I ATO
I CENA
Edite e Emília estão sentadas na sala. A Edite trata das suas unhas e Emília lê uma revista ou um livro qualquer, enquanto vão falando. Ouve-se, primeiro, uma boa parte da música original (instrumental) «Perdão, Emília».
EDITE – Nada absolutamente me convence que essa relação entre ti e o filho do sapateiro não é mais do que mero passatempo.
EMÍLIA – Não crê que a verdade seja essa, mamã. Mamadú ama-me… ou melhor, nós amamo-nos.
EDITE – Que nome triste! Vocês não se amam. Tu és leviana e ele está-se a aproveitar.
EMÍLIA – Mãe, eu sei o quanto o amo, e sinto até que ponto ele me ama.
EDITE – Leviandade injustificável. Tolice de um coração ingénuo que mal acaba de fazer 18 anos.
EMÍLIA – Ainda bem que disse que acabei de fazer 18 anos.
EDITE – E daí? «18 anos» tem uma porta para tu entrares? Tem um teto para te proteger do sol e evitar que te encharques quando chove?
EMÍLIA – São precisos? Por acaso, já não me quer amparar debaixo do seu teto?
EDITE – Já te disse e volto a repetir: se é apenas um mero passatempo – o que rezo e peço a Deus para que assim seja – então, já é altura de colocar um ponto final nesta novela de indecência.
EMÍLIA – Penso que será inútil o que está a tentar fazer, mamã. Sinto dentro do meu peito, algo tão especial, que já, não há força humana capaz de me separar daquele coração tão cheio de douradas esperanças.
EDITE – Douradas esperanças?! Achas que é isso? Para terminar em amargas desgraças? É o que tu queres?
EMÍLIA Não, minha mãe. Espere para ver. O tempo encarregará de me julgar.
EDITE (vai ter com a Emília e fala-lhe calmamente) – Mas minha querida, eu sou a tua mãe. Quero o teu bem. Esse moço não é teu colega. O pai dele é um simples sapateiro. Come dos pés, daquilo que ganha com os sapatos que engraxa.
EMÍLIA – Mais uma vez, mamã: e daí?
EDITE (furiosa) – E daí?! E daí?! Já não te lembras quem era o teu pai? (Emília faz um sorriso desprezível) Podes rir e fazer chacota… o teu pai, não basta ter sido um homem branco e civilizado, era o Regedor da aldeia. (Vai sentar-se e cruza as pernas) Já viste a diferença?
EMÍLIA – Ainda não. E penso que nunca conseguirei ver, porque eu só vejo com os olhos da razão.
EDITE – O que é que tu queres dizer com isto?
EMÍLIA – Com os olhos da razão só se vê a verdade.
EDITE – Menina! Emília! Ultrapassaste todas as medidas. Todos os limites do razoável. Sobes no estribo e chamas-me de mentirosa?
EMÍLIA (dirige-se para ela com calma) – Mamã, eu nunca lhe faltei ao respeito, pelo menos que eu me lembre.
EDITE – E agora queres desforrar-te. Queres dar-me de uma só vez, 18 anos de falta respeito. de amargura. Não é isso? (Emília soluça e Edite comove-se) Minha filha, as tuas lágrimas são a mais clara prova do teu amor para com esse moço; foste demasiadamente precipitada, mas o mal ainda se pode remediar. Devias saber que Mama… (faz careta) esse nome horrível.
EMÍLIA – Mamadú Fodé Coné.
Senta-se de novo.
EDITE (faz careta novamente) – Que nojo! Três indecentes vocabulários.
EMÍLIA – Um nome e dois apelidos. Filho de um homem e de uma mulher, criado por Deus à sua imagem e semelhança.
EDITE – Olha que Deus te castiga, minha filha, por essas blasfémias saindo do teu coração. Ele ainda há-de fazer um inferno só para ti e, bem grande para caberem os teus pecados. Imaginas um Deus escuro assim?!
EMÍLIA – Costumo ouvir dizer que Deus não tem cor, não tem pátria, que está em toda a parte.
EDITE – Pois é. E bem dito. Quem foi que o disse não é nenhum parvo não. Mas, achas que seria um preto, com essa capacidade de se metamorfosear e estar aqui e ali? (Uma breve pausa) E por além de ser preto, Mamacú…
EMÍLIA – Mamadú!
