Glotocídio: processo de marginalização de uma língua no seio de uma comunidade de falantes, em favor de outro(s) idioma(s), resultando no gradual desaparecimento dessa língua.
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Este é um daqueles textos que preferia não ter de escrever. Preferia. Preferia não o fazer (diria o escrivão Bartleby, notável criatura saída da pena de Herman Melville):
pela penetração sociológica do Germano Almeida, enquanto escritor popular; pela sua figura cívica, exemplar em tantos aspetos: ontem no enfrentamento dos desmandos dos poderes de turno, quer nas solenes vestes de melhores filhos da nossa terra ou, depois, travestidos conveniente e pressurosamente sob o guarda-chuva do pluralismo em democratas da hora; hoje na defesa intransigente e na denúncia, sem temor, da perseguição da justiça (sob a capa pouco diáfana, ainda que fartamente fantasiosa) ao cidadão-deputado Amadeu Oliveira.
Também pelo seu esclarecido e elevado sentido patriótico, com a enormíssima exceção na questão que ora nos traz à liça. E ainda pela estima pessoal que lhe tenho, tratando-o sempre por «meu mais grande», ele um gigantão de quase dois metros, eu um rokotó de apenas um metro e sessenta e oito. Contudo, não nos mediremos por esses palmos de canela, amizade ou importância sociológica, mas em função da razão (presumida ou fática) que me faz escrever este texto. Como sempre, não espero aplausos, porquanto estamos a defrontar a doxa mais profunda, e conheço bem a sua força inercial intemporal.
Se escrevo este texto, realço-o a começar, é pelo respeito que tenho pelo escritor Germano Almeida, porquanto, com relação a esta matéria, o desprezo intelectual e a repulsa civilizacional são tais em mim que nem um enfrentamento demolidor estou disposto a conceder aos nossos supremacistas e glotocidas linguísticos de ponta de praia, dos becos e esquinas da renúncia, da negação, menosprezo ou diluição identitária. Mas pode ser que um dia a preia-mar (nem é preciso um tsunami) resolva varrer esses naníssimos deuses de barro postados nos esconsos poiais do supremacismo glotocida. Um dia…
Muitas vezes, ouvindo as declarações sobre a língua cabo-verdiana, no mínimo pouco sensatas, do escritor Germano Almeida (bastas vezes amplificadas com o gáudio de uma revelação oracular, tanto lá fora como cá dentro, em função dos interesses do supremacismo linguístico), e embora incomodadíssimo, pensando em responder, acabei por não o fazer, sabendo do vigor agonístico que coloco em qualquer peleja, mormente nesta, que é hoje a questão mais candente, por fundacional, da nossa identidade enquanto povo e agregado político-civilizacional.
Mas tendo a consciência de que não havendo atualmente ninguém com igual relevância ou percurso literário dentro e fora de portas (os nossos supremacistas linguísticos caseiros, coitados, ninguém os conhece para lá da Ponta Temerosa, razão porque ainda não gastei, diretamente, nem um simples petardo de carnaval com nenhum deles), e pisando também outros palcos, com a suma vantagem de, além da obra em português (português que alguns supremacistas teriam que nascer milhentas de vezes para alcançar, sendo sobretudo isso que os encanita basto. Chamem-lhe arrogância, convencimento, intxadura ou o que quer que as suas toscas bocas e pobres penas lhes ditar), ter também obra em língua cabo-verdiana, sendo que, na mais assinalável (É ka Lobu ki Fase, ed. 2022, esgotada), quer pela extensão, quatrocentas páginas, quer pela técnica, versos rimados e metrificados, e usando certos processos da tragédia grega, o escritor Germano Almeida entra como personagem, com a alta sacanagem do autor a fazê-lo falar no crioulo do badio, coisa apenas capaz de acontecer em ficção. Em ficção apenas, senhores, anotem. Autor este que também é personagem no romance do Germano Almeida, O Último Mugido, onde ainda comparece Abraão Vicente, rebatizado pelo poeta de «korpu moli», de tanta pancadaria que lhe tem assestado, e com que cívico vigor, naquele lombo vicentino de farsola irredento.
Portanto, com este pano de fundo e, considerando a circunstância das declarações, por estarmos ali no Centro Cultural de Belém costas com costas, separados por uma simples parede, tinha que ser eu a responder, agora, ao escritor Germano Almeida.
Acresça-se a essa necessidade (não movida por qualquer intuito atrabiliário ou de desqualificação sem uma prévia e sólida argumentação), o facto, não despiciendo, de o autor destas linhas ter participado do júri que atribuiu o Prémio Camões ao escritor Germano Almeida. Claro que o mérito é inteiramente dele e da sua obra. Eu estava apenas no lugar na hora em que essa obra poderia ser reconhecida. Mas começou, modestamente, com a minha propositura do Professor José Luís Jobim, da Universidade Federal Fluminense, para presidente do júri. Dado que nesse ano, 2018, o júri se reunia em Portugal, seria a vez de o Brasil presidir. (Em 2017, no Rio de Janeiro, presidiu a Professora portuguesa Paula Mourão e o vencedor foi o português Manuel Alegre).
