XXXII CENA
REI – Meus “patetões”: não estão a ser nada bons ministros!…
RASGA MONTANHA E ARRANCA PINHEIRO – Ave-maria!…
RASGA MONTANHA – Porquê, meu sogro?
ARRANCA PINHEIRO – O que é que vossa majestade falou e que os nossos ouvidos não captaram?… que vossemecê mandou fazer e não acatamos?
REI – O mesmo cavaleiro estava outra vez no Tarrafal. Passou-se novamente por nós quando debelávamos a reta de Achada Carreira para descermos Ponta Lagoa. Senti um vulto passar como uma rajada de vento e quando chegamos à Ponta do Atum, ele estava com uma caneca de água na mão a lavar o rosto porque acabara de acordar do sono.
RASGA MONTANHA – Mas não temos culpa, senhor rei, nosso sogro.
ARRANCA PINHEIRO – Fizemos de tudo para o caçar mas o cavalo dele voa que nem um pássaro.
REI – Inúteis. Imbecis. Eu contente por que íamos apanhá-lo em flagrante… e fazem-me esta desfeita!
O rei espreita pela janela e vê João a falar com Calixto, segurando o cavalo pelas rédeas. Para de ralhar aos genros e, numa correria louca, vai ter com o cavaleiro.
CALIXTO – Dê-me o cavalo para ir amarrá-lo, depois levo-o no senhor rei.
REI (berrando) – Eh, “ladrãozinho” despudorado! Sai dali imediatamente, sem vergonha! Foste chamado?! Deixa-me receber o meu hóspede, e o cavalo vou amarrar na minha varanda. Queres roubar o ouro e o diamante ao homem? (Recebe o cavalo e cumprimenta o hóspede) Peço sinceras desculpas por este triste incidente diplomático. (Olha para a janela e vê Arranca Pinheiro) Fecha este atrevido na capoeira, quando o hóspede for embora trato-lhe de saúde.
JOÃO DA BURRA – Rogo vossa majestade que lhe perdoe desta vez.
REI – Pedido aceite. (Para o Arranca Pinheiro) Podes deixá-lo. (Para Calixto) Estás perdoado. Tiveste sorte ele intercedeu ao teu favor.
CALIXTO – Muito obrigado, senhor rei.
JOÃO DA BURRA – Fico muitíssimo grato, vossa majestade.
REI – Vou amarrar o cavalo debaixo da janela do meu gabinete.
XXXIII CENA
O rei apresenta João às filhas e aos genros. Bebem aguardente e comem torresmo.
REI (aponta o dedo para Rasga Montanha) – Este é Rasga Montanha, meu ministro de Segurança e Conselheiro Geral do Reino. Homem valente, sério e muito respeitado. (Para Branca de Neve) Esta é a esposa dele, Branca de Neve, minha querida filha, que se hoje está aqui connosco a festejar e conhecê-lo, foi graças a valentia destes dois grandes heróis. (Aponta para Arranca Pinheiro) Este também é um outro da minha confiança. Chama-se Arranca Pinheiro, marido da minha linda e querida filha, (para Branca Flor) Branca Flor. É ministro das Finanças e meu subselente quando estou a dormir, ou na casa de banho a fazer as necessidades.
JOÃO DA BURRA – Muito bonito! São bons ministros? De sua confiança?
REI – Muitíssimo bons. Não há nada que eu lhes diga “sim” que me contrariam.
JOÃO DA BURRA – Parecem muito subservientes.
RASGA MONTANHA – Conforme o meu querido sogro acabou de lhe informar, eu sou ministro da Segurança do Reino…
JOÃO DA BURRA – E Conselheiro Geral. Valente, sério e muito respeitado.
RASGA MONTANHA – Não sou de me gabar para não dizerem que sou bazofo.
JOÃO DA BURRA – Não é bazofiar, é verdade. Você não aconselha o rei?
RASGA MONTANHA – Na verdade, o senhor rei e meu saudoso sogro está um pouco cota, mas ainda não precisa que alguém lhe segrede ao ouvido. Qualquer pessoa que lhe quer dizer algo, diz-lhe em voz alta que todos oiçam e percebam.
JOÃO DA BURRA – Como ministro o que pensa fazer para ajudar o seu rei?
RASGAMONTANHA – Meu rei e meu sogro!
JOÃO DA BURRA – Pois. O que pensa fazer para o ajudar a curto prazo?
RASGA MONTANHA – A prioridade da minha agenda é limpar estás pretalhadas que estão a invadir a privacidade dos brancos e criar condições para que os brancos sejam mais expressivos na sociedade.
JOÃO DA BURRA – Brilhante ideia… vê-se que é um ministro, não só poderoso, como também determinante.
