CLXIX CENA
Numa horta cheia de bananeira, Bidolo e Gina pernoitam numa casinhota coberta de zinco.
GINA (um pouco desconfortada ou mesmo, inconformada) – Vamos embora, Bidolo!
BIDOLO (notoriamente ébrio) – Vamos amanhã cedo, Gina.
GINA – Não. Deixa-me ir pra casa! Eu não vou dormir contigo.
BIDOLO – Não viste que já está muito noite?
GINA – Não está nada noite. Vamos embora! (Bidolo vai para ela e tenta abraçá-la) Fica longe de mim. (Bidolo faz um sorriso) Disse-te, desde tarde-cedo, para irmos embora e ficaste lá em Assomada só a beber!
BIDOLO – Tu não estás bem aqui, junto comigo?
BIDOLO – Não estou bem não! Nós combinamos ir a Assomada tirar a minha certidão de nascimento. Não para vir dormir em Jaracunda contigo!
BIDOLO – Mas eu sou o teu noivo, Gina! Que mal tem se dormires comigo?
GINA – Eu sou ainda a tua noiva. Não a tua mulher.
BIDOLO – Que diferença é que tem, se de qualquer maneira tu vais ser minha mulher?!
GINA – Sim. Quando eu for, nós dormimos juntos. Mas ainda não sou.
BIDOLO (um pouco fulo) – Tira já a roupa e deixa-te de disparate.
GINA – Vamos, Bidolo. Vamos Por favor!
BIDOLO – Eu não vou a nenhum lugar. E despacha-te, que eu quero deitar.
GINA – Tens razão. Eu bem podia ter desconfiado dessa tua ideia de irmos à Santa Catarina tratar dos papéis àquela hora. Agora estou a perceber-me por que é que escolheste aquela hora tão tarde e, porque também estavas sempre a norostear… [fazer algo muito devagarinho, dilatar o tempo] a falar muito… a queimar o tempo! (Bidolo faz um sorriso) Podes rir.
BIDOLO – Tu não estavas com a intenção de dar-me provas antes de nos casarmos?
GINA – Não estava e ainda não estou.
BIDOLO – Eh! E porquê?
GINA – Porque sempre prometi à minha mãe, que Deus a tenha, que quando eu me casar, se Deus quiser, havia de estar virgem.
BIDOLO – Não te vou tirar a virgindade. Podes confiar em mim. (Gina cala-se e Bidolo despe a roupa e fica só com ceroulas) Despe-te e vem!
GINA – Vou fazer xixi atrás da casa e já venho. (Vai a trás da casinhota, tira 7 alfinetes de uma caixinha preta e os enfia, em forma de cruz, na saia-branca que traz vestida e volta para dentro) Tens que cumprir com a tua palavra, Bidolo! Vamos só esfregar! Não vais deixar penetrar! Não vais parir comigo! [Tirar a virgindade].
BIDOLO – Não vou deixar penetrar. Vou te esfregar só por cima. Tá bom? (Gina tira a roupa, menos saia-branca e calcinha. Vai deitar-se, o Bidolo fica a acaricia-la durante alguns instantes) Não acredito!
GINA – Não acreditas no quê?
BIDOLO – O papai não quer levantar-se?!
GINA – Como é que queres que ele levante, assim como estás bêbado?
BIDOLO – Mas isto nunca me aconteceu! Ele nunca foi preguiçoso, nem desobediente no seu trabalho. Não é a primeira vez que estou moco [embriagado, bêbado] e o ponho a trabalhar!
GINA – Tudo na vida tem uma vez para acontecer; pra falhar ou pra suceder.
BIDOLO (cada vez mais impaciente) – Pocha, pá!
GINA – Tem calma, Bidolo!
BIDOLO – Calma quê? Ele não me vem envergonhar perante uma mulher, já com as pernas abertas!
GINA – Parvo!
BIDOLO – Parvo, porquê?