Porquê é que esta presidência tem importância na atribuição do prémio?
No ano anterior leváramos, eu e outro jurado africano, num concerto de última hora, já à entrada para a reunião, o nome do angolano José Eduardo Agualusa, no entendimento que, entre os escritores africanos com gabarito para o prémio, era ele quem melhor surfava as águas da lusofonia, com boa penetração no Brasil e em Portugal. Acontece que um dos elementos do júri, brasileiro (do comportamento da presidente do júri falarei noutra oportunidade) opôs-se a todos os critérios que elencáramos para a atribuição do prémio ao Agualusa, ou a outro autor africano, no caso de chegarmos a acordo sobre outro, desde que fosse africano. Isso abriu-me os olhos para a edição seguinte. Já não era verde nem tão-pouco virgem, e não seria comido por manobras pré-engendradas, para as quais o meu antigo editor, João Paulo Cotrim, me alertara.
Dado que o professor José Luís Jobim também nos acompanhara, inicialmente, na propositura do nome do Agualusa, assim, no ano seguinte, sabendo que o prémio pode depender muito da forma como o presidente conduz os trabalhos, tomei logo a palavra para propô-lo para presidir ao júri, pois, pela ordem natural das coisas, seria o outro elemento brasileiro, uma conceituadíssima catedrática da USP, mulher, e o elemento de mais idade, e que se opôs no ano anterior a todos os critérios para se atribuir o prémio a um escritor africano. Com a minha jogada de antecipação (ninguém iria cometer a indelicadeza de opor-se ao nome de outro catedrático), possibilitou-se, depois, estabelecer que, no sistema de rotatividade, nesse ano o prémio seria atribuído a um autor africano.
Como já disse, o escritor Germano Almeida deve o prémio ao exclusivo entendimento do júri do mérito da sua obra (nem poderia ser de outra forma, embora haja ainda, em Cabo Verde, equívocos acerca da dinâmica deste prémio), prémio que é dele e de mais ninguém, cabendo a este que agora escreve apenas a patriótica alegria de lá ter estado. E é essa mesma patriótica noção de um dever que me faz hoje contestar firmemente as circunstâncias e a substância das afirmações do escritor Germano Almeida, destoando, como sempre destoei e destoarei, dessa convivência hipócrita, que não é convivência nenhuma, mas apenas cobardia diante da necessidade e da premência do enfrentamento.
É por pugnar por uma camaradagem consciente e exigente que me lanço, hoje como ontem, ao mar da controvérsia, sem cálculos sobre vantagens, mas também sem temor de perdas, que são sempre o convite a um imobilismo imoral e à aceitação complacente, a um virar de rosto, ainda que nauseado, em tudo incompatível com o meu carácter, que alguns apodam de belicoso, mas que é apenas a simples exigência e necessidade de justiça e de dignidade na existência.
Gente que vive de cálculos e esquemas anda muitíssimo preocupada com as minhas opiniões, aconselhando-me a não me expor, pensando sobretudo nessa mirífica gamela que é o Prémio Camões, hoje sequestrado por uma Academia bastas vezes incapaz de ter ciência da criação mais profunda e audaz.
Eu seria um reles rabidanti e barganhista sem convicções, se as trocasse pela pequeníssima e sempre incerta glória de um dia vir a receber tal prémio. Houve uma altura em que se disse que as declarações do escritor Germano Almeida miravam o Prémio Camões. Não estou na cabeça dele para saber se isto corresponde à verdade, porém não lhe faço a ofensa de achar que sim. O que posso dizer é que o prémio não teve nadinha que ver com as opiniões ou declarações do escritor Germano Almeida acerca do que quer que seja.
Mas que declarações são essas que tomo hoje como pretexto, e que circunstâncias são essas tão específicas que me impelem a esta alargada resposta?
No dia 4 de maio, no Centro Cultural de Belém, onde decorria o festival literário Felicidade, enquadrado nas comemorações dos cinquenta anos da revolução do 25 de abril, enquanto eu dava uma masterclasse sobre as minhas traduções de Camões para a língua cabo-verdiana, na sala ao lado o escritor Germano Almeida dava também o seu show de patética (de pathos, feeling, esclareça-se) desconsideração pela língua cabo-verdiana. Podem parecer palavras duras, mas são exatas e ajustadas, se o que temos pela frente é uma tentativa de glotocídio, vindas de quem, como está escrito acima, reconhece o assinalável mérito sociológico às obras do escritor, aplaude a sua corajosa e vigorosa intervenção cívica contra o corporativismo judicial e da aparência de justiça no caso do cidadão e deputado da nação, Amadeu Oliveira, e teve (ainda que só um mísero dedo) influência no processo de atribuição do prémio Camões a este seu confrade, e tem com ele um descontraído e amistoso relacionamento.