RASGA MONTANHA – Tem que ser, meu caro. Com esta crise que ameaça alastrar a miséria, os brancos que representam a nossa civilização correm sérios e grandes perigos.
JOÃO DA BURRA – Sem dúvida. (Para Arranca Pinheiro) E o meu caro?
ARRANCA PINHEIRO – Na qualidade de ministro, a primeira medida que penso tomar é de mandar limpar a nossa cidade.
JOÃO DA BURRA – Como assim?! A vossa cidade nem é assim tão suja, comparada às demais!
ARRANCA PINHEIRO – Refiro-me a uns presos que aqui temos. Brevemente mando-os à forca. Também os pobres e velhos com mais de sessenta anos, que já não fazem nada de útil para a sociedade, vão ser enforcados. Desta forma, eliminaremos todos os que andam a pedir esmolas, a usufruir do Rendimento Social de Inserção, faremos do nosso país o mais rico e próspero do mundo… sem nenhum pobre.
REI – E como é que o cavalheiro… ou cavaleiro se chama?
JOÃO DA BURRA – Chamo-me Salvador. E vocês, senhores ministros, por que é que têm esses nomes?
ARRANCA PINHEIRO – A mim, chamam-me Arranca Pinheiro porque quando as moscas me pousam às costas, enxoto-as com uma mangueira numa mão e uma figueira na outra.
RASGA MONTANHA – Também a mim, chamam-me Rasga Montanha porque apanho qualquer montanha e transformo numa planície antes que o Diabo esfregue o olho.
JOÃO DA BURRA – Isto é fabulástico! Na vossa terra eram os únicos fortes?
RASGA MONTANHA – Claro!
ARRANCA PINHEIRO – Uns tempos atrás surgiu um fanfarrão armado em forte e sabichão… mas demos-lhe uma boa lição. Neste instante já deve estar completamente devorado pelas bagabagas.
JOÃO DA BURRA – Gostaria de conhecer o vosso palácio. Parece muito pomposo!
REI – Com certeza. Na nossa casa os amigos é que dão ordens. E nós acatamos. Levantemo-nos então.
Mostram-lhe todos os cantos do palácio menos a prisão.
JOÃO DA BURRA – Onde fica a vossa prisão? Gostava de visitá-la.
REI – Estão lá uns maltrapilhos que não interessam a ninguém.
JOÃO DA BURRA – Não me permitam vê-los?
RASGA MONTANHA – Pode, sim senhor. Há algum problema, senhor rei?
REI – Claro que não. Não há e nem há-de haver.
Passam perto da Capoeira, conversando-se baixinho. Apenas João olha para os presos e sorri para eles. Branca Flor e Branca de Neve andam tristes com a cara para o chão.
XXXIV CENA
Novamente sentados numa sala no primeiro andar.
JOÃO DA BURRA – Onde fica a casa de banho, se faz favor?
REI (bate três pancadas na mesa e Calixto aparece) – Acompanha o senhor Salvador à casa de banho e desabotoa-lhe as calças para fazer as necessidades. Quando acabar, limpa-lhe o traseiro. Mas não é com calhaus! Limpa-lho com papel higiénico ou com a ponta da tua camisa… ou então com o reverso da tua mão.
JOÃO DA BURRA – Ele vai só mostrar-me onde fica e vou sozinho.
REI – O senhor Salvador é que sabe, ou melhor: é que manda. (Para Calixto) Vai mostrar-lhe onde fica a casa de banho. E fica atento para no caso precisar de ti. (Para o João) Acompanhe o negrinho. Se precisar de qualquer coisa é só bater na porta. (João entra na casa de banho e muda de roupa para aquela com que saiu de casa da família. Surge a passear em frente da capoeira. Nhonhô, Romana e Kizy ficam estupefactos ao vê-lo. O rei fica fulo e repreende os genros) Vocês estão doidos ou têm o quê na vossa cabecinha de alho? Não viram um valdevinos a andar sozinho por aí… logo hoje que tenho uma visita importante?!
BRANCA DE NEVE – Foi ele que nos tirou do buraco, pai!
BRANCA FLOR – É verdade, pai! Foi ele. Estava com esta mesma roupa.
Rasga Montanha salta pela janela e vai esconder-se. Arranca Pinheiro apanha uma diarreia, vai a casa de banho e suicida-se. O rei fica surpreendido com a cobarde reação dos genros.
XXXV CENA
JOÃO DA BURRA – Por ser seu filho, o senhor escapa desta vez.
REI – Por seres meu filho? … Mas quem és tu, vagabundo?
JOÃO DA BURRA – Um filho seu, que julga estar morto e comido pelos bichos.
REI – Eu nunca tive filho, desnaturado! Vai procurar outro pai.
