabo-verdiana ganha a consciência da sua força e da opressão que lhe cerca. Não somos os primeiros a afirmar isso. Já em 1913, o grande poeta e revolucionário cabo-verdiano, Pedro Cardoso, tinha-nos indagado no poema Unidos Avante:
“Operários!(...)
Lutai! Que alcançareis a palma da vitória (...)
Contai-vos se podeis... vós sois a Maioria.
E pondo-lhe em efeito o aviso sapiente.
Então, porque domina a infanda tirania?!”
A greve é simultaneamente uma arma e uma aula para o trabalhador cabo-verdiano. Ela de forma concomitante, expulsa os desígnios empresariais e ensina novos caminhos sociais aos trabalhadores. Ela oferece ao mesmo tempo, uma proteção e uma formação para classe trabalhadora cabo-verdiana. Em suma, a greve é um passo para o processo de emancipação e conscientização dos trabalhadores da República.
A paralisação da produção permite aos trabalhadores discernir seus interesses dos interesses do capitalista, que compra a sua força de trabalho, em forma de salário.
Esta lição foi bem aprendida pelas operárias cabo-verdianas da Indústria Componentes e Calçados Ortopédicos (com sede em Portugal) em Maio de 2019. Os interesses das operárias cabo-verdianas e os da direção da empresa não foram gêmeos. As corajosas proletárias exigiam salários dignos e melhores condições de trabalho. Ou seja, tudo no limiar do que qualquer ser humano pode pedir, mas que nenhuma burguesia pode tolerar. A direção da empresa considerou injusto tal protesto. A diretora-geral da empresa, Eduarda Martins, discordou das reivindicações das trabalhadoras cabo-verdianas. E quando se tocou no assunto do prêmio de produtividade, a responsável da empresa afirmou que a proposta do sindicato não beneficiava os trabalhadores. Olhem só que curioso!
Talvez a responsável da empresa, tenha conhecimento de causa. Afinal, talvez ela trabalhe horas a fio executando o mesmo movimento e ganhe 13.150 escudos como as operárias, para conhecer tão bem as dores proletárias, e concluir à quem a bendita proposta não beneficia. Ficaremos aguardando a sua canonização.
A indústria, mesmo ganhando milhões, à custa do suor de gerações de operários, considera um verdadeiro calvário conceber um aumento de salário.
A greve ensina a classe trabalhadora cabo-verdiana, que tampouco encontrará no Empregador burguês, quanto mais no Governo burguês, um aliado.
O proletário do arquipélago verá, que apesar do Governo afirmar que se preocupa na mesma medida, de forma paternal, com o trabalhador cabo-verdiano e o patrão burguês, a balança governamental viciada penderá sempre para o lado do Capital.
Conhecem este facto os trabalhadores do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, pois ao declararem a greve, o Governo logo se aprontou a usar uma requisição civil para silenciar suas vozes. É o Governo dizendo, tal como a patrícia romana de Juvenal: Hoc volo, sic jubeo, sit pro ratione voluntas (Assim o quero, assim o ordeno, que minha vontade se sobreponha à razão). Mas o rugido dos proletários não pôde ser abafado, e a ilegítima requisição civil foi solenemente desrespeitada.
Cada greve suscita no trabalhador uma nova audácia, por isso o Governo apressa-se a sufocá-la logo que nasce. Pretendem que os trabalhadores, diante da injustiça tenham uma postura serena e comedida, sem excessos ou paixões. A classe trabalhadora cabo-verdiana se nega a dar ao Estado burguês, tal luxo.
Desafiamos os ideólogos da burguesia que ocupam assentos na Casa Parlamentar a descer do pedestal das suas regalias, para que vejam a perspetiva dos trabalhadores como verdadeiros representantes do povo!
Diremos de modo cristalino. O proletário cabo-verdiano que tem morada relegada à periferia das cidades, ditos subúrbios, a quem todo o progresso governamental nunca alcança, terá em breve domicílio certo no panteão da História cabo-verdiana. Ao fazerem do Parlamento o comitê de negócios da burguesia, faremos da sociedade o lugar de atuação política do proletário. Onde querem exploração, seremos emancipação. Onde demandarem silêncio, a nossa voz será ouvida, tomando de empréstimo a elegância da Morna e a fúria do Funaná. Onde pedirem por alienação, traremos cultura. Onde querem Reformas sonolentas, exigiremos Revoluções Sociais.
*Março, 2020
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