• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
Justiça ou achincalhação, eis a questão!
Editorial

Justiça ou achincalhação, eis a questão!

Em países democráticos existem processos judiciais. E só processos judiciais. Não existem processos políticos. Não podem existir processos políticos. Estes só existem em países ditatoriais ou fascistas. Aqui é o primado das leis e do direito. E estes - as leis e o direito - tratam um homem enquanto individuo e nunca pelo cargo que desempenha. Aqui, todos são iguais perante a lei, pelo que os processos existem apenas para assegurar a justiça e o direito. Ninguém está acima da lei e da justiça. Nas democracias não existem intocáveis. Aqui a justiça é para as pessoas, não tem outro fim. Viva a justiça! Abaixo a achincalhação!

O segredo de justiça é certamente a maior achincalhação que existe nas sociedades modernas, sobretudo naquelas que se dizem democráticas. Por uma razão muito simples: o segredo de justiça é uma burla, uma mentira, uma enganação para distrair a sociedade e entalar a fiscalização social a que todas as instituições democráticas estão sujeitas. Ou deviam estar!

De entre as várias virtudes dos regimes ditos democráticos, ressalta-se a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Não existe, em democracias, diferença entre os cidadãos, na esteira do que a declaração dos direitos do homem e do cidadão havia definido, corria o ano de 1789. No cumprimento desses pressupostos teóricos, pontificam-se os princípios de separação de poderes enquanto alicerces para a materialização da democracia e para o funcionamento e a operacionalização das instituições democráticas.

Isto aqui é universal! E, assim sendo, Cabo Verde não pode fugir a esta regra. Porque não é possível, por mais voltas que se dê. Porque, corre-se o risco de falhanço enquanto Estado de Direito Democrático que o país diz ser. Ou pretende ser.

Dito isto, vamos ao que interessa, e que é o motivo desta mensagem.

O Ministério Público manda deter o advogado Arnaldo Silva, "suspeito de crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, organização criminosa, corrupção ativa, falsidade informática e lavagem de capitais”, considerados crimes graves no quadro das leis cabo-verdianas.

Entretanto, presente ao tribunal, este aplica Termo de Identidade e Residência como medida de coação, com proibição de se ausentar do país e também de contactar com os demais suspeitos no mesmo caso.

E é precisamente aqui é que as coisas começam a não bater certo.

Primeiro: como é que o tribunal impede Arnaldo Silva de contactar os outros seis suspeitos, se não se sabe quem são, uma vez que a identidade destes se encontra sob segredo de justiça? Terá sido aconselhado em conversa de pé de orelha, ou o Meritíssimo Juiz lavrou um despacho escrito e lido em voz alta para todos ouvir, o que obviamente deitaria por terra o malfadado segredo?

Seja qual for o processo usado pelo Meritíssimo Juiz, convém debruçar-se sobre como é que esta medida vai ser materializada. Sim! Como é possível impedir Arnaldo Silva de contactar os seis suspeitos que, supostamente, ele desconhece? Ou mesmo conhecendo, como é que o tribunal faria esta fiscalização, estando o homem em sua casa, a fazer a sua vida normal?...

Segundo: num passado recente – ano 2013 - aquando do processo Lancha Voadora, Veríssimo Pinto comeu prisão preventiva, quando se encontrava indiciado de crimes semelhantes, porém – convém reter este pormenor - sem a parte de falsidade informática e falsificação de documentos. O que é que mudou nesses seis anos, sabendo que, a crer nas informações divulgadas pelas autoridades policiais e judiciais, Arnaldo Silva parece estar ainda mais encrencado que o Veríssimo Pinto?...

Terceiro: foi o próprio Ministério Público a comunicar ao país da existência de mais seis suspeitos neste processo, sem, no entanto, avançar nomes, alegando segredo de justiça. Ora, se não se pode avançar a identidade dos suspeitos, então por que falar da sua existência? Não há de ser este comunicado um convite para uma eventual fuga dos suspeitos?...

Uma semana após a divulgação do comunicado do Ministério Público, os seis suspeitos continuam desconhecidos da sociedade, exponenciando a curiosidade e a especulação... Na prática, esse comunicado do Ministério Público visava o quê, efetivamente?...

Quarto: o advogado José Manuel Pinto Monteiro e o seu constituinte empurraram o processo para o campo político, afirmando que se pretende tão-somente atingir o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva.

Ora, em países democráticos existem processos judiciais. E só processos judiciais. Não existem processos políticos. Não podem existir processos políticos. Estes só existem em países ditatoriais ou fascistas. Aqui é o primado das leis e do direito. E estes - as leis e o direito - tratam um homem enquanto individuo e nunca pelo cargo que desempenha. Aqui, todos são iguais perante a lei, pelo que os processos existem apenas para assegurar a justiça e o direito. Ninguém está acima da lei e da justiça. Nas democracias não existem intocáveis. Aqui a justiça é para as pessoas, não tem outro fim. Viva a justiça! Abaixo a achincalhação!  

A direção,

Partilhe esta notícia

SOBRE O AUTOR

Redação