EDITE – … não é nenhum moço de "high society”, como muitos que por aí há. Tu não sabes o que é que andam por aí a dizer.
EMÍLIA – Mamã, a senhora dá ouvidos às pessoas de rua, acredita na má-língua, faz tudo para satisfazer-lhes os caprichos e, não entende a sua filha?
EDITE (mais calma) – Mas minha filha, a sentença do povo é de se livrar. Bocas que comem sal são bocas peçonhentas. E, de mais a mais, o que as pessoas andam a dizer é uma verdade válida. Nós pertencemos a uma família de elite. Gente branca, conceituada na “society”. Apelido “Seberino Melancia". Gente Cristã, Católica, Apostólica, Romana, e… (novamente revoltada) não Mamadú Fodé Coné. Malcriados, mas é o que eles são.
EMÍLIA – Mamã, você deve respeitar a cultura dos outros. O que para nós pode significar indecência, para eles, talvez é uma santidade. Você não sabe se "Edite" não é um palavrão na tradição deles!
EDITE (levanta-se novamente enfurecida) – Tira a boca do meu nome. O meu nome é americano. Era até para ser escrito com “th” no fim: “Edith”. Mas, aqueles burros do Registo Civil, nem escrever sabem, escreveram o meu nome com o “e” no fim. (Emília acha piada e disparatada o discernimento da mãe, dá uma graça levezinha) Imagina se virão a ter um filh… (baixa a cara, cospe no chão e bate na madeira) um pretinho, cabelo cuscuz, beiços grossos, olhos vermelhos. Já estão a dizer que tu vais tornar a nossa raça numa mistura “White with Black…” café com leite.
EMÍLIA – Café com leite, diz-se "White coffe” e não “White with Black”. “White with Black” quer dizer branco com preto.
EDITE – Estás a ver a tua confiadesa! Ensinar-me a falar… inglês! Corrigir-me?! E finges que não entendes o que eu quero dizer. Tens razão: pus-te na escola para vires dar-me aula. Não sentirias repugnância ao mudar o cueiro a um pretinho e dar-lhe o direito ao nosso nome?
EMÍLIA – Orgulhar-me-ia se o filho trouxesse essas genuínas características do pai, acompanhadas também, das virtudes que lhe são peculiares. Mamadú não é rico, os pais dele não o são, mas ele e a família dele são pessoas mais honestas e sinceras destes arredores. Podem falar o que quiserem, que eu não me importo.
EDITE – Pois. Já ferveste a cara e vendeste vergonha. Mas Emília, não achas uma humilhação, pegar na nossa família lá em cima e misturar com esta gentalha, que só nasceram para não ficarem na barriga? Porque é que não procuras um rapaz branco, que preserve a nossa estirpe?
EMÍLIA – Minha mãe, uma pessoa pode ser culpada por tudo quanto acontece no mundo, mas nunca por ter nascido como nasceu. Isto de ser preto ou branco, azul ou cor-de-rosa, não passa de um simples contra-senso humano. Se um dia vir a ter um filho, para mim, o mais importante é esse filho. As outras coisas serão todas secundárias. Seja preto ou branco, bonito ou feio, a mim não me preocupa.
EDITE (irritada e com maldade) – Bate na madeira, cospe no chão, esconjura. Emília, o que é que tu achas que fizeste de tão mal no mundo, excepto o de teres-te apaixonado por esse canalha, para desejares a ti e a toda a tua família um castigo desses? Oh meu Deus… (vai-se sentar) a minha filha quer desvirtuar a nossa linhagem. Quer acabar com “Seberino Melancia”.