JOÃO DA BURRA – Teve, sim, senhor. Não se lembra, pois não? Mas vai já saber.
REI – Miserável, pelintra. Se pensas herdar o meu trono e os meus bens, estás bem enganado. Tenho duas filhas para me herdarem e os maridos delas para me sucederem ao trono. Vai bater à outra porta, vadio.
JOÃO DA BURRA (entra e sai da casa de banho) – Pois, querido pai, aqueles dois reles, seus “genrozinhos”, um já se suicidou antes de lhe tocar. Talvez tenha optado por uma solução melhor. O outro atirou-se pela janela e deve estar algures por aí. Mas vou já apanhá-lo.
REI – Estás maluco, menino infeliz? Eles nem te conhecem!
JOÃO DA BURRA – Conhecem-me muito bem. Sabem perfeitamente quem sou… e também quem são. Por isso, a vergonha e o medo não lhes deixaram esperar pelo real desfecho.
REI (a tremer) – Eles te conhecem?
JOÃO DA BURRA – Melhor do que a si próprios. As duas raparigas com as quais eles se casaram, são filhas daquela senhora que está enterrada, da cintura para baixo, no seu quintal, com as mãos atadas atrás das costas.
REI – O quê?!
JOÃO DA BURRA – Também é a minha mãe.
BRANCA FLOR – A nossa mãe?!
JOÃO DA BURRA – A minha também.
BRANCA DE NEVE – Tu és o nosso irmão?!
JOÃO DA BURRA – Vocês é que são minhas irmãs. Eu sou mais velho.
BRANCA FLOR E BRANCA DE NEVE – Aquela senhora é a nossa mãe?!
JOÃO DA BURRA – Nós… vocês e eu somos irmãos naturais… filhos do mesmo pai e da mesma mãe. (Para o rei) Lá onde elas se encontravam, eu era o único capaz de as encontrar e resgatá-las. Pergunte-lhes!
REI – Não… não acredito! Será que estou a ser atormentado pelas Erínies?
JOÃO DA BURRA – Talvez.
REI – Quais? Tisífone? [Castigo na mitologia grega] Megera? [Rancor] ou Alecto? [Inominável].
JOÃO DA BURRA – Possivelmente todas as Moiras.
REI – Estão tecendo o meu fio da vida?! Ignosce mihi, Pater celi [Perdoai-me, Pai do céu].
JOÃO DA BURRA – Aquele velho e aquela velha que o senhor tem presos dentro de gaiola, pior que… – nem sei com quê poderei fazer comparação – foram eles que me apanharam e me criaram quando você mandou um seu criado matar-me. Foram eles também que apanharam a minha mãe… também mãe destas duas gémeas, suas filhas. Foram eles quem nos sustentaram, eu e a minha mãe, debaixo das suas misérias, cheios de dor e sofrimento.
REI – Ui, mater mea… [Ui, minha mãe] dói-me a barriga, estou com diarreia. Sinto o corpo arrepiado. (Para Branca de Neve) Branca, não estou com febre?
Calixto vai espreitar e João chama-o.
JOÃO DA BURRA – Senhor! … (Calixto fica atemorizado) Entre por favor. (Calixto entra cheio de medo) Vai soltar os prisioneiros e dê-lhes água para tomarem banho. (Dá-lhe uma saca com roupa) Aqui estão umas roupas que lhes trouxe. Que vistam e venham ter comigo.
Calixto sai.
REI – Meu filho querido, sangue da minha veia. Não há desculpa que te possa pedir, que te esfrie a raiva. Entretanto… (tira a coroa e dá ao João que segura-a na mão) toma conta do trono… faz de mim o que entenderes. Se achas que deves mandar-me à forca… que deves fechar-me na capoeira ou mandar enterrar-me vivo… tu é que sabes.
JOÃO DA BURRA – Fique descansado, meu pai. Tenho orgulho de ter aprendido com os mais velhos, principalmente com aqueles que me criaram. Ensinaram-me que respeitar as diferenças é uma grande virtude, e que valorizar a vida é o mandamento supremo. Espero orgulhar-me também de alguma coisa que o meu pai tenha feito de grande louvor. Mas acho que não irei ter essa sorte. Pois, até este momento, tudo o que soube que o meu pai tenha feito, faz-me o corpo arrepiar e eriça-me o cabelo na cabeça. Dá-me enjoo e, envergonha-me do pai que o destino quis que fosse meu.
REI – Desculpa, meu filho… desculpa… desculpa-me por amor de Deus.
XIPIROTA (entra nervosa e fica de pé) – O Calixto disse que és o meu neto?!
JOÃO DA BURRA – É a senhora a mãe de uma jovem, que certo dia, o rei disse-lhe que a ia vender?
XIPIROTA – Kizy?
JOÃO DA BURRA – Sim, senhora.
