12 de Setembro, dia do nascimento de Amílcar Cabral. É com pensamento nele e, para mais uma vez prestar-lhe a minha singela homenagem, que ocorreu-me rabiscar estas linhas, que é apenas uma de entre muitas outras leituras que possam existir e que mais não pretendem ser do que um pequeno contributo para o debate e a construção de ideias, em torno deste grande Partido que ele fundou, que é o PAICV, e deste grande País, pelo qual ele ele lutou e doou a sua própria vida, que é este Cabo Verde, que todos nós amamos.
Primeiro, Cabo Verde. No próximo ano, comemoramos 45 anos de independência. Se em 1975 as nossas preocupações giravam em torno da viabilidade de um Pequeno Estado Insular, frágil, sem recursos naturais exportáveis, hoje, os nossos desígnios são a modernidade e o progresso. Eis a questão essencial que se nos impõe: como transformar, nos próximos 10 a 20 anos, Cabo Verde num país moderno e competitivo, com elevado nível de vida para o seu povo, com oportunidades partilhadas por todos, com coesão social e sustentabilidade ambiental?
O País fez um percurso notável e, pese embora todas as adversidades, cresceu, o rendimento per capita aumentou e graduou de país menos avançado (PMA) para país de rendimento médio (PRM). Em 2015, Cabo Verde conseguiu atingir vários dos objectivos do desenvolvimento do milénio (ODM) e é hoje um país com grande credibilidade a nível internacional, uma referência de democracia no mundo e com confiança inabalável no futuro. Nas ilhas e na Diáspora, todos deram um contributo inestimável para que esses ganhos fossem possíveis, desde cidadãos anónimos, organizações da sociedade civil - Confissões Religiosas, Partidos Políticos, Organizações não Governamentais (ONG’s) e Parceiros do Desenvolvimento.
Não obstante, os desafios são ainda enormes, renovam-se a cada dia, exigindo ainda de todos nós um esforço hercúleo, arte e engenho, sabedoria, maturidade política, prudência, humildade e coragem e sobretudo muita entrega e amor à causa para serem vencidos. O País continua ainda vulnerável, temos os desafios da competitividade, da produtividade e da qualidade, do crescimento económico forte e inclusivo e gerador de empregos, da redução da pobreza e das desigualdades sociais, do reforço da coesão social e do combate às assimetrias regionais. Ademais, matérias, como a segurança, a reforma do estado e a reforma da Justiça, pela sua sensibilidade e premência, exigem dos actores políticos uma grande capacidade de diálogo, de entendimentos e de compromissos. Porque, matérias de regime e que devem merecer um amplo consenso, defendo que devem ser retirados do campo da competição política, para passarem para o campo do diálogo profícuo e da cooperação política.
Parece-me ainda, que os maiores perigos que ensombram Cabo Verde são os do crescimento e da ascensão do populismo (de direita, do centro, de esquerda, e dos extremos) e da captura do estado por grupos de interesse, que fingindo estar a procurar o melhor para o País e para o seu Povo, mais não fazem do que defender e satisfazer os seus próprios interesses. Cuidar da nossa “casa comum” e realizar o bem-comum e colocar sempre o interesse geral acima dos interesses particulares e de grupos continua, decerto, a ser o nosso desafio-mor. Acredito que um Cabo Verde competitivo, moderno e desenvolvido e com oportunidades partilhadas por todos os seus filhos está ao nosso alcance, “undi tudu simbron e tudu criston ten direitu a si góta d ‘águ”, conforme poetizou Renato Cardoso. Tudo vai depender também da capacidade das mulheres e dos homens destas ilhas fazerem política com “decência, honestidade e patriotismo”, como diria Amílcar Cabral.
Amílcar Cabral dissera ainda que a independência não valeria a pena se não se traduzisse na melhoria das condições de vida do seu Povo. Hoje, ele deve sentir-se orgulhoso de Cabo Verde e do Partido que ele fundou e que se transformou num dos esteios da construção desse Cabo Verde mais próspero e viável. O PAICV já governou 30 dos quase 45 anos, desde que Cabo Verde conquistou o direito de conduzir o seu próprio destino. Pela sua história e pelo seu percurso é hoje orgulho dos seus militantes, amigos e simpatizantes e um grande património da Nação cabo-verdiana. É o Partido da luta de libertação nacional e da independência; é o Partido que governou nos primeiros 15 anos da independência e lançou as bases da construção do Estado e da Nação e os alicerces do crescimento e do desenvolvimento; é o Partido da abertura política e da construção da democracia; é o Partido da transformação, da modernização e da edificação de um Cabo-Verde mais competitivo, mais justo, mais solidário e mais próspero.