As afirmações, que não escutei, mas me foram relatadas (tentei, por precaução, ter acesso ao áudio, sem ter conseguido) e que tomo por muito plausíveis, dado serem repetição doutras do mesmo teor feitas há alguns anos nos Estados Unidos, e variação doutras feitas em Lisboa (o locus dessas declarações é quase sempre Portugal, o que não deixa de ser curioso, ou não), também há alguns anos, e que quase provocaram uma sublevação nacional, logo amainada sob fartas rodadas de grogu fedi e miudezas de porco, mais conhecido por txuk, na linga dakel peís, como galhardamente os sanvicentinos se referem à sua querida ilha do Monte Cara e do Porto Grande.
Ao Germano Almeida, que optou, por pessoalíssimas razões, conscientes ou inconscientes, consistentes ou inconsistentes, por não falar a língua cabo-verdiana, em qualquer das suas variedades islenhas, sequer na descontração duma cavaqueira social ou na intimidade familiar, digo: quem escreve em língua cabo-verdiana, por ponderada e consciente decisão cultural e identitária, por ser esse o meio através do qual melhor se sente, cria ou se exprime, ou ainda por qualquer secreta ou inconfessável tara, mesmo que só por simples briu di korpu o kabesa ka bale, e não por refúgio ou como muleta, por não dominar convenientemente outra língua, já chegou exatamente onde queria chegar. É como se um escritor cazaque, mongol, checo, urdu, sueco, turco, norueguês, letão, estónio, berbere, catalão, basco, navajo, mapuche, araucano ou reche, devesse abdicar de escrever na sua língua porque, no esclarecido entender do escritor Germano Almeida, não o levará a lado nenhum.
É certo que a escolha do português como língua veicular e do quotidiano social, num ambiente cultural e humano em que ela não é língua natural, pressupõe, por si só, uma hierarquização consciente, por mais que fatores inconscientes influam em tal decisão. Não creio, porém, que o escritor Germano Almeida faça parte, de forma refletida ou pré-concebida, da tropa de supremacistas linguísticos ideológicos, cuja face mais visível é a regurgitação hebdomadária através do jornal Expresso das Ilhas.
Um desses neo-lusotropicalistas derrotados pela história, adjacentista por cálculo, macaronésio por manobra e complexo identitário, para disfarçar a negação da África ancestral (ainda que no nosso caso bastas vezes folclórica ou mítica, reconheço), no rescaldo da aberrante aprovação (?) da língua portuguesa como património imaterial de Cabo Verde, somado ao ainda mais impensável e achincalhante pedido de parecer por um órgão de soberania nacional ao Instituto Camões (entidade estrangeira e principal antena difusora do neocolonialismo linguístico em Cabo Verde. A outra é a escola Portuguesa) e cuja resposta foi um retumbante, mas esbofeteador silêncio, dizíamos, um desses janotas sem qualquer importância intelectual, e como é próprio das nulidades intelectuais, escreveu, sem citar a quem se referia (mimo que retribuímos agora) chamando «nacionalista serôdio» (será pela estreiteza do seu léxico?) a quem possui milhentas de vezes mais mundo, de vivê-lo e percorrê-lo fisicamente, sobretudo de imaginá-lo e de inventá-lo até ao infinito, na sublime forma de poesia, em língua cabo-verdiana e/ou portuguesa. Que outro neste rincão do meio do mar, que um outro trafulha irredento propôs-se recentemente dar uma nova configuração geográfica e antropológica? Que outro, perguntamos nós?
Também não acredito que o escritor Germano Almeida faça essas afirmações chocantes para evitar a improvável pasmaceira do seu vasto auditório, em todo o lado (ilumine-o e guarde-o sempre o altíssimo, esse que jamais dorme, sempre de olho pregado nesses torpes e perigosos alupecadores que, não podendo ser exterminados a DDT, levam com as potentes bombas planadoras do legionário Germano, do alto dos seus dois metros), onde ele nunca chegaria se escrevesse em língua cabo-verdiana – louve-se, de novo, tão desempoeirada clarividência – onde, certamente, não chegaram Tomas Tranströmer, escrevendo em sueco, Wisława Szymborska e Olga Tokarczuk, escrevendo em polaco, Orhan Pamuk, escrevendo em turco, ou Jon Fosse, escrevendo em norueguês, só para citar alguns casos de gente irredenta que teimou em escrever nas suas respetivas, periféricas línguas maternas nacionais e, por tal razão, não chegaram a nenhum lado. Bendita clarividência, mais uma vez, que nunca é demais o nosso louvor a quem assim vê. Proteja-a o olho catrapiscante, mas que nunca dorme, grande foco, inveja pa ba rabenta la pa agu tun-tun.
