Da indignidade e seus efeitos
Editorial

Da indignidade e seus efeitos

A propósito da exposição da pobreza e outras vulnerabilidades das pessoas e suas respetivas famílias através de spots publicitários do governo, divulgados em horários de grande audiência da Televisão de Cabo Verde e suportados pelos bolsos de todos os cabo-verdianos. São mais de 3 mil contos mensais.

Cabo Verde é um país desigual. As estatísticas é que o dizem. Aqui 35% da população é pobre. Se falarmos de meio milhão de almas que pode ser o número de pessoas que vivem por cá neste momento, temos que 175 mil vivem na pobreza. É um número assustador. Porém, mais assustador ainda é a diferença salarial que aqui é praticada.

O salário de um trabalhador das FAIMO oscila entre 230 e 400 escudos diários, não contando os sábados, domingos e feriados. Assim, um trabalhador das FAIMO pode receber entre 5.060$00 e 8.800$00 mensais, correspondentes a 22 dias úteis de trabalho.

Ora, o salário do administrador de uma empresa pública está fixado em 300.000$00 mensais, sem os subsídios e demais complementos a que tem direito. Se admitirmos que este é o salário teto praticado no país, temos que o salário mais alto é 59 vezes o salário mais baixo.  

Um país como este assume caraterísticas atípicas no contexto mundial e pode ser caso de estudos por parte de especialistas em questões sociais, humanas, culturais, políticas e económicas.

E é certamente por assumir estas caraterísticas é que Cabo Verde se dá ao luxo de utilizar a pobreza, as desigualdades e as vulnerabilidades pessoais e coletivas de uma forma vil, ultrajante e violadora dos direitos mais elementares da pessoa humana – que é o direito à dignidade. Aqui, os poderes públicos usam e abusam das pessoas – estas, cuja dignidade, um dia juraram defender!

Nenhum Estado é digno se o seu povo não for digno. Aqui não há meio termo. Só povos dignos formam Estados dignos. O Estado é, no limite, o povo que o compõe.

Trabalhar o desenvolvimento humano, nas suas diversas vertentes, é dever do Estado e direito das pessoas. Quando o Estado promove a educação e a formação, não está a fazer mais do que a sua obrigação, para materializar uma das suas funções tradicionais e respeitar um direito constitucional do seu povo.

Neste contexto, o Estado não pode usar a materialização de uma ou outra sua função, que tradicional e legalmente lhe seja reservada, como moeda de troca com supostos beneficiários, numa atitude mercantilista e violenta, assumindo em simultâneo o papel de santo, vilão e predador.

Os spots publicitários do governo divulgados pela TCV, em horários nobres, onde sobressai a exploração da pobreza e das vulnerabilidades dos cabo-verdianos, expõe o Estado ao ridículo, sendo a promoção nua e crua da indignidade coletiva.

O desemprego na camada juvenil anda em cifras elevadas. A taxa de jovens que abandonam os estudos, por falta de meios de subsistência, para abraçar a delinquência e a marginalidade, é alta. Entretanto, o governo gasta mais de 100 mil escudos diários para expor o seu próprio povo ao ridículo, suportado por todos os cabo-verdianos, dinheiro esse que seria melhor aplicado na atribuição de bolsas de estudos, por exemplo, ou outros projetos de empoderamento social.

Enfim, são mais de 3 mil contos mensais surripiados dos impostos de todos os cabo-verdianos, para compensar as incompetências de quem gere os recursos públicos e arregimentar a indignidade de um Estado que tem o dever e a obrigação de fazer exatamente o contrário - ou seja, o dever e a obrigação de promover a autoestima coletiva, para salvar o cidadão e alavancar o desenvolvimento social e económico do país.

Isto de coisificar pessoas para tirar proveito, seja qual for, é coisificar o próprio Estado e as suas instituições. 

A direção,

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