GINA – Falas muito estupidamente! Que mulher é que está aqui com as pernas abertas?!
BIDOLO – Eu vou cortar este caralho de merda!
GINA – Corta e vais ver! Depois fazes xixi com o cu.
BIDOLO – Não me importo. Já que não está a prestar… não tem nada que ocupar o espaço!
GINA – Talvez Deus não quer que tu abuses de mim.
BIDOLO – Não quer mesmo esticar, caralho! Dá-me vontade de cortar-te e atirar ao cão!
GINA – Dormimos um bocadinho, talvez o álcool te diminua do corpo e consigas.
BIDOLO – Ok. Vamos dormir.
GINA – Vamos.
Bidolo dorme logo e começa a ressonar. Gina levanta-se devagarzinha, veste-se cuidadosamente e sai às escuras. Lá pela madrugada, o Bidolo acorda preparado, com o coiso bem esticado e pronto para a ação. Apalpa em cima da cama mas não encontra a Gina. Levanta-se estrovinhado e sai à rua, vai procura-la à volta da casinhota, mas não a encontra.
BIDOLO – Bandida! A Xuxa já me enganou?! Nanprésta! (Entra novamente na casinhota, veste e sai furioso) Sua bandida! Agora que acordo preparado… não a encontro. Ela vai pagar-me por isso. (Agarra no pénis) E tu também, seu caralho! Só agora é que vens desatinar? Filho da puta! Careca de medra!
Continua a andar e a descompor a noiva com todos os palavrões que existem.
CLXX CENA
Dia seguinte, logo cedo, Bidolo leva um saco de plástico com uns papéis, retira-os um a um, coloca-os à porta da casa da Gina, borrifa com petróleo e ateia o fogo enquanto remete toda casta de palavrão à noiva.
CLXXI CENA
João da Cruz e Txoné estão numa taberna a beber.
TXONÉ – Há dias passei pela cunhada… ela botou-me uma rabada de olho! [olhadela]! Se ela tivesse poder… acho que até me engolia!
JOÃO DA CRUZ – Helena tem coração preto, mano.
TXONÉ – Ela está boé katróxa [muito pejada]. Está quase a ter bebé. Estava com uma somediante [enorme] barriga!
JOÃO DA CRUZ – Amanhã faz 9 meses que aquilo aconteceu.
TXONÉ – Então ela está sim de parir [quase a parir]. Pode parir a qualquer momento. E não vais lá… nem no dia de guarda-cabeça? Nem no dia de sete?
JOÃO DA CRUZ – Eu?!…
TXONÉ – E não lhe vais mandar servir? Não lhe vais mandar caldo e cueiro?
JOÃO DA CRUZ – Por mim… até servia-lhe. Mas ela de certeza não vai aceitar.
TXONÉ – E o leite… não lhe vais pedir para cortar?
JOÃO DA CRUZ – Não sei… mas acho que ela não me vai deixar.
TXONÉ – O Dário… vocês tem-se avistado?
JOÃO DA CRUZ – Não! Desde aquele dia… nunca mais o vi.
TXONÉ – Coitado do menino! Ele é que paga com as vossas manias. As brigas entre os pais refletem sempre na educação dos filhos.
JOÃO DA CRUZ – Ele deve ter ficado magoado comigo. Naquele dia dei-lhe espanto sem razão.
TXONÉ – Se reconheces o erro… deves arranjar forma de pedir-lhe desculpa.
JOÃO DA CRUZ – Não me importava. Mas não sei como. Acho que ele não fala comigo por que tem medo da mãe. Se ele falar comigo e a mãe souber, ela bate-lhe.
TXONÉ (agarra no seu copo) – Bom, mano; vamos secar o copo e pedimos mais um, porque eu tenho que ir. Vou ainda pôr o cabo na enxada, porque amanhã vou pagar uma monda em Chapéu-de-Sol, quero ir para a cama cedo.
