O poeta cabo-verdiano José Luiz Tavares insurgiu-se hoje contra o ressurgimento do “velho tropicalismo” à volta do crioulo cabo-verdiano, apesar de existir “uma vontade soberana popular e nacional forte” em prol da dignificação da língua cabo-verdiana.
“Não vai ser um processo fácil tudo o que é necessário fazer-se em termos institucionais e práticos pela língua cabo-verdiana, porquanto ao mesmo tempo que vemos uma vontade soberana popular e nacional forte em prol da dignificação da língua cabo-verdiana, vemos o ressurgimento do velho luso-tropicalismo”, afirmou o escritor em declarações à Inforpress, a propósito do Dia Internacional da Língua Materna, hoje assinalado.
“Um fantasma derrotado pela história, se bem que nestes dias nas bocas do mundo por via de um livro indigente, metódica e consteudisticamente, que não apresenta tese nenhuma, como quer o seu autor, mas limita-se a reafirmar marketeiramente uma conhecida doxa cultural com relação ao entendimento duma cabo-verdianidade plena e assumidamente descomplexada”, criticou.
Para José Luiz Tavares, esse “velho luso-tropicalismo” manifestou-se, tempo atrás, “através duma barriga de aluguer (pois todos conhecem a mão que engendrou o nascituro, ainda que fosse outra a parturiente) e que consistiu nessa aberração legislativa que foi a pseudo-aprovação do estatuto de património cultural nacional para a língua portuguesa de Cabo Verde”.
Sublinhando que a língua portuguesa em Cabo Verde é uma assinalável herança cultural derivada do processo histórico do arquipélago, o poeta diz, porém, que “não consentimos, não consentiremos, que velhos ou novos supremacistas linguísticos a venham brandir como estratégia ou factor de menorização da língua cabo-verdiana, língua do território, como a define a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, traduzida por ele para a língua cabo-verdiana.
“Com essa atitude provocatória e desesperada, os supremacistas linguísticos fomentam na mente dos jovens conscientes do processo histórico cabo-verdiano, orgulhosos das raízes e alicerces da sua identidade, um menosprezo e desafecto, a todos os títulos pernicioso, pela língua portuguesa”, disse, considerando que o efeito provocado por esses supremacistas linguísticos é “exactamente o oposto do pretendido” e que tem dado conta disso nos seus contactos locais com jovens e menos jovens.
O escritor defendeu que o “declínio da língua portuguesa em Cabo Verde” é uma perda cultural e civilizacional que não pode ser combatida com “atitudes supremacistas”.
“Oxalá essas atitudes supremacistas, nuns casos, e neocoloniais, noutros, não venham a redundar no que tem acontecido nalguns países da nossa sub-região africana, em países como o Mali e o Burkina Faso, onde a língua francesa passou de oficial a simples língua de trabalho. Não é desejável que isso venha a acontecer em Cabo Verde, pois seria uma perda irreparável e que nos empobreceria enquanto agregado civilizacional e humano”, vincou.
Contudo, disse que isso seja dito com toda a frontalidade: "os cabo-verdianos conscientes não fraquejarão no combate pela paridade constitucional, educacional e civilizacional entre a língua natural dos cabo-verdianos destas ilhas e a língua oficializada portuguesa, língua da administração e, por ora, a única dos actos e dos negócios do Estado".
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