Como dizia, o escritor Germano Almeida não faz tais tonitruantes afirmações para evitar que o seu auditório adormeça, porquanto é ele possuidor de um sortido manancial de estórias engraçadas ou picantes, que mantém sempre o seu vivificante frescor, mesmo que contadas pela enésima vez, no mesmo tom, desde o início do mundo, ainda antes de Adão saber que a fruta era mesmo boa, e saliente-se que não era maçã nem laranja, como estamos todos fartos, não da fruta, da fruta não, mas de saber. Não, a questão é mais preocupante: é que ele, o escritor Germano Almeida, mirando sempre esse longe (que não é para todos, nem para todas as línguas), acredita nelas.
Não creio que o presente (e manifesto) desacordo possa ser tomado como uma disputatio entre duas razões com a mesma amplitude ou pregnância axiológica. Correndo o risco de cair no argumento ontológico (improdutivo para esta discussão, que é mais do âmbito duma praxis antropológica, duma política da identidade, se quisermos afastar o campo ainda mais do transcendente, do que duma ontologia identitária) ao tomarmos a língua como um a priori fundante, mais do que construto social e humano, podemos tentar driblar, de alguma forma, a armadilha ontológica saindo do campo filosófico para o da psicologia individual, cogitando que há no indivíduo Germano um recalcado que retorna na voz do escritor Almeida, e em que a sublimação ou catarse não se dá por via da purgação artística, como queria o velho Aristóteles, mas é cílio, desalmada e impiedosamente, no lombo indefeso da língua cabo-verdiana. Com pouca ou diminuta arte, diga-se. Podemos, assim, alvitrar que o silenciado original no indivíduo grita em modo supremacista (ainda que inconsciente) no escritor. Nem podemos falar aqui em esquizoglossia, porquanto a pulsão supremacista e glotocida se assume como totalidade, e não como duas potencialidades agónicas (energeia) em busca de atualização.
É, contudo, um extraordinário caso de vistas curtas (mesmo numa perspetiva utilitária e instrumental), para um escritor que vê tão longe, conseguindo até divisar por entre as brumas da lonjura (que kantianamente podemos converter em tempo, e assim coroando-o com a categoria temporal de futuro) que não chegaremos a lugar nenhum. Não conheço na literatura cabo-verdiana outro caso igual. Os grandes desta terra – Eugénio Tavares, Pedro Monteiro Cardoso, Baltasar Lopes, Arnaldo França, Gabriel Mariano, Corsino Fortes, Arménio Vieira, Kaoberdiano Dambará, entre outros – escreveram, cultivaram ou estudaram a língua cabo-verdiana e, mesmo aqueles que não fizeram nenhuma dessas coisas, não se levantaram em pregação ou se assanharam contra ela dentro de casa, na soleira da porta, muito menos no estrangeiro. A história não deixará de registar esta triste e inédita dissonância.
Não é para provocar um rebate de consciência ao escritor Germano Almeida, um homem de quase oitenta anos, ancorado nas suas fundas convicções linguísticas, que escrevo este texto. Que fique claríssimo: não é para o Germano Almeida que o escrevo. Se fosse por ele ou para ele, não me dava ao prazer. Escrevo-o para a história, certamente uma tola e desmesurada pretensão minha (o Germano Almeida é apenas a circunstância), para que outros vejam o mal que se pode provocar por simples inconsciência, trauma pessoal ou descabida hierarquização civilizacional daquilo que é apenas um necessário construto humano e social. Não é uma tentativa de lição a ninguém (que não a tenho para dar, e os meus pontos de vista podem ser tão falíveis como os dos outros), mas a expressão duma tristeza por essa anacrónica incompreensão. Seguiremos, porém, sendo amigo do Germano Almeida, um cidadão que noutros combates tem demonstrado notável lucidez e louvável engajamento. Seguiremos sendo, mesmo com essa brutal e irreparável tristeza, como uma pedra sobre o peito.
O que verdadeiramente entristece — é que o escritor Germano Almeida possui características para entender a bondade, a grandeza e a justeza dessa luta. Mas não só não vê, como se dedica a atos de bullying (linguístico) semelhantes àqueles que, presumivelmente, o indivíduo Germano Almeida terá sofrido (bullying que nós os badios de fora também sofríamos na cidade grande, os dos moirões na boka portu, os do Fogo, Brava e Maio na Praia e seus arrabaldes, e por aí afora. Ainda hoje o platosismo do ilustrado e enorme Arménio Vieira, meu mui estimado compagnon e poeta, fá-lo tratar o santiaguense do interior por «badio») e que, de certo modo, poderão estar na origem da estranhíssima automutilação identitária e no empenho num combate negativo que, voltamos a dizê-lo, muito nos entristece. Noutros até nos provocaria fúria; no escritor Germano Almeida apenas enche-nos de pasmo e tristeza. Mas é dos livros: os abusados ou violentados tendem a reproduzir o mesmo padrão de comportamento.