JOÃO DA CRUZ – Eu também, amanhã é o meu dia de rega lá em Jaracunda.
Secam o copo e Txoné pede a Empregada para lhes servir mais uma rodada. Acabam de beber e saem.
CLXXII CENA
Helena está em trabalho de parto. Ela fica a passear dentro de casa, com as mãos à cintura, contorcendo a boca. O Dário vem a passar-se ao pé dela.
HELENA – Meu filho, vou a casa da mamã, tu vais chamar Nha Pinina para ir lá ver-me a barriga. Diz-lhe que estou a sentir como se a criança quer nascer. Vai rápido.
DÁRIO – Depois vou para vovó ou venho para a casa?
HELENA – Vais para vovó, vais lá ter comigo. Vais junto com Nha Pinina.
DÁRIO – Ok.
HELENA – Vai com Deus.
O Dário sai, a Helena arruma algumas coisinhas num saco de plástico e sai também.
CLXXIII CENA
Em casa da Simoa, a Helena continua cheio de dores. Continua a passear, com as mãos à cintura e a contorcer a boca. Entra Nha Pinina muito apressada.
PARTEIRA – Helena! Como te estás a sentir?
HELENA – Tenho muita dor, Nha Pinina!
PARTEIRA – Vamos para o quarto. (Segura-lhe num braço) Vai-te deitar.
HELENA – Muita dor, Nha Pinina! Dor demais!
PARTEIRA – Concentra-te. A dor já vai passar. (Chegam ao pé da cama) Senta-te devagarinho. (Segura-lhe os pés e coloca-os em cima da cama) Estende as pernas e deita-te de costas.
SIMOA – Coragem, Helena! (para Parteira) A criança já desceu para o nascedouro?
PARTEIRA – Ainda não. Ela está com a barriga um pouco torta e, assim, dificulta que o bebé desça para o nascedouro facilmente.
Helena vai gemendo.
SIMOA – E agora?!
PARTEIRA – Vou endireitá-la a barriga com o azeite de purga quente. Vou ver se a criança desça mais um pouco. Também ela tem o encontro muito estreito. E não ajuda.
HELENA – Ah, mamã! Estou com muita dor! Dói-me muito a barriga!
SIMOA – Coragem, filha. Tudo vai dar certo. Fé em Deus. A tua dor vai passar.
HELENA – Dói demais, mamã. Ui! Ah, Nha Pinina, não aguento! (Fica molhada de suor, enquanto a Parteira tenta endireitá-la a barriga) Ui! Ui! Ui! Vou morrer, Nha Pinina. Eu vou morrer. Vou morrer. Ai! Ui! Ui! Ui! Ah, mamã, não aguento com esta dor!
Simoa tenta ser forte, mas não consegue resistir perante os lamentos da filha, chora.
PARTEIRA (quase desesperada) – Faz força, minha querida! Mais força! Já está quase. Coragem, Deus é pai. Ele te irá ajudar!
SIMOA – Força minha filha… força. Conforme Nha Pinina disse, Deus é pai.
Helena tenta colaborar e espreme com muita força.
PARTEIRA – Isso mesmo. Mais um bocadinho! Mais um bocadinho ainda! Mais força! Faz mais um bocadinho de força! Vá, impa-te! Mais! Mais um bocadinho! Mais! Mais! Está quase. Sê forte, minha querida.
HELENA – Ui, Nha Pinina! Ui, mamã! Ui! Estou a sentir como se a criança me está a rolar no estômago! Ui… ui… estou a sentir falta de ar! Não consigo respirar. Ui! Ui! Ui! Vou morrer, mamã! Vou morrer! Não aguento… não vou aguentar! Vou morrer… vou morrer. Ah, meu Deus, vou morrer… vou morrer…
PARTEIRA – Não vais morrer não, querida. Não vais morrer porque Deus não há-de deixar. Coragem. Deus é grande. Faça força para eu ver se te endireito mais um bocadinho ainda a barriga.
