XII CENA
O ambiente é de festa. Whisky e acepipes diversos constituem a ementa. Moringo despeja, de um saco de plástico, notas em cima da mesa. Conta 500 contos e entrega a Droganesa.
MORINGO – Isto é o teu cachê. (Conta mais 3.000 contos e entrega a Lixívia) Estes são teus. 3.000 contos.
LIXÍVIA (Lixívia dá um beijo nas notas, levanta-se e vai guardá-las. Volta novamente) – Bom, pessoal, conforme se pode verificar, o expediente correu maravilhosamente.
DJONDJON – Espetacular.
LIXÍVIA – Agora… quero pôr-vos uma condição.
DROGANESA – Que condição?
LIXÍVIA – Ou paramos, ou ficarei a levar mais quilos.
MORINGO – Lixíiiiiivia!
LIXÍVIA – Está bom de arriscar por coisa pouca. Se por azar for apanhada, a minha liberdade custa mais do que três mil contos.
DJONDJON – E quantos é que queres passar a levar?
LIXÍVIA – No mínimo, 20 quilos. (Olha para a “carry on” que está num canto da sala) A minha carry on disse-me que a sua força não lhe permite carregar só 10 quilos.
MORINGO – E a tua carteira também acha que não deve guardar menos do que 6 mil contos?
Riem-se.
LIXÍVIA – Temos um voo amanhã para a Holanda. Se concordarem com os 20 quilos… tragam-me.
DROGANESA – Acho que não há problema, rapazes. Ela conhece bem o esquema. Já é veterana nisso!
DJONDJON – Também acho que não há problema. Se tiver que ser apanhada, mesmo levando um charro será apanhada.
LIXÍVIA – Ainda bem que sabes.
MORINGO – Ok. Então a Droganesa vem trazer-te 20 quilos hoje de madrugada.
LIXÍVIA – Dou-lhe uma chave. Ela não precisa de telefonar nem tocar à campainha para que eu lhe abra a porta. (Abre uma gaveta, tira um chaveiro com duas chaves) Toma. A mais pequena é da porta do prédio e a outra é do meu apartamento.
Continuam na paródia até se despedirem.
XIII CENA
No bar restaurante “O Poeta”, bebem umas cervejas e comem lagosta.
DROGANESA – Tens confiança neles?
LIXÍVIA – Plenamente. Conheço-os há muito tempo… sei que são homens de business.
DROGANESA – De onde é que disseste que eles eram?
LIXÍVIA – Um é português, outro é espanhol e o outro é francês.
DROGANESA – Se são homens de affairs… conforme disseste!…
LIXÍVIA – Conheço-os bem.
DROGANESA – E como é que fazemos?
LIXÍVIA – Depois de amanhã vamos a Bérgamo. Compra três passagens… (entrega-lhe fotocópias de três passaportes) nestes nomes.
DROGANESA – Onde é que eles estão?
LIXÍVIA – O francês está aqui na Praia. O que ele irá levar, posso entregar-lhe no aeroporto. O português e o espanhol estão no Sal, no hotel Atlântico. A eles tu é que os vais levar. Já estão avisados. Tu só vais entregar-lhes o material, os bilhetes de passagem e os telemóveis.
XIV CENA
Na sala de embarque do aeroporto internacional Amílcar Cabral, chega um subinspetor da polícia judiciária e dirige-se ao Português que está vestido com umas calças de ganga de um azul acinzentado, uma camisola azul-celeste com o número 29 estampado nas costas. Nos pés traz umas sapatilhas pretas como a maleta que carrega na mão.
SUBINSPETOR (mostra-lhe o crachá) – Polícia judiciária! Abra a mala, por favor!
PORTUGUÊS – Não tenho a chave do cadeado.
O Subinspetor vai revistar um outro passageiro. Chega o autocarro que leva os passageiros para o avião. O Espanhol e o Francês, entre outros passageiros, entram com as suas bagagens. O Português precipita-se também para o autocarro, retira a etiqueta da mala, mete-a no bolso e encolhe-se atrás de um banco. O autocarro começa a andar devagarzinho.