Cabo Verde tem dois prémios Camões. (Sobre outros putativos pretendentes e elencadores da vez que caberá a cada um, trataremos noutro escrito). Com a notável diferença, entre muitas outras, de que o primeiro deles, Arménio Vieira, nunca fez nem fará declarações públicas em desfavor da língua natural desta terra, neste torrão ou além-fronteiras. Seria abusivo e totalitário pedir ao escritor Germano Almeida que não se meta na questão da língua cabo-verdiana, que não fala (por decisão pessoal), que não escreve (daquilo que conhecemos), mas que presumimos que estuda (ou será mais um feeling?), para ter opiniões tão vincadas e definitivas sobre ela, sobretudo delimitando-lhe o alcance civilizacional.
Então, que subido júbilo é saber que um escritor quase entrado nos oitenta estuda bem a matéria sobre a qual fala, pois, de contrário, se for apenas um simples, ainda que aplaudido feeling, não passará de um caso de palpite futeboleiro. Este, sobre a língua cabo-verdiana, com largas consequências, por o escritor Germano Almeida ser uma das figuras mais conhecidas das nossas pátrias, ainda que cada vez mais desgraçadas letras. E se for este último caso, mais ganharíamos se o escritor Germano Almeida se dedicasse apenas à defesa intrépida do português, que neste nosso querido torrão ou terrinha está em verdadeiro estado de coma, e nem todas as forças conjugadas são demasiadas para tentar reanimá-la. Portanto, não o queremos a desperdiçar energia, que aos oitenta não deve ser assim tanta (nem eu que tenho cinquenta e tantos já a tenho) tentando colocar entraves a uma, quando a outra bem precisa de todas as suas energias positivas.
O Germano Almeida, como escritor sociologicamente relevante que é, tem especiais responsabilidades, querendo-as ou não. E sobre tal matéria deveria ser mais cuidadoso e menos voluntarista. Eu que venho convivendo com o Germano Almeida há vinte anos, não duvido da sua profunda cabo-verdianidade, ainda que dolorosamente amputada, é certo, num dos seus fatores naturais mais pregnantes e reconhecíveis: a vivência através da língua que lhe é conatural, porquanto sendo a língua uma (necessidade de) manifestação fisiológica, recorrendo ao princípio da fisiologia de que a função faz o órgão, logo, há aqui uma atrofia, e sendo, de certo modo, deliberada, equivale a uma autoamputação. Uma verdadeira des-inscrição, na terminologia do filósofo José Gil, meu antigo professor.
Não sendo psicanalista da alma alheia (ainda que como escritor o sejamos sempre), eventos, certamente traumáticos, terão levado o indivíduo Germano Almeida a optar por não falar a língua natural da sua pátria (embora como nos ensina Hans-Georg Gadamer não é o homem que fala a língua, mas esta que o fala), e por tal tem a nossa humana compreensão, mas não podem legitimar o menosprezo para com aqueles que cumprem um nobre propósito (que deveria ser apenas um natural ato humano) escrevendo no seu idioma de sangue, de cujos cimos, soleiras, empenas, nesgas ou frinchas se divisam séculos de tormentos e escravidão. Por mim, será um dia de suprema felicidade se chegar o tempo em que nada mais tenha a dizer, poeticamente, em língua portuguesa, mas sinta ainda a necessidade de fazê-lo em língua cabo-verdiana.
O caso do escritor Germano Almeida, para além de evidenciar essa plausível e pessoalíssima situação de trauma linguístico, a contrário (pois somos nós cabo-verdianos do torrão os violentados pela imposição de conhecer a língua segunda, quando não mesmo com a aparência de estrangeira, logo no primeiro dia de aulas, como se ela nos fosse coisa natural) e pelos vistos nunca superado, assenta também numa conceção errónea (de um ponto de vista axiológico) do valor das línguas, porquanto não fundada em nenhuma evidência epistémica, muito menos em qualquer escala, do ponto de vista da sua imperiosidade humana, visceral, fisiológica, antes de qualquer axiologia ou ideologia.
E mais: essa pregação obsessiva (o que desmente faticamente a hipótese de cálculo) do escritor Germano Almeida, pois, de uma verdadeira pregação se trata, dada a sua ritualização, como disse, é mais arreliante agora do que ofensiva ou incivilizada, porquanto não tem nada de novo ou de inventivo. O que é pena, pois reconhecemos ao escritor sobeja capacidade de engendrar fábulas, farto humor desopilante, carradas de boa disposição pilhérica. Vir dizer que é coisa rasteira, de matumbos irredentos que renunciaram galgar os píncaros do universo, tem nadinha de novo: outros já o fizeram desde que esta língua despencou da boca balbuciante, gatinhou pela poeira, rebolou na lama, tropeçou nos monturos, escorregou pelas furnas, levantou-se e, escorrendo ainda a baba do desespero, trepou aos cutelos, esgueirou-se pelas frinchas dos casebres, espreitou pelas portas dos sobrados onde continuamente lhe foi negada a simples hospitalidade ou o soberano reconhecimento de criatura, com o seu natural direito de ser. Mais ainda do que ser: direito a plena entificação, isto é, passar da abstração do ser à concretude viva da existência. Dasein!