HELENA – Ui! Ui! Tenho sede… quero água! Dêem-me água por favor! Dêem-me água… não me deixem morrer com sede.
PARTEIRA (para Simoa) – Vai rápido buscar uma caneca de água.
SIMOA (sai do quarto e entra na sala. Dário está sozinho a brincar) – Oh Dário, vai chamar o Tute para vir cá rápido.
DÁRIO – Ele está onde, vovó?
SIMOA – Procura-o na taberna de Aureliano, se não o encontrares, vai procurá-lo no curral. Pode ser que tenha ido mudar as cabras.
PARTEIRA – Traz a água rápido, Simoa! (Simoa apressa-se, vai apanhar uma caneca de água num pote que se encontra na sala e volta para o quarto) Dá aqui depressa.
Nha Pinina leva a caneca para a boca da Helena que bebe com muita vontade.
HELENA – Já estou mais descansada! Mais aliviada! Oh, meu Deus!
PARTEIRA (para Simoa) – Ela está com o parto muito frio. Está muito lento.
SIMOA – E agora?! O que é preciso fazer?
PARTEIRA – Arranja-me um ovo. Ela tem que beber ovo cru.
O Tute entra nesse momento.
SIMOA – Tute, vai à capoeira e vê se a galinha já pôs ovo.
Tute sai e volta pouco depois com 3 ovos e dá-os à Parteira.
PARTEIRA (para Helena) – Abre a boca, Helena. Abre a boca e engole o ovo cru. (parte-lhe o ovo na boca e ela faz ânsia de vómito) Isso mesmo! Impa-te! Faz força! Mais força!
HELENA – Ui! Ui, mamã! Ui! Ui! Dário! Oh Dário! Chamem o Dário! Chamem o meu filho! Quero ver o meu filho! Quero ver o Dário!
PARTEIRA (para Simoa) – Manda vir um fogareiro, rápido. Temos que fazer braseiro para ver se lhe aquecemos o parto. Manda vir o fogareiro rápido!
SIMOA – Vai lá trazer o fogareiro depressa, Tute.
Tute sai apressado e entra pouco depois com o fogareiro.
HELENA – Obrigada, papá! Obrigada. Obrigada. Quero ver o meu filho! Quero abraçar o meu menino. Deixem o Dário! Deixem-no! Deixem que ele me venha abraçar, por favor.
SIMOA (sai à porta e chama) – Dário anda responder a tua mãe.
HELENA (desesperada) – Chamem o Sr. Padre… chamem o Sr. Padre para me vir confessar. Quero confessar-me… quero confessar-me… não quero morrer sem me confessar! Ui! Ui! Ui, meu Deus. (Simoa leva o Dário ao pé da cama) Obrigada, mamã. Muito obrigada, mamã. Ah, meu filho! Ah, Dário! Anda abraçar a tua mãe! Chega-te ao pé de mim e deixa-me despedir de ti. (O Padre entra) Ah, senhor Padre… ainda bem que chegou. Tenho um pecado que lhe quero confessar. Deus o mandou em boa hora. Pois não quero levar esse pecado para o outro mundo comigo!
PADRE (atrapalhado) – Saiam todos e deixem-me sozinho com ela.
PARTEIRA (pega no Dário que está abraçado à mãe) – Vamos, Dário. Dá um abraço a mamã e vem comigo.
HELENA – Deus lhe pague, Nha Pinina! (Dário dá-lhe um comovente abraço) Já não tenho dores… já não sinto mais dores… já abracei o meu filho… já não sinto mais dores… nenhuma dor já tenho mais.
PARTEIRA – Vamos, Dário. Depois vens abraçar a mamã outra vez.