Em 2001, depois de um interregno de 10 anos na oposição (1991-2001), o PAICV regressa ao poder, para voltar a governar, conquistando três maiorias absolutas consecutivas em eleições livres, democráticas e transparentes. Quinze anos depois, em 2016, os cabo-verdianos, no País e na diáspora, decidiram fechar um ciclo e abrir um novo ciclo, com a condução do MPD ao poder e do PAICV à oposição. Democraticamente, o Povo falou e escolheu uma nova liderança e um novo projecto político para Cabo Verde. Em democracia o poder pertence ao Povo e dizem os entendidos na matéria que este tem sempre razão e escolhe sempre bem. Os 15 anos foram fantásticos, com enormes ganhos da governação, reconhecidos a níveis nacional e internacional. Algumas coisas correram menos bem. É a vida, como diria alguém. Mas tudo isto é agora tempo pretérito e na vida é improdutivo focarmos no passado e nos problemas. Como dizemos num bom crioulo “midju kotchido ka ta da simentêra”. Por isso, para o PAICV o momento era de virar a página, olhar em frente, lançar novas sementes e começar a construir o futuro - um “PAICV para um Novo Tempo”.
Entretanto, reflectindo sobre o futuro, releio com muito interesse a Declaração de Princípios do PAICV, aprovada no XI Congresso, em Junho de 2003, há 16 anos atrás. É minha opinião que quem pensou e redigiu esses Princípios o fez com brilhantismo, clarividência, transversalidade e grande visão de futuro. Mas, julgo que passado década e meia sobre a sua aprovação e que fruto da emergência de novos desafios a nível nacional e internacional, da globalização dos mercados e das transformações profundas por que passa a economia mundial, da economia digital e da emergência de novos fenómenos da geopolítica internacional, a Declaração de Princípios do PAICV precisa ser revisitada e, porventura, reescrita. Debater é preciso!
Com efeito, em 10 Princípios essenciais, o PAICV afirma-se como um Partido de Esquerda Moderna e Democrática; da liberdade, da igualdade e da solidariedade; uma escola de cidadania e um partido aberto à participação e à dinâmica da sociedade civil; um partido plural, de todas as gerações, federador de vontades, e gerador de consensos; que promove e defende os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a intensificação da democracia política; que defende os princípios da democracia social e económica; que promove os direitos do homem, a paz, o diálogo e a resolução negociada dos conflitos, como valores paramétricos do relacionamento no plano internacional; que respeita a diversidade, as minorias e estimula a criatividade; que assume a defesa do meio ambiente como elemento vital à promoção de um desenvolvimento sustentável, e que defende uma economia de bem-estar, aberta à pluralidade de iniciativas e das formas económicas privadas, públicas e sociais, e regulada pelo mercado e por instituições públicas adequadas e que defende a independência do poder político face aos poderes económicos. Tudo dito e escrito, ou quase tudo. O PAICV é, de facto, um grande Partido.
Releio também, não com menos interesse, os Estatutos do PAICV, que conheceu a sua última revisão no seu XIII Congresso, em Abril de 2013, já lá vão pouco mais de 6 anos. O Partido passou por profundas reformas, com a introdução das directas para a escolha do Presidente do Partido, com a instituição das primárias para a escolha dos candidatos autárquicos e com a criação das Regiões Políticas, introduzindo mais autonomia e mais democraticidade no seu modo de organização, funcionamento e eleição dos órgãos e representantes. Porém, creio igualmente, que na era da política veloz, das TIC’s, dos Social Media, das profundas transformações económicas e sociais por que passa o mundo e da sociedade em rede, o Partido necessita de reabrir o debate em torno dos seus Estatutos e analisar se as disposições estatutárias actuais respondem e se adequam aos desafios de hoje e do futuro, ou se, eventualmente, necessitam de ser revistas e ajustadas para esse novo tempo. Debater é preciso!
O PAICV do passado, do presente e do futuro foi, é e será sempre aquilo que os seus militantes quiseram e quiserem. Decorridos quase 4 anos sobre a IX Legislatura (2016-2021), não tenho dúvidas que todos os militantes, amigos e simpatizantes de grande Partido querem e desejam um PAICV saudável e cada vez mais forte, porque Cabo Verde precisa deste grande Partido, que é Património da Nação e indispensável para a qualidade e a vitalidade da sua democracia e do seu futuro - um Partido que não divide e subtrai, mas que soma e multiplica, portanto unido e coeso; que não comete erros simétricos, onde os mais velhos querem barrar os mais jovens e os mais jovens querem correr com os mais velhos, portanto de todas as gerações; que seja cada vez mais aberto à sociedade, disponível para receber no seu seio todas as capacidades e conquistar jovens e novos valores, portanto de crescer em quantidade e em qualidade. Mas, mais importante - um Partido que construa, se afirme e ofereça aos cabo-verdianos uma alternativa ao actual estado de coisas no País, uma alternativa de governação, tanto em termos de liderança e de equipa, como também de políticas e de projectos.
Olhar em frente e construir o futuro e promover um grande debate entre os militantes, amigos e simpatizantes do PAICV e entre estes e a sociedade cabo-verdiana, sobre o Partido e o seu futuro, os seus ideias, princípios e valores e a promoção de um amplo e profundo debate nas ilhas e na Diáspora com as forças vivas da sociedade, sobre Cabo Verde e o seu futuro de modo construir e a propor aos cabo-verdianos novas respostas para os desafios do futuro, afiguram-se, a meu ver, como imprescindíveis. Para voltarmos a fazer política com “decência, honestidade e patriotismo” e construir o Cabo Verde com que Amílcar Cabral sonhou e todos nós sonhamos.
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