A Agência de Aviação Civil acusou hoje a Tansportes Interilhas de Cabo Verde (TICV) de não respeitar regulamentos nacionais e revelou que a companhia aérea, sem voos comerciais há duas semanas, pediu para que não fosse emitida autorização para a programação de verão.
Em causa está um processo que se arrasta desde março, com períodos de ausência de bilhetes à venda pela Transportes Interilhas de Cabo Verde (TICV), detida pela espanhola Binter e que até 16 de maio era a única companhia a garantir voos domésticos no arquipélago, num aparente diferendo com o regulador e o Governo, sobre apoios à atividade, fortemente afetada pela pandemia de covid-19.
Novamente sem bilhetes à venda para voos interilhas depois de 16 de maio pela TICV, o Governo avançou em 14 de maio com um contrato de concessão emergencial do serviço de transporte de passageiros interilhas com os angolanos da BestFly, por seis meses, iniciado em 17 de maio.
No comunicado emitido hoje, recuperando todo o processo desde março, a Agência de Aviação Civil (AAC) recorda que “qualquer transportadora aérea, para operar em Cabo Verde, tem de respeitar a legislação nacional, em especial os regulamentos aeronáuticos cabo-verdianos”, o que, sobre a TICV e “desafortunadamente, no caso em apreço, manifestamente, não foi obedecido”.
A AAC refere que os regulamentos estabelecem que as transportadoras aéreas “devem enviar à autoridade aeronáutica o pedido de autorização para aprovação da programação dos voos com 30 dias de antecedência da data do início da estação IATA (Verão/Inverno) em que a companhia pretende realizar as operações”.
Acrescenta que a TICV “estava em incumprimento” e que o pedido de autorização para a operação do período IATA Verão 2021 (28 de março de 2021 a 30 de outubro de 2021) não tinha sido apresentado nos 30 dias antes da data do início das operações, conforme determinam os regulamentos.
“A AAC estabeleceu comunicação com a empresa, expondo a sua inquietação, através de correspondências, presencialmente e por telefone, demandando que a situação fosse regularizada com a urgência devida”, revela a agência.
Em momentos diferenciados, a TICV apresentou dois pedidos de programações parciais à autorização da AAC, “deixando de cumprir assim com o que manda o regulamento e com o que lhe havia sido requerido nas missivas da autoridade aeronáutica, e seguiu a não sujeitar à aprovação a programação completa de Verão 2021”.
O regulador sublinha, contudo, que “para que não houvesse a disrupção do serviço de transporte aéreo doméstico”, deixando o país sem mobilidade aérea interna, “a AAC emitiu duas autorizações que compreendia o período de 27 de março a 30 de abril e 01 a 16 de maio”.
A AAC explica que “continuou sempre a insistir com a TICV para que se conformasse com o disposto no regulamento” e “apresentasse a programação referente ao período IATA Verão 2021, comunicando-lhe que caso não corrigisse a situação não se lhe iria emitir nova autorização e que com efeito a transportadora ficaria impossibilitada de realizar as operações aéreas comerciais regulares”.
Em 17 de maio, já após o início do contrato de concessão emergencial com a BestFly e da “caducidade efetiva da autorização” à companhia, a TICV deu entrada com a programação de verão na AAC, o que, a avançar, representaria duas empresas a assegurar o transporte aéreo doméstico em Cabo Verde.
“À luz do exposto, a AAC prosseguiu com a implementação das medidas de regulação que se impunham e solicitou informações adicionais que melhor lhe permitia ajuizar sobre a pretensão da TICV, requerendo, nomeadamente, que manifestasse sobre a sua real intenção da retoma das operações e que indicasse a sua capacidade financeira para a realização das operações, uma vez que a empresa tinha divulgado à AAC e ao público em geral que atravessava uma situação financeira que não lhe permitia assegurar os voos”, lê-se na nota.
No entanto, a AAC revela ainda que após “ter concluído a sua análise, ainda em tempo, foi confrontada com um novo pedido da TICV a requerer que, por ora, a autorização para a operação período IATA Verão 2021, não fosse emitida, fundamentando o seu apelo com motivos de interesse exclusivo da empresa”.
O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, admitiu em 17 de maio a possibilidade da espanhola Binter sair da estrutura acionista da TICV: “É preciso ter em conta que a TICV é uma companhia que já está a operar e é bom que não haja descontinuidade. Outra coisa é se a Binter continuará ou não como acionista da TICV”.
“Esta é parte que está agora em negociação, para fazer com que possamos cumprir o essencial. Para nós, o mais importante é que possa haver continuidade, não haver nenhuma situação de descontinuidade relativamente aos voos”, acrescentou.
Uma fonte da companhia angolana BestFly confirmou à Lusa contactos por parte da espanhola Binter, que detém a TICV, para explorar a possibilidade de venda da operação em Cabo Verde.
Em declarações à Lusa em 17 de maio, o diretor-geral da TICV, Luís Quinta, disse então que na semana anterior decorreram “várias conversações” entre os acionistas da Binter, que detém a companhia cabo-verdiana, e representantes do Governo, mas garantiu que “nunca foi transmitido que a empresa iria cessar as operações”, prevendo o plano apresentado 32 voos semanais.
Em comunicado anterior, o Governo cabo-verdiano justificou a escolha da BestFly para assumir a concessão emergencial, por seis meses, do serviço público de transporte aéreo entre ilhas em Cabo Verde, com a alegada cessação da atividade da TICV.
Em 2020, os voos domésticos em Cabo Verde, operados apenas pela TICV, movimentaram cerca de 125 mil passageiros, menos 286 mil (-230%) face ao ano anterior, devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19.
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