HELENA – Dário! Meu filho, Deus te acompanhe… te dê sorte neste mundo. (Tenta apertá-lo com força) Já não tenho forças! Faltam-me forças para te abraçar. Sinto que me faltam forças para me despedir de ti, meu filho! O meu corpo esvai e a minha alma já dela se distancia… se afugenta. Papá… minha mãe… todos vocês que estão aqui, tomem conta do meu filho… zelem pelo meu menino. Não me cansarei de pedir… de perto… a Deus que o proteja! Que o faça um homem feliiiiiz… (Enquanto Nha Pinina, Tute, Simoa e Dário vão para a sala Helena acena devagarzinho e diz mansinha) Meu meniiiino… meu Dariozinho! Sê feliz neste mundo!
O Padre fica sozinho com ela. Na sala, todos rezam pela sua salvação. Algumas visitas vão chegando. De repente, ouve-se o choro de uma criança recém-nascida vindo do quarto, ao mesmo tempo que o Padre, muito aflito, abre a porta.
PADRE – A parteira que venha cá urgente. A criança acabou de nascer.
A Parteira entra imediatamente, acompanhada da Simoa e outras mulheres. O Padre vai para a sala rezar juntamente com o Tute e outras pessoas que acabaram de chegar. Depois de cortar o cordão umbilical e de limpar a criança, a Parteira leva-a a beijar a mãe e, de seguida, coloca-a sobre a cama ao lado da Helena.
HELENA – Obrigada, Nha Pinina! Muito obrigada!
PARTEIRA – A criança nasceu bem. É uma menina.
SIMOA – Tão linda!… Tão linda é a minha neta!
HELENA (muito debilitada) – Rosalina… Rosalina será o nome da minha menina…
Ela descai a cabeça para o lado do travesseiro, Nha Pinina apalpa-lhe o pulso e o batimento cardíaco. Olha depois para as pessoas que estão aí presentes, abana a cabeça e, aos soluços fecha-lhe as pálpebras definitivamente.
PARTEIRA – Infelizmente, Helena já não está mais entre nós. Nosso Senhor serviu-se dela.
Simoa dá um estrondoso berro, o pessoal todo invade o quarto e, numa balbúrdia tremenda, choram desconsoladamente.
CLXXIV CENA
João da Cruz recebe visita em sua casa. Todos sentados na rua, chega o Fonseca, neto da Simoa, com o Dário segurado numa mão. Ele estende primeiro a mão ao João da Cruz e depois aos restantes. Dário pede bênção ao pai e aos restantes.
DÁRIO – Dá-me bênção, papá.
JOÃO DA CRUZ – Deus te livre de todos os perigos. (Para Fonseca) A Simoa, como é que está?
FONSECA – Vovó mandou-me trazer o Dário para ficar contigo. Ela mandou-te dizer que a bebé morreu e que ela já fez o enterro.
JOÃO DA CRUZ (um pouco frio) – Quando é que ela morreu? (Fonseca sai sem responder) FONSECA!… FONSECA!… (Fonseca continua sem responder, João da Cruz fica desorientado. Os presentes dirigem-se a ele, abraçam e reconfortam-no. Depois, vão-se despedindo. A Berta, uma senhora viúva, fica sozinha com o João da Cruz, sentada com a mão no queixo. De vez em quando limpa lágrima com a ponta do xaile. Dário senta-se num banco, triste, com as mãos entre as pernas. A Berta levanta-se.
BERTA – Anda cá, João da Cruz. (João da Cruz levanta e sai à rua atrás dela. Sentam-se lado a lado num banco que ali se encontra) Como é que estás a pensar criar este anjinho de Cristo?
JOÃO DA CRUZ – Não sei, Berta. Pelos vistos, a Simoa não quer ficar com ele!
BERTA – Não me leves a mal, mas digo-te, desde já, que não é nada fácil.
JOÃO DA CRUZ – Acredito.
BERTA – Sobretudo quando é o homem que fica para tomar conta do filho. Eu sou mulher, mas quando o meu marido morreu e deixou-me com a Isa pequenina… sei o que passei!