EMÍLIA (dirige-se à ela) – Mãe…
EDITE (furiosa) – Cala a boca. Eu já não te quero ouvir. Devia ter-te deixado morrer durante o parto. Ah, se a gente adivinhasse! (Calam-se e a Edite fica a pensar) “O meu neto, também neto de um sapateiro! Bisneto de um coveiro de cemitério! Gente gentio!” (Volta com mansidão) Minha filha, como em tão pouco tempo pudesses ganhar-lhe uma tal afeição?! Será que ele te botou algum feitiço? É muito bem capaz. É a única coisa que os pretos sabem fazer. Mas, eu vou a missa, confesso e comungo. (Pára e medita) Mas… então… porquê?! (Pára e pensa mais um pouco) Emília, estamos ainda em tempo de tudo remediar; eu bem te disse o que se tem dito por aí, e portanto é necessário que termines tais relações e que nunca mais tornes a falar a esse Fodé… até sinto receio se uma letra indesejada venha a seguir. (Emília ouve os pedidos de sua mãe com os olhos inundados de lágrimas. Edite, comovida, afaga-lhe o rosto, e, continua em tom suplicante) Vamos, Emília, sê forte; o teu amor está ainda em princípio, e por isso melhor se poderá atalhar; crê que o Fodé nunca casaria contigo se não fosses a filha de quem és. Ele apenas quer o nosso dinheiro, o nosso nome, a nossa ambiência.
EMÍLIA – Farei tudo quanto puder para não desgostar a minha mãe.
EDITE (abraça-a com ternura) – Deus te oiça, minha querida. Ele há-de te dar forças suficientes para cumprires esta promessa e dissuadir-te dessa paixão.
II CENA
Dentro de uma casa modesta, Mamadú e o seu pai Amadú vão conversando.
AMADÚ (enquanto engraxa um sapato) – Vem cá, maroto.
MAMADÚ (aproxima-se do pai) – Sim.
AMADÚ – Diz-me como é que vai o teu romance com a Emília?
MAMADÚ – Não lhe sei dizer, meu pai.
MAMADÚ – Como assim?
AMADÚ – Há muita mixórdia no nosso meio.
AMADÚ – É verdade. Agora só se fala disso aqui.
MAMADÚ – Só por malvadez.
AMADÚ – Todos dizem que os teus fins para com ela não são nada bons.
MAMADÚ – É uma falsidade, meu pai.
AMADÚ – Eu sei. Essas pessoas são odiosas, ordinárias e, onde deveriam ter um coração, têm um fardo de trapos.
MAMADÚ – Mas, de todo, o problema não são as pessoas. O verdadeiro problema, o complexo pesadelo é a Edite… a mãe dela. O que as pessoas dizem ou desdizem, eu me engulo.
AMADÚ – E o que é que a Edite anda a dizer?
MAMADÚ – Coisas horríveis, meu pai. Todos os dias ela bate na rapariga para esquecer de um preto gentio, raça miserável, filho de sapateiro e neto de um coveiro do cemitério.
AMADÚ (muito revoltado) – Quase que a Edite pensa que eu não a conheço! Meu Deus! Não vou ofendê-la só por causa da rapariga que é uma santa pessoa. Mas fique sabendo, meu filho, que quando ela se casou, com 15 anos de idade, – tiveram que lhe comprar a idade para poder se casar – no dia seguinte ao casamento, toda a gente eufórica à espera que ela desse pano, para a continuação da festa, o marido dela, um coitado – era português, mas era um bom homem – arrepanhou uma perna das calças e lançou o foguete. Tu sabes porquê?
MAMADÚ – Edite não estava nova?!
AMADÚ – Ah! Felizmente não és sorna. Nova ela era… da idade; mas estava mais velha do que a Germina que te pariu.
MAMADÚ – Santa Bárbara generosa!
AMADÚ – Ela tem a cor clara, mas não é branca. Ela é da ilha da Brava. Tem a mania de ser importante. Veio para Porto Nhu Santiago ainda criança para resgatar a vida. Trouxe uma mão à frente outra à trás, cabelo cheio de piolhos e de lêndeas. Depois de ter sarabandeado por todos os canteiros de Jaracunda e de Lagoa Gil, conheceu o coitado do português, uma excelente alma, que casou com ela. O homem não era capaz de fazer mal a uma mosca. Mas trocavam de empregadas duas vezes por semana. O coitado acabou por morrer novo, de coração, porque não aguentou. Ela já se esqueceu de tudo? Mas nós ainda não esquecemos. Pobre da Emília. Deus devia ter-lhe poupado o pai e chamado a mãe. Contudo, meu rapaz, juízo é que te recomendo, e vai com Deus; tu já não és nenhuma criança, para que não saibas o que fazes. Não desistas da rapariga. Ela te merece.