Ainda se o escritor nos tivesse alertado que o uso de tal língua para fins civilizacionais provocava biliosa, urticária, sezões infernais, erupção de rotundos e indisfarçáveis chifres, elefantíase galopante, deformação do esternocleidomastóideo, ataque cardíaco, caganeira pegada, impotência aguda até à morte, e todas essas maleitas que só atacam esses fuscos irredentos, aí, sim, o escritor Germano Almeida ter-nos-ia trazido algo de assombroso com que nos inquietarmos. Dizendo o que disse, limitou-se à mesma liturgia modorrenta, distante desses fecundos e duros «trabalhos nunca usados» de que fala Camões, esse que, fruto de um labor nosso de quinze anos, hoje respira desempoeiradamente nessa língua que não nos leva a parte alguma. Ai se levasse!
Isto tudo dizemos nós com suma tristeza, mas igual desassombro, nós que desejamos que o escritor Germano Almeida vá a todo o lado, seja em que modalidade ou língua for, em rebuscada fantasia ou chã realidade, dos abismos tectónicos aos buracos negros galácticos, até ao mais improvável dos mundos, que só na mente.
Quanto a nós, a nossa meta é bem mais modesta, e nem vale a imprecação acerba, o enxovalho altaneiro, o agoirento aviso ou o anátema civilizacional da parte do escritor Germano Almeida: desfrutar aqui na nossa terra do simples direito a uma cidadania linguística não amputada, vigiada ou condicionada por um Germano, seja ele escritor camonizado ou não.
O escritor Germano Almeida merece ser lembrado pelos livros que escreveu, retratando certa realidade social do seu país real ou mental, na língua que melhor serve à sua voz de escritor, e que é, em última instância, a manifestação inequívoca da sua verdadeira cidadania linguística.
Nós que lutamos por uma pátria efetivamente bilingue, e não um rincão onde reina uma língua do sobrado e se encolhe, acossada e subalternizada, estoutra tida por pertencendo ao funco e aos cutelos, esperamos que o escritor Germano Almeida seja bem-sucedido, não na sua pregação, deus, na sua pregação não, porquanto o seu sucesso, em qualquer língua, é também nosso. Esperamos e rezamos para que nunca venha a ser recordado pelo papel de pernicioso rebaixamento, e de negação de foros de cidade à língua cabo-verdiana.
2
Kiston ki traze-nu li oji dja staba rizolvidu di manera sublimi, istue, na forma di puru kriason puétiku, i na língua kabuverdianu. Infilismenti, nen puezia ael e ka pa tudu algen, nen língua kabuverdianu, kuantumás puezia na língua kabuverdianu. Nton, n tevi ki skrebe proza vulgar, pa tudu kes algen ki n kre papiaba ku es o manda-s rekadu, p’es pode ten konprenson justu di kel ki n kre flaba-es.
Nton, ale go rasposta verdaderu i orijinal, na putensia di puezia, pa kenha ki pode i sabe le-l, na forma des
(PRU)PUZISON
Kenha ki ka onra língua di si sangi
língua undi k’el jara i el mama
ael el sta kumete krimi grandi
kontra kel k’el debe stima i ama
i si si kabesa sta djobe grau
ó omi bu kurason ten ki lenbra-u
ma si bu ka odja sinal di mal
si bu boka ka raboita i grita
e pamodi ael tanbe el sta izita
sen sabe kal k’e frida⊡i kal k’e sal
i el ta fika so na murmurason
stretu sima un sonbra na txon
diginidadi e razon di tudu tenpu
si kel ki sta skritu desdi bu nasimentu
e ma ali ben tenpu ki verdadi di bu gritu
ta sirbi mundu di alimentu
ta labanta téra pa fetu i pa ditu
pamodi na noti longu di okultason
obidu senpri si son bibu
na greta di tudu obidu
na kutelu di tudu sufridu
ki inda sta la ta spera benson
(nau⊡ka bu spera⊡argi pa ason
iziji oji bu libertason)
i si pe e pa poi na kaminhu
ka nu torna sina más daninhu
à kretxeu morabi getu sabi
abrasa bu distinu na ora pasa-sabi
ki pa más fundu e melankolia
bu ta sunha ku klareza di bu dia
na palmanhan ku rufu d’aza
ki boka libertu ta kuspi so braza
i pamodi dizalentu e ka nos kaza
nu ta toma txabi porta’l mundu
pa nu baskudja treba más prufundu
i la nu ta sende nos spritu
ku nos barinha di kondon
ki e es nos insubimisu vontadi
nu ta salta⊡nu ta ratxa pitu
inda na tenpu des nos idadi
ku nos dés o más braza
na tetu disbravadu di mundu
na entrada linpu di tudu sidadi
pa nu mostra nos razon
o nos paxon
más fundu
i ku nos izérsitu kontra mau sékitu
nu ta iziji tudu riparason i djustisa
linguístiku
i tal un selebrason místiku
ora ki nu alkansa nu ta da arbisa
i nu ta po-l na ses konta di txeu débitu
nton nu ta fla-s ma si ka sabe
e ka simentu⊡mas mau baru di tudu
(kontudu anos nu ka ta txoma-s besta)
kunhisimentu e supremu txabi
skora⊡alisersi⊡i travi-mestra
i tal koketa ki ka ten studu
boka ki si meta e so stroba
el ka sabe pamodi ki el ta loba
i el ta kanta⊡o pamodi ki el ta koba
i más⊡el ka sabe ma bentu di arogansia
ka ta djuga nunka ku pezu di izijensia
purventura el obi ma binifisensia
algun bes nase na tereru di ganansia
ma rabidansia algun dia djobe djustisa
pa kel ki ten poku o ka ten nada
pa kel ki si bida e manxe trisa
i pa el tudu difikuldadi e más un skada?