SUBINSPETOR – Pare o autocarro. (De arma em riste fala para o Português) Saia da viatura e traga a sua mala de mão.
PORTUGUÊS – Não tenho mala de mão. A minha está no avião.
SUBINSPETOR – Vá! Peguem todos nas vossas bagagens e voltem à sala de trânsito. (Saem todos os passageiros. O Português, o Espanhol e o Francês saem sem as suas malas. E três malas ficam abandonadas dentro do autocarro) Não trazem as vossas malas? (O telemóvel do Português toca) Entregue-me o telemóvel! (Toma e atende, ninguém fala e desliga. O Inspetor tenta identificar o número para retribuir a chamada, mas era chamada anonima) Quem era?
PORTUGUÊS – Não sei! O senhor não me deixou atender!
O Subinspetor retira as três malas do carro e revista-as. Na que está sem etiqueta ele encontra 18 pacotes de cocaína. Pesa-os e ao todo são 19 quilos, 598 gramas. Na mala do Espanhol estão 19 pacotes e pesam 21 quilos, 732 gramas; na do Francês estão 18 pacotes, 20 quilos e 421 gramas.
SUBINSPETOR – Sessenta e um quilos, setecentos e cinquenta e um gramas! (Respira fundo) Quem vos deu toda esta droga?
PORTUGUÊS – Encontrei a maleta no quarto de hotel.
SUBINSPETOR (Para o Espanhol) – E você, onde é que encontrou a sua?
ESPANHOL – Também não sei quem é que se esqueceu dela no meu quarto.
SUBINSPETOR – Quer dizer… que o senhor roubou a maleta no hotel?
ESPANHOL (precipitado) – Pois… não era minha!
SUBINSPETOR (para o Francês) – Você também encontrou a sua no quarto?
FRANCÊS – A minha… encontrei-a na rua, junto ao aeroporto da Praia.
SUBINSPETOR – Que coincidência?! Não sei se têm mais sorte do que toda a gente, ou se têm mais azares.
PORTUGUÊS – Deve ser alguém que nos odeia, que armou esta cilada para nos incriminar!
SUBINSPETOR – Tem razão. Também acho o mesmo. As criaturas são más.
Dá uma graça em tom de chacota.
XV CENA
Tira um telemóvel novo, põe um cartão novo e liga para o Moringo.
DROGANESA – Rapaz!… Houve bronca!
MORINGO [V. O.] – Ave-maria!
DROGANESA – Aqueles estrangeiros foram apanhados.
MORINGO [V. O.] – Não disseram de quem era o material?
DROGANESA – Não faço ideia. Mal soube da bronca fugi rápido e vim esconder-me no hotel Atlântico.
MORINGO [V. O.] – Tem calma… muita calma. Não te precipites ainda.
DROGANESA – O que é que eu devo fazer agora?!
MORINGO [V. O.] – Já contactaste algum advogado?
DROGANESA – Ainda não. Tu és a primeira pessoa a quem estou a comunicar.
MORINGO [V. O.] – Ok. Mas tens que sair do Sal o mais rápido possível.
DROGANESA – E vou para onde?
MORINGO [V. O.] – Espera que já te ligo. Dá-me um minuto para fazer um contacto.
O telemóvel desliga, Droganesa fica desorientada. Pouco depois volta a tocar.
DROGANESA (olha o número e atende rápido) – Moringo!
MORINGO [V. O.] – Apanha um táxi e vai ter com Naiss a Santa Maria. Já falei com ele. Vai agora mesmo. Não percas tempo…
DROGANESA – E onde o irei encontrar?
MORINGO [V. O.] – Ele está à tua espera num café… muito discreto. Vais encontrá-lo na rua à tua espera.
DROGANESA – Adeus.
O telemóvel da Droganesa volta a tocar. Ela vê o número, mas como não aparece o nome não atende.
XVI CENA
Em frente a um café.
DROGANESA (muito nervosa) – Moringo mandou-me vir ter contigo. Ele já deve ter-te contado o que se passou!
NAISS – Não! Só disse que vinhas ter comigo.