MAMADÚ – Perdoe-me, meu pai, mas não acho bonito amar uma rapariga sem ter para isso o consentimento pleno da família. São coisas que se não devem fazer.
AMADÚ – Mamadú, conforme dizia o brasileiro Ariano Suassuna, «já fui menino, sou homem, só me falta ser mulher». (Riem-se) Acho que deves ter compaixão da rapariga. Ela é bem capaz de aguentar e resistir ao abandono da mãe e do resto da família, mas não sei se é suficientemente forte para aguentar se tu a abandonares.
MAMADÚ – Pai, é o destino que assim o quer. Acho que não serei feliz com a Emília porfiando com o destino.
AMADÚ – Consideras destino o capricho desvairado da mãe dela? Da Edite?
MAMADÚ – A miúda leva porrada todos os dias por minha causa, pai. Ontem à tarde, não sei quem é que foi dizer a Edite que estávamos parados na empena da casa de José Monteiro, de repente, a Edite surgiu e começou a esbofeteá-la e a agredir-me. Rasgou-me a camisa toda.
AMADÚ – Mas é assim que as coisas costumam começar, rapaz. Não te amedrontes. A Edite há-de perceber que ela não é dona do coração de ninguém. Já deve ter havido tempo de que nem do coração dela, ela era dona. (Pára e olha para Mamadú enquanto medita) “Imagino o sofrimento da Emília! A juventude é o nosso carrasco e nós somos os escravos dos nossos corações”.
MAMADÚ – Não sei pai… se eu conseguir o visto, vou para a Holanda, assim já, tento esquecer-me dela.
AMADÚ – Que injustiça! Que cobardia, meu filho. Olha que a rapariga é bem capaz de cometer uma loucura, porque, pelo amor que te dedica, percebe-se que está a sofrer, e que a existência dela neste momento, depende do sacrifício que lhe devotares.
MAMADÚ – Pai, o nosso relacionamento não pode ter bom fim. Ela é filha de gente branca… convive só com gentes de high society conforme a Edite disse. Isto ainda não é suficiente para eu me prevenir?
AMADÚ – Coitadinha da rapariga! Já reparei que ela está sozinha nesta peleja. Apenas com a companhia da sua solidão que a perturba. Mamadú, as tuas congeminações, devia ser a rapariga a fazê-las. Eu concordaria contigo apenas numa condição: se tu não gostavas dela… ah, isso sim. Mas, pode até ser que ela não gostasse de ti, mas tu como homem e cavalheiro – espero bem que o sejas – é teu dever conquistá-la, convencê-la e vencê-la.
MAMADÚ – O pai pode ter razão. Mas a Edite!… ela chama-me preto, mandjaco, pobre… pobre não: pobre é favor. De miserável, pai. Essa é a sogra que eu mereço?
AMADÚ – A Edite pode não ser a sogra que tu mereces, mas a Emília é a noiva que precisas e tu és o noivo que ela deseja. E, quem sabe, se ainda a Edite não venha a virar o casaco?! O mundo tem tantas voltas! Pode ser que ainda venha providenciar o vosso enlace. Ela é paranóica.
MAMADÚ – Mas duvido muito, papá.
AMADÚ – Só peço a Deus que ampare aquela boa rapariga e a livre de todas as desgraças… que a Edite perceba a dor que a rapariga sente.
MAMADÚ – E o mundo está de uma forma que devemos sempre, julgar o pior. Têm-se por aí visto tantos exemplos… tantos casamentos forçados pelos pais, e celebrados por conveniências, que nem chegaram à soleira da porta.
AMADÚ – A Edite já se esqueceu que também era moça, e que a mocidade reclama. Emília é nova e solteira, e por isso está no seu direito de dar trela a quem ela quiser.
MAMADÚ – Bem pai, vou a Praia ver se já há resposta do meu pedido de visto.
Despede-se e sai.
III CENA
Mamadú sentado em cima de uma pedra, cabisbaixo, chega a Emília e põe-se de pé frente dele.
MAMADÚ – A tua mãe está em casa?
EMÍLIA (senta-se ao lado dele e abraça-o) – A tarde hoje é nossa. Ela agora anda enleada com um primo – conforme ela disse – que se conheceram há coisa de 15 dias. Não chega a casa antes das três da manhã. Já só briga comigo porqué alguém vai lhe contar que estive contigo.