JOÃO DA CRUZ – É verdade! O pai da Isa é falecido!
BERTA – Pai da Isa e meu único pai de filho! O único homem que tive na vida.
JOÃO DA CRUZ – Deus me há-de dar uma mulher que me ajude a criá-lo. Aliás, a criá-los. Tenho mais um filho que a mãe mo entregou desde quando tinha 6 meses de idade.
BERTA – Credo! Mas que mãe é essa?
JOÃO DA CRUZ – Deixou-me com a criança e foi campear. Andava cada dia com um homem.
BERTA – Desgraçada!
JOÃO DA CRUZ – Morreu há um ano e tal com doença-mundo [doenças venéreas].
BERTA – Bem-feita! (Para um pouco) Agora… por favor não arranje dessas rapariguinhas, principalmente daquelas que não têm filho, para não virem maltratar o coitado do menino órfão de mãe!
JOÃO DA CRUZ – Isto vai depender muito da sorte, Berta. Como é que saberei se uma mulher é boa ou má?
BERTA – Escolhe com cautela! Não feches os olhos e cair em qualquer uma. Sabes por que é que até ainda eu não arranjei nenhum outro homem?
JOÃO DA CRUZ – Pois… tu ainda és nova!
BERTA – Sou nova, sim senhor! Por isso mesmo que não vou sair por aí, vendo qualquer circuncisado e estar-me a arregaçar a saia!
JOÃO DA CRUZ (ri) – De facto!
BERTA – Agora, se tu quiseres, como já és viúvo, eu também sou viúva, podemo-nos juntar e criar os nossos meninos. Tu tens um órfão, eu tenho uma órfã…
JOÃO DA CRUZ – Não te importes?
BERTA – Tu é que sabes.
JOÃO DA CRUZ – Lembra-te que te disse à instantes, que tenho mais um filho!
BERTA – E depois? Se não te importes, podes levá-los e vão lá a casa morar comigo.
JOÃO DA CRUZ – Ok.
BERTA – Como é que o outro se chama?
JOÃO DA CRUZ – Nande. Fernando Gil.
BERTA – Nome bonito! Qual deles é o mais novo?
JOÃO DA CRUZ – O Dário é mais velho. Ele tem 6 anos e o Nande tem 2.
BERTA – O Nande está onde?
JOÃO DA CRUZ – Como estava atrapalhado com a morte da Helena, pedi ao meu irmão Txoné que o levasse para ficar com a mulher dele. Amanhã vou buscá-lo.
BERTA – Então posso já levar o Dário?
JOÃO DA CRUZ – Podes levar o Dário, eu passo mais logo e falamos. Levanto hoje a esteira, já ninguém me vem visitar antes da missa do mês!
Voltam para dentro, Berta limpa o nariz ao Dário com a ponta do xaile.
BERTA – Querido, levanta-te e vai comigo para a minha casa. O papá vai lá depois ter connosco.
JOÃO DA CRUZ – Vai com ela, Dário. Eu vou ter convosco mais logo.
Dário desce do banco, Berta abraça-o e saem.
Nota do autor.
Caros leitores do Stribilin,
Para aqueles que vem seguindo o Stribilin desde o início, quero deixar aqui esta NOTA: Na parte 34ª estava explícito em como a Helena era órfã de mãe e pai. Pois, havia herdada uma casa dos pais. Já, nesta parte 39ª, depara-se que os pais se assistem ao seu trabalho de parto e, consequentemente, ao seu falecimento. Por isso, retifico a parte 34ª. Onde a Helena diz: «A casa é minha, Sr. Juiz. Quando me juntei com ele, eu já tinha a minha casa que herdei dos meus pais»; Deve ficar: «A casa é minha, Sr. Juiz. Quando me juntei com ele, eu já tinha a minha casa que os meus pais me fizeram». Muito obrigado!
Armindo Tavares
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