DROGANESA – Aqueles estrangeiros que iam levar material foram apanhados.
NAISS – Não me digas?! Onde?… Quando?… Como foi?
DROGANESA – Hoje… agora mesmo é que eu soube.
NAISS – Jesus Maria!… E levavam muita quantidade?
DROGANESA – Cerca de 60 quilos.
NAISS – Credo! Foram apanhados na Praia?!
DROGANESA – Aqui no Sal.
NAISS – E agora?!
DROGANESA – Moringo mandou-me sair do Sal o quanto antes…
NAISS – E para onde queres ir?
DROGANESA – Para Praia. Daí estudo para onde vou de seguida.
NAISS – Vais ficar, por enquanto, numa casa de férias de um amigo meu… um francês. Ele não está cá, mas há lá uma empregada e ela cuida de ti com comida e limpeza de casa. Vais lá ficar enquanto dou expediente num barco que te leve à Praia. Podíamos alugar um iate, mas pode levantar suspeitas.
DROGANESA – Temos que fazer as coisas o mais discretamente possível. A judiciária deve estar a controlar todos os portos e aeroportos
NAISS – Vou ver se vais num barco de pesca. Vais para o Tarrafal, onde não há muitos polícias na rua.
DROGANESA – Ah, meu Deus, tem dó de mim!
NAISS – Coragem. Vou embarcar-te em Pedra de Lume, depois apanho um avião e vou esperar por ti na baía do Tarrafal.
DROGANESA – O que estás a fazer por mim só Deus te poderá pagar.
NAISS – Do Tarrafal levo-te para Assomada e Djondjon cuidará de ti.
DROGANESA – Obrigada, Naiss.
XVII CENA
Casa do Djondjon em Assomada, num rés-do-chão.
DJONDJON (abre a pasta, tira um maço de notas e dá a Droganesa) – Isto é para o caso precisares. São 15.000 euros. Nha Carminda fica a fazer comida e limpa-te a casa como me faz a mim quando cá estou.
NAISS – Evita fazer chamadas por mais do que um dia do mesmo telemóvel. E não atendas a nenhum número privado ou de que não conheças a procedência.
DJONDJON – Ela não é parva para atender um número desconhecido!
NAISS – Os nossos piores inimigos são os polícias e os telemóveis. (O telemóvel da Droganesa toca) Olha primeiro quem é. Se não conheces não atendes.
DROGANESA – É o Moringo… de Portugal.
DJONDJON – Deixa-me falar com ele. (Toma o telemóvel) Alô! (Cai a ligação) Deve ser a linha que caiu. Ele deve estar num sítio sem rede.
DROGANESA – Talvez, como não fui eu que lhe respondi, ele tenha desligado.
NAISS – Como ele já sabe que houve bronca, pode ter pensado que foi a judiciária que lhe respondeu.
DROGANESA – Ligo-lhe eu. Ligo-lhe de um telemóvel novo.
Ela tenta três vezes mas ninguém atende.
NAISS – Para já ele não te atende. É de um número que não conhece, não arrisca.
DROGANESA – Pois é verdade. Vou mandar-lhe um SMS a pedir-lhe que me ligue.
DJONDJON – Se ele te ligar, deixa-me falar com ele.
DROGANESA (manda-lhe uma mensagem e ele liga) – Estás sem rede?
MORINGO [V. O.] – Não. Fui eu que desliguei. Não foste tu que me respondeste… e depois voltaram a ligar-me com um número estranho!…
DROGANESA – Era eu. Estou em Assomada. Djondjon e Naiss também estão cá.
MORINGO [V. O.] – Passa ao Djondjon.
DROGANESA (afasta o telemóvel do ouvido) – Fala com Moringo.
DJONDJON (toma o telemóvel) – Estou!
MORINGO [V. O.] – Como é que a situação está por aí?
DJONDJON – Estamos à espera para vermos. Mas a coisa está feia. A Droganesa está aqui escondida num lugar seguro. Já lhe dei 15.000€ para se ir desenrascando, e tenho uma senhora encarregue de tomar conta dela. Dá-lhe comida e limpa-lhe a casa, eu pago-a.
