Deputado nacional lança fortes acusações sobre os jornalistas, o sindicato que os representa, AJOC, e estes procuram defender-se ao “bombardeamento político”, num ambiente onde todos ralham, mas a culpa morre solteira. Tamanha intolerância, no país dos absurdos!
É o país que temos! Intolerância à flor da pele. Ninguém suporta ninguém. Nem mesmo quem tenha jurado honrar o país, suportar os desafios do povo, para solucionar os problemas e produzir felicidade… no caso concreto, um representante da nação, o deputado Emanuel Barbosa.
Factos. Emanuel Barbosa, deputado da nação e vice-presidente da bancada parlamentar do MpD, partido que hoje governa o país, escreve na sua página pessoal do facebook, e desanca violentamente nos jornalistas, no sindicato que os representa, AJOC, e na pessoa da presidente, a jornalista Carla Lima.
Este homem, inquilino da casa que é o centro do poder - a casa das leis -, é, por via dessas funções, simultaneamente legislador e defensor das leis que aprova e ajuda a aprovar. São as leis da república, com a Constituição da República à cabeça, é que assim estabelecem e determinam. Não tem como fintar essas obrigações legais, por mais que se metamorfoseie em cidadão, militante, político, informático, ou até mesmo, professor de jornalismo…quanto mais não seja, enquanto estiver como deputado nacional. Fugir ao primado da lei, num estado de direito democrático, não é possível!
Entretanto, é este homem, legislador e defensor da legalidade, por força das leis e das funções que desempenha no aparelho do estado, dizia, é este homem que resolve escrever na sua página pessoal do facebook, taxando os jornalistas cabo-verdianos de serem de quinta categoria, acusando-os de promiscuidade, oportunismo, entre outros adjectivos ofensivos e violentos.
É este homem, exímio paladino das liberdades, das democracias, do liberalismo, é que, escudado na sua indumentária de deputado nacional, teve a sabedoria, a competência e o profissionalismo de lançar as seguintes questões à direcção da AJOC, dirigindo-se directamente à Carla Lima: “Confirma que estás há mais de um ano na ilegalidade, não prestando contas e não convocando eleições? As contas durante a tua gestão já foram aprovadas? A tua permanência à frente da AJOC é legal? Não se sente ferida de legitimidade? Como é que classifica esta tua permanência, nas condições que se sabe, na Presidência da AJOC em termos éticos e morais? O que tem a dizer sobre os retiros de reflexão do passado entre os Jornalistas e o Governo do PAICV, nomeadamente com a tutela da Comunicação Social? Não era promiscuidade a mais? Se fosse hoje recomendaria os Jornalistas a participarem em retiros do género? A AJOC é, de facto, 100% financiada pelos seus associados? Em nome da liberdade de imprensa, estaria disponível para renunciar ao financiamento de 3 mil contos do MCIC para o prémio de Jornalismo?”
Ora bem, as questões aqui levantadas podem até fazer sentido, mesmo que a intenção seja apenas levantar suspeições para enlamear os jornalistas, a AJOC e a Carla Lima, e assim criar factos - numa altura em que o país vem sendo confrontado com tentativas de silenciamento da comunicação social por parte do poder instituído, conforme alguns documentos divulgados nas últimas semanas -, se tivessem sido feitas por um cidadão qualquer.
Mas não! Estas questões foram levantadas por um legislador e defensor da legalidade, portanto, uma entidade pública imbuída de poderes para se aferir, no espaço próprio, e em tempo oportuno, sobre o funcionamento de um organismo tão importante na vida de um estado democrático, como o é a comunicação social, os jornalistas e os seus órgãos representativos.
Nunca é demais repetir que nas democracias, os representantes do povo são, na verdade, eleitos para fiscalizar, estudar e produzir orientações que contribuam para melhorar o funcionamento das instituições democráticas. E são pagos para isso.
Assim, independentemente de as questões levantadas pelo legislador, defensor da legalidade e representante do povo, Emanuel Barbosa, forem verdade – a direcção da AJOC já respondeu, mostrando que não correspondem à verdade - temos que os deputados, e o parlamento, não estejam eventualmente a fazer o seu trabalho com a competência e o profissionalismo desejados. Porque se estivessem desempenhando as suas funções como deve ser, o Barbosa não estaria a questionar o desempenho da comunicação social e dos seus profissionais, mas sim, a responder sobre estas questões, no quadro das suas funções de defensor da legalidade e fiscal do funcionamento das instituições democráticas.
Porém, mais grave do que a eventual falta de profissionalismo e competência dos legisladores e principais defensores da legalidade do país, é a confusão que estes estão a fazer entre recursos públicos e recursos privados.
Vejamos. Emanuel Barbosa questiona a presidente da AJOC se “em nome da liberdade de imprensa, estaria disponível para renunciar ao financiamento de 3 mil contos do MCIC para o prémio de Jornalismo?”
Ora, aqui este legislador e defensor da legalidade faz uma confusão tremenda entre o que é público e o que é privado; entre o que é serviço público e o que é serviço privado.
A comunicação social é um serviço público. E é pago com fundos públicos. A liberdade de imprensa é um activo do país. Um bem público, portanto. E, logo, não tem preço, sendo naturalmente intangível.
E é aqui é que reside o logro do Barbosa. Na questão que levanta, fica cristalino que para este legislador e defensor da legalidade, a comunicação social ganha direito aos fundos públicos, se renunciar ao direito à liberdade. Ou ganha direito à liberdade, se renunciar ao direito aos fundos públicos.
Dito de outra forma. Ou a AJOC e os seus membros abrem mão dos seus deveres e obrigações, e deixam de defender a classe e a liberdade de imprensa, conquistando assim legitimidade para serem premiados com os fundos públicos; ou abraçam os seus deveres e obrigações, defendendo a comunicação social e os seus profissionais - como, de resto, têm andado a fazer – e perdem legitimidade para serem premiados com os fundos públicos.
Absurdo?!... Sim, mas verdade! Não fosse Cabo Verde o país dos absurdos!...
A direcção,
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