es ka sabe m’e konformi tior di narason
ki porta ta abri⊡ta ngosta⊡ta sara o ta fitxa
i ma iginoransia ta po-u senpri ta pintxa
pa manhan prujetu di transformason?
à ten tantu soberba na ka sabe
mas nu ta abri odju nu ta labanta mo
sikre difikuldadi e un pon kasabi
ki ta tranka-nu na spritu sima un no
purisu nu [ta] ileje kunhisimentu
komu prumeru pilar di sidadania
pamodi e ka ku óstia o ave-maria
ki nu ta aparta di tantu ndjutumentu
mas trepandu kulina di kunhisimentu
nu ta abri odju i nu ta spadja es sagradu
juramentu
ki nu ta skrebe na porton di sidadi
i pa tudu ladu
‘ku nos boka rabeladu ki ka ta kaladu
(purkuantu nu sta armadu ku simentu
di saber) nu ta argi i nu ta vivifika es língua
pamodi si distinu e ka vive baxu tudu míngua
mas trisa kontra pezu o mau sinza di pasadu
si nos mo ku nos boka
da ku pedra i spadja po
e pamodi djustisa k’e nos óstia
i iginoransia nen medu e ka nos loka
mas nu ta labanta sen norostia
pa nu konsagra nos boka i nos mo
na tetu konkistadu di mundu
o na koba di rubera más fundu
pamodi nu debe stória
es dízimu i es tributu
(ki e labanta kel ki mundu ndjutu)
i na verdadi nabadja fiadu di nos menti
e ka más ki un kaminhu pa glória
ki nos língua sta buska manenti
desdi senpri
ti si iternidadi
ki nu sta spera sima un kretxeu
dja ten tenpu⊡ stason⊡ i anu txeu
na muradja firmi di nos sidadi’
kel li dja nu fla⊡i nu ta torna fla-l tudu sen tuntunhi
«kenha ki ka kre obi p’el vira boka kadera p’el unhi
kel ki ta sai di la k’e ses obra i el ten txeru di indisensia
enbora na ses oku ntendimentu es ta txoma-l di sensia
purisu si purguntadu ku venenu d’iginoransia na boka
ku rostu kran⊡o sukundidu musgedjadu dentu’l toka
si murmuridu ku gana purgunta⊡mas ku kapa di medu
ka ta purguntadu kusa ki na mundu interu dja sabedu
nu ta papia-s di si bran-bran ku sulubanku sima koxi
na kel ora ki nu ta rabola i nu ta avansa na si volta doxi
i atraves del nu ta rivela i nu ta rabela na si son iternu
na kutelu mundu⊡na stason di seka rixu o txuba serenu
si purakazu boka di iginoranti fla ma nu ka ta txiga lugar ninhun
nu ta fla-s ma es sta segu⊡ma nos nu ta kontinua ta prega nos pregu
ma es pode izalta língua di degu⊡i kel di-nos es manda-l pa arnegu
mas ma tudu e bazi i sustentáklu pa el ka fika fitxadu trás di tapun
ma di babel ti nos porta⊡na solidon k’e puru signu di nos nobegu
nu ta mostra-s m’e ses spritu sen raís k’e kaboku di mau zunzun
sen son di grandi vatisíniu⊡ki na si mumentu nu ta ben disnuda
purkuantu e glória radianti tudu pasu (sikre pikinoti) ki nu ta da
i nos ki nu ka ta nega nen sangi negru⊡nen nos tristi stória
mas pa nos ki tudu e pedra lebi pa idifikason di bon mimória
nu ta linpa nos spritu insubimisu di tudu pezu o barera
pa nu pode vive livri i bua ti nu pasa kasa⊡kumi i kumera
i enbora noti sukuru fitxa-nu txeu bes porta grandi di sidadi
nu ta prega sen dizánimu⊡mas ku fervor⊡fúria i tenasidadi
na madrugada speradu di bons sinal⊡pa rializa simentera
pa tudu barsi i boronsera⊡pa nu sigi so glória ti si solera
na verdadi nada ka ta identifika-nu o ta sprimi-nu ton dretu
sima es língua bibu ki nu mama-l amorozamenti na petu
purisu p’el ka da di-banda nu ta faze-l pedra di bon balastru
p’e leba-nu ti undi e ten ki bai⊡k’e mundu interu ti txiga astru
el ki nos tudu nu prende-l na mansidon di bersu
kontudu ten txeu ki inda oxi ka sabe nen soletra-l
i kuazi otus tantu inda ka kre poi na papel ku si letra
(i alguns te ta poi⊡mas e kalapitxadu ki ka ta ndreta)
i ses mau prujetu o finalidadi e apenas i so atraza-l
mas nos ki nu ta ileva-l na versu kontra alienadus
(ki nu ka ta ruspeta)
kontra tudu armadilia⊡ku nos bon kizilia ki ka ta seta