MORINGO [V. O.] – E os rapazes que foram apanhados, como é que estão?
DJONDJON – Foram para a Cadeia Civil.
MORINGO [V. O.] – Mas não falaram nada?
DJONDJON – Ainda não. Já mandei um advogado ir ter com eles.
MORINGO [V. O.] – Que advogado lhes arranjaste?
DJONDJON – O Dr. Funça. O irmão do nosso Primeiro.
MORINGO [V. O.] – Boa escolha. Ele é da nossa confiança.
DJONDJON – Ele disse que vai fazer de tudo para que eles não dizem os nossos nomes.
MORINGO [V. O.] – Ótimo. Passa à Droganesa.
DJONDJON (para Droganesa) – Fala com o Moringo.
DROGANESA – Sim!
O telemóvel de Djondjon toca, ele levanta-se e vai atender na rua.
MORINGO [V. O.] – Temos que engodar os rapazes para não abrirem a boca… para não dizerem quem lhes deu o material. Quando o advogado for ter com eles, dá-lhe algum dinheiro para lhes levar.
DROGANESA – Não há problema. Faço tudo o que for preciso.
MORINGO [V. O.] – Tens que arranjar forma de sair de Cabo Verde. Tenho um amigo que tem um iate, já falei com ele e ele disse-me que por 5 mil euros te deixaria em Dacar. Daí consegues entrar rapidamente na Europa.
DROGANESA – Manda-me o número dele por SMS.
MORINGO [V. O.] – Mando-to já. Adeus!
DROGANESA – Tchau! (Djondjon entra) Moringo vai enviar-me o número de um amigo que tem um iate e vou fugir para Dacar.
DJONDJON – Parece-me que já não é necessário.
DROGANESA (boquiaberta) – Já não é necessário, porquê?
DJONDJON – Foi o advogado que me telefonou.
NAISS – Os rapazes já saíram?
DJONDJON – Não. Os rapazes não saíram, mas não mencionaram o nome de ninguém. E o advogado disse que tem um amigo na judiciária que o informou de que nenhum telefone está ainda sob escuta.
DROGANESA – Não me digas?!
DJONDJON – Se queres embarcar podes fazê-lo sem estória de ires fugida.
DROGANESA – Deus graça!
Droganesa abraça Djondjon, agradecidamente.
DJONDJON – Mas é por enquanto. Ele disse que nesta fase do processo tudo pode acontecer.
XVIII CENA
No escritório do Dr. Funça.
DROGANESA – Até agora tens a certeza de que não estão atrás de mim?
DROGANESA – Quer dizer que ainda corro o risco de ser presa?
DROGANESA – Quais?
DROGANESA – Não me importava.
DROGANESA (tira da carteira duas fotos tipo passe) – Toma. E quanto é que ele cobra?
DROGANESA – Temos que dar-lhos já?
Droganesa preenche um cheque e entrega-o ao Dr. Funça. Arranca uma folha de uma agenda, escreve os dois nomes que afigurarão nos passaportes.
DROGANESA – Estes são os nomes que vão ficar nos passaportes. O cheque está passado ao portador, qualquer banco lhe paga.
DROGANESA – Porque não lhe pagas com cheque?
DROGANESA – Que mal tem se eu lhe passar um cheque?
DROGANESA – Pois, é verdade!
DROGANESA – Plenamente. Queres então que eu vá levantar, ou vais tu?
DROGANESA – Pois!
DROGANESA – A minha mãe!
DROGANESA – Ah! Ok.
DROGANESA – Não preciso de visto. O meu falecido marido era português original. Eu também tenho a nacionalidade.
DROGANESA – Vou para França e vejo se fico por lá. Se não der, experimento a Holanda. Se ali também não der, volto para Portugal.
DROGANESA – Quantos dias é que ele demora a dar-te os passaportes?
DROGANESA – E posso viajar com eles?
DROGANESA – Então deixa-me ir levantar o dinheiro. Depois passo pela agência e compro a passagem. Posso comprar para este fim-de-semana?
DROGANESA – Ok. (Vira-lhe às costas) Volto já.
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