
Antigo secretário de Estado dos Transportes na década de 90, entende que a companhia cabo-verdiana chegou à actual situação porque a sua gestão foi entregue às pessoas que não entendiam dos negócios dos transportes aéreos. E Arnaldo Silva pede ao Governo para divulgar o contrato com a Icelandair.
O antigo secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, António Maurício dos Santos, disse ontem à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que averigua os actos de gestão na TACV que vem-se assistindo à “maior destruição de valores feita numa empresa pública cabo-verdiana”.
António Maurício dos Santos, que ingressou na TACV em 1985, tendo desempenhado várias funções de direcção a nível da transportadora aérea nacional, afirmou que assiste com “muita pena à destruição de uma das melhores empresas públicas do país”.
Segundo fez saber, quando em 1985 a companhia de bandeira iniciou os voos para Lisboa, com os aviões das Linhas Aérea de Moçambique (LAM) houve quem dissesse que a TACV não iria aguentar para além de seis meses.
“Em menos de seis meses já transportávamos entre Lisboa e Cabo Verde mais passageiros do que a TAP”, precisou Maurício dos Santos, para quem os dirigentes dos Transportes Aéreos Portugueses “nunca compreenderam isto”, ou seja, que o factor cultural fazia com que os cabo-verdianos, os que mais viajavam na rota Lisboa-Sal e vice-versa, preferissem voar com a sua companhia aérea, a TACV.
Durante a década de 90, prossegue, foram abertas novas rotas internacionais, como Paris (França), Amsterdam (Holanda), Viana (Áustria) e Bérgamo (Itália).
“Para a Itália, se calhar, a TACV desempenhou o maior papel na promoção turística deste país (Cabo Verde), revelou durante audição que decorreu praticamente sem a presença dos deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV-oposição) na referida CPI.
Lembrou que a introdução do primeiro Boeng-757, em 1996, na frota aérea da transportadora aérea nacional foi planeada de forma minuciosa, de modo que permitiu que, em menos de 24 horas da sua chegada da aeronave ao Sal, se realizasse o primeiro voo comercial, tendo como destino Paris, (França).
“Muita gente pensa que a TACV perdia dinheiro no tráfico doméstico”, observou Maurício dos Santos, adiantando que a companhia aérea nacional começou a ter prejuízos quando deixou de “controlar os voos internacionais”, porque, diz ele, “aí o investimento é muito elevado e, se não há a ocupação do avião, os custos começam a ultrapassar os proveitos e, logo, os problemas”.
Deixou entender que a companhia aérea nacional, além de “bem organizada”, era “totalmente auditada em termos de manutenção e operação”, pelo que em 2000 ia ser certificada pela Norma ISO 9001.
“A primeira medida do conselho de administração nomeado em 2001 foi extinguir o departamento de qualidade, que, na altura, era presidida pelo Dr. João Mendes”, lamentou António Maurício dos Santos, sugerindo à CPI que ouvisse também um antigo “quadro de excelência” da TACV.
Além de erros de estratégia, o antigo trabalhador da Cabo Verde Airlines entende que a TACV chegou à actual situação porque, a dado momento, a sua gestão foi entregue às pessoas que não entendiam dos negócios dos transportes aéreos.
Arnaldo Silva: “Governo deve divulgar contrato com Icelandair”
O ex-membro do conselho de Administração da TACV (CA), Arnaldo Silva, disse à CPI que já é altura de se divulgar o contrato de gestão da transportadora aérea cabo-verdiana assinado entre o Governo e a empresa aérea Icelandair.
“Não vejo que haja razão bastante para não se divulgar o que está acordado. Naquilo que é o interesse público não deve nunca haver uma cláusula de confidencialidade, porque isso leva a suspeição”, sublinhou o jurista, Arnaldo Silva, no final de uma audiência parlamentar.
Segundo Arnaldo Silva, o Governo não tem necessidade de esconder nada. O Governo deve divulgar o contrato e acabar de vez com esta “falsa questão” de que há confidencialidade. “Acredito que não há nada a esconder e o Governo acabará por fazer a divulgação do contrato de gestão que foi assinado com Icelandair”, salientou Arnaldo Silva.
O MpD, acrescentou o jurista, sempre defendeu “a total transparência na gestão dos negócios públicos, portanto não deve dar azo à oposição para levantar a suspeita” sobre o negócio da TACV.
Sobre a reestruturação da TACV, visando a sua privatização, Arnaldo Silva, disse que “o modelo actual não é muito diferente” do que estava previsto no decreto-lei de 2002. O modelo anterior previa uma empresa estrangeira para gerir a TACV. A empresa americana Sterling foi contratada para fazer a gestão da companhia aérea cabo-verdiana e reestrutura-la para privatização.
“O contrato com a empresa Sterling previa um valor anual praticamente semelhante ao que se está a pagar agora à gestão feita pela Icelandair. Só que resultou em nada”, informou o jurista.
Para Arnaldo Silva a diferença que se nota é que, enquanto no modelo anterior quem dirigia a TACV era a Sterling, uma empresa da área financeira liderada por um gestor do sector da aviação, no actual a companhia aérea cabo-verdiana está a ser gerida pela Icelandair, uma companhia aérea.
“O decreto-lei de 2002 previa um modelo estratégico, mas o Governo não foi capaz, em 14 anos, de encontrar um parceiro estratégico”, notou.
Em relação à situação actual da TACV, Arnaldo Silva afirmou que a empresa aérea cabo-verdiana chegou “ao descalabro total por erros de várias gestões, desde 2006.
O jurista disse ainda que “a fase negra da TACV começou com a gestão da empresa americana, Sterling, liderada pelo canadiano Gilles Filiatreault e por aí adiante e que a machada final foi com a gestão de António Neves por culpa do Governo que assumiu um processo de mudança de rota desastrosa com impactos financeiros que deixou a empresa praticamente moribunda”.
“Com Gilles Filiatreault, a TACV desatou a abrir linhas para Polónia, Inglaterra. Um caso caricato foi a abertura de linhas para Inglaterra e fazer voo num boeing 735 com 12 passageiros”, lembrou Arnaldo Silva, sublinhando que o gestor Gilles Filiatreault resolveu também despedir 173 trabalhadores sem o respaldo legal. “Na altura a empresa foi condenada a pagar mais 45 mil contos de indeminização”, confirmou o jurista.
Arnaldo Silva disse também que “o gestor desatou a vender o património da empresa e que deveria ser responsabilizado”, na altura. “A substituição da frota do avião Beleza, passando pela aquisição dos dois aviões 737 que foram adquiridos e que culminou com a apreensão de um deles em fevereiro de 2016, na Holanda”, foram alguns dos exemplos da “fase negra da TACV” apontados pelo Arnaldo Silva.
Com Inforpress
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