MAMADÚ – Se são primos, porque é que só se conheceram há 15 dias?
EMÍLIA – O primo vive na América desde rapazinho. Sabes uma coisa, amor?
MAMADÚ (friamente) – O quê?
EMÍLIA – Esse primo da minha mãe tem um primo que também veio da América. (Sorri e olha para Mamadú que está indiferente) A minha mãe está a torcer para eu namorar com ele. (Mamadú continua indiferente) Mamadú, o que querem dizer essas tristezas? (Levanta-se, recua um pouco e cruza os braços) Responde-me. A caso minha presença perturba-te?
MAMADÚ – Emília… (limpa lágrimas) senta-te aqui. (Pega-a na mão e fá-la sentar-se de novo ao lado dele) Amo-te muito.
EMÍLIA – Não precisa dizer, porque eu sei, meu amor.
MAMADÚ – Mas Emília… é preciso separarmo-nos. Somos forçados a fazê-lo.
EMÍLIA (levanta-se outra vez, olha para ele e segura-o na mão) – O que é que tu disseste, Mamadú? És forçado a deixar-me?!
MAMADÚ – Sim, Emília. Nunca mais poderemos ver-nos.
EMÍLIA – E quem no-lo impede? (Divaga pelo palco) Oh, não, não! Parece-me que nem a morte poderá desunir-nos! Tanto que, como tu sabes, todos os dias levo porrada por causa de ti… (para Mamadú) mas diz-me: que motivo tão imperioso te força a separares-te de mim? É por causa do primo que te falei?
MAMADÚ – Eu te conto. (Emília senta-se) Como a Emília talvez não ignore, as nossas relações têm dado bastante que dizer. E bem visto, vê-se de facto, as inconveniências destas relações aos olhos do mundo, pela distância que nos separa um do outro e pela impossibilidade, talvez, de podermos ser um do outro.
EMÍLIA (ergue-se de um salto e coloca-se em frente dele, cruzando os braços) – Mamadú, estou admirada do teu procedimento! Dizias amar-me, juraste-me esse amor, e por fim escarneces dos sentimentos mais puros do meu coração?!
MAMADÚ (em lágrimas) – Perdão, Emília. Se calhar fui bastante precipitado; mas, olha o inferno que nos espreita: tua mãe, a minha sogra; os nossos filhos, netos dela; os nossos vizinhos, pessoas daqui. Quando se ama como eu te amo e se chega a essas conclusões, vemos a nossa felicidade a diluir-se, o nosso futuro cada vez mais distante, retemos assim, no coração o despeito que isso causa e dizemos quanto nos vem à cabeça; contudo, creio que essa é a decisão acertada. Porém, tu compreendes-me, não é assim?
EMÍLIA – Não! Não consigo compreender.
MAMADÚ – Bem, Emília, eu não queria que tu ficasses a sofrer. Por isso, era minha intenção deixar-te livre, para que toda a tua felicidade surja para a alegria da tua mãe.
EMÍLIA – Muito bem. Preferes a alegria da minha mãe em detrimento da minha felicidade. Muito bem! Não foste suficientemente capaz de dedicar a tua inteligência para fazer persuadir essas catervas de imbecis, que não deram tréguas na luta para nos separar. Mas, diz-me: é isto o que pretendes?
MAMADÚ É. (Emília fica pensativa por uns instantes, olhando para ele) – Percebeste ou não?
Tira o passaporte do bolso da camisa e dá-lho. Ela abre e vê o visto para a Holanda.
EMÍLIA – Percebi muito bem. Não pelo que me acabaste de proferir, nem por causa do visto para a Holanda que me exibiste. Percebi foi o tamanho da minha infelicidade. Mamadú, tu manchaste a minha vida honesta, e agora, zombas da fraqueza minha. Tens razão. Agora retiro-me. Adeus.
Ela retira-se e Mamadú fica a cogitar, chorando baixinho.
MAMADÚ (voz off) – Perdão, Emília,
Se roubei-te a honra,
Se fui impuro,
Cruel e ousado...
Perdão, Emília,
Mil vezes perdão
Perdão, Emília,
Pelo indesejado.
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