nen reinu di subjugason ku si mau prédika rapikadu
mas nu ta tenpra-l ku nos folgu animadu na rufu’l konbersu
sabi⊡baxu strela ta mostra-nu senpri kaminhu di universu
i la undi ki fuxidu di tudu fugasidadi nu ta nina-l p’el deta
i nos nu ta diskansa nos brasu kansadu⊡ka pa senpri mas ti dia
di nu korda⊡ka nu frakeja⊡nu usti na substansia di si puezia
José Luiz Tavares
pretomau23@gmail.com
José Luiz Tavares Nasceu no dia de Camões, em 1967, em Txonbon (cercanias do antigo Campo de Concentração), concelho do Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde. Estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive em exílio voluntário, dedicado à sua obra.
Publicou vinte e dois livros desde a sua estreia em 2003, com Paraíso Apagado por um Trovão, que vêm pondo a nu a mediocridade do panorama poético cabo-verdiano, apesar dos seus inchados pergaminhos, via certo Caliban e outras mirabílicas misérias.
Em 2023 reuniu a sua poesia inacabada no volume Como um Segredo na Boca do Universo – Obra completa – Mente Inacabada, um tijolo de mil e quinhentas páginas, apropriado para entupir a boca dos seus inumeráveis, ainda que ocultos e merdosos, inimigos.
O seu último livro publicado Um Preto de Maus Bofes, é um acerbo ajuste contas consigo próprio, com o mundo, a literatura, a morte, a glória e a posteridade.
É o escritor mais premiado de sempre de Cabo Verde.
Recebeu, no seu país e no estrangeiro, entre outros, os seguintes prémios: Prémio Cesário Verde/CMO, Prémio Mário António de Poesia/Fundação Calouste Gulbenkian, Prémio Jorge Barbosa/Associação de Escritores Cabo-verdianos, Prémio Pedro Cardoso/Ministério da Cultura de Cabo Verde, Prémio de Poesia Cidade de Ourense, Prémio BCA/Academia Cabo-verdiana de Letras, Prémio Vasco Graça Moura/INCM, Por três vezes consecutivas recebeu o Prémio Literatura para Todos, do Ministério da Educação do Brasil, Prémio Ulysses/ The Poets and Dragons Society, Bolsa Fundação Eça de Queirós.
Foi finalista duas vezes do prémio Correntes d’escritas, Finalista do Pen Club Português, semifinalista do Prémio Portugal Telecom de literatura e Oceanos de Língua Portuguesa.
Os seus livros integram o Plano Nacional de Leitura de Cabo Verde e de Portugal.
Está traduzido para inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, mandarim, neerlandês, russo, finlandês, catalão, galês e letão. Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana.
Não aceitou, até agora, nenhuma comenda ou medalha.
Possui meia-dúzia de fervorosos amigos.
Deu coices e espera receber. Será um dia de alegria.
A ferros, fez uma filha que por si própria se fez gente.
É consumidor de cerveja, de preferência stout, em doses homéricas. Entrevê o seu lustroso futuro exatamente neste ramo, com previsão de risonha prosperidade.
Não é elo de nenhuma rede, social ou outra. Por isso vive clandestino na ditadura do mundo.
Quezilento ontológico, tem-se dedicado, no seu país, ao assalto e derrube de fortalezas, mistificações e subjugações culturais.
O neocolonialismo & o supremacismo linguísticos, e o negacionismo glotofágico são um dos seus alvos. As ratazanas literárias, outro. As flatulências políticas, outro mais.
É negro, mestiço arraçado de anjo, dizem uns. É o próprio diabo, asseveram outros.
Gostaria de ter asas, mas bastam-lhe as duas mãos, a boca e o cérebro.
Guardador de corvos, a sua arma preferida é a funda, embora não se ache um David, nem conheça qualquer Golias.
O seu último fôlego não há de ser um verso, mas uma libertadora imprecação mandando tudo àquela parte.
Que conste que quis por epitáfio: «voltarei para vos foder a todos, cabrões».
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