XIPIROTA – Sou eu. Há muitos anos!
JOÃO DA BURRA – Então sou o seu neto. Quando o rei lhe disse que ia vender a sua filha, era tudo bluff. Ele a tinha engravidado, por isso mandou isolá-la numa casa num sítio ermo.
XIPIROTA (abraça o João) – Meu menino! Agora posso morrer… sinto-me uma mulher feliz… uma mulher realizada… posso morrer, meu Deus… posso morrer. (Afasta e olha-o nos olhos) És tão parecido com o meu pai! Como te chamas?
JOÃO DA BURRA – João da Burra.
REI – Não te chamas Salvador?
JOÃO DA BURRA – Não! Sou salvador desses miseráveis e inocentes. (Para Xipirota) Também estas duas meninas são suas netas… minhas irmãs, filhas também da sua filha.
As gémeas levantam-se e abraçam Xipirota e João com nostalgia.
XXXVI CENA
Calixto e prisioneiros entram. Estes são recebidos com abraços, choros e alegria. O rei retira João a coroa da mão e coloca-lha na cabeça
REI – De agora em diante és o rei, meu filho estimado. Amanhã mando chamar o padre para me vir casar com a vossa mãe.
JOÃO DA BURRA – Senhor Calixto, como recompensa pelo que fez por esta casa, por mim e pela minha mãe, não há ninguém melhor para Administrar os bens do reino…
REI – Eu concordo.
CALIXTO (chorando) – Perdoa-me, senhor rei.
REI – Estás perdoado.
NHONHÔ LANDIM – Está perdoado de quê? Calixto, por que lhe pediu perdão?
ROMANA – Talvez por não ter matado o menino e sua mãe.
JOÃO DA BURRA – Como souberam disso?
ROMANA – O Calixto contou-nos.
NHONHÔ LANDIM (para o rei) – Patifão.
JOÃO DA BURRA – Acalmem-se! Esqueçam-se disso por agora.
REI – Branca Flor e Branca de Neve, felizmente já são viúvas. Quando arranjarem outro marido, eles vêm trabalhar aqui no palácio, sob as ordens do João e do Calixto.
JOÃO DA BURRA – Só uma delas é que ainda ficou viúva. O outro aldrabão fugiu e está por aí escondido. Todos nós temos o dever de procurá-lo e prendê-lo.
BRANCA FLOR – Quando é que vamos procurá-lo, mano mais velho?
BRANCA DE NEVE – Eu vou contigo.
JOÃO DA BURRA – Obrigado… obrigado.
CALIXTO – Também vou. Estou velho, mas ainda sinto força para lhe espremer os testículos.
XIPIROTA – Cá na terra, os tolos julgam que podem fazer o que querem. Que não há justiça. Mas estão enganados. O castigo de Jeová vem sempre. Pode demorar, mas não deixa ninguém impune.
XXXVII CENA
João destapa um buraco num bosque e Rasga Montanha rende-se. Tiram-no dali, mandam-lhe abrir a boca e com uma lanterna observam-lhe os dentes.
BRANCA FLOR – Deixa-me beliscar-lhe a ilharga antes de o enforcarmos.
JOÃO DA BURRA – Tenham calma.
CALIXTO – Eu é que o vou capar.
BRANCA DE NEVE (dá-lhe um par de estalos) – Desprezível!
JOÃO DA BURRA – Para! Ninguém o deve tocar, nem injuriá-lo. Não lhe vamos fazer o mesmo que nos fez a nós. Senão estamos a ser pior do que ele. Por nos ter feito mal, não se justifica que lhe façamos o mesmo. Não nos dá esse direito. Ele responderá pelos seus crimes perante a justiça, mediante um julgamento justo. (Põe-lhe algemas) Senhor Calixto, vai fechá-lo na capoeira com o mínimo de decência e conforto que um prisioneiro merece.
CALIXTO – Sim senhor. Passa em frente e vamos embora, traiçoeiro.
JOÃO DA BURRA – Ninguém tem o direito de o maltratar até que o entreguemos ao tribunal que decidirá qual o seu destino. Se ele precisar de advogado, tem esse direito. Senhor Calixto, pergunte-lhe se quer falar com um advogado ou familiar, faculte-lhe o telefone.
XIPIROTA – Ele vai pôr um advogado?! O juiz vai manda-lo já embora sob TIR.
JOÃO DA BURRA – Se assim for a decisão do juiz, só temos que acatar. Ele é que decide sobre a aplicação das leis.
XXXVIII CENA
JOÃO DA BURRA (abraça Nhonhô) – Muito obrigado, vovô. Obrigado do fundo da minha alma. (Nhonhô chora) Os nossos sofrimentos terminaram. (Para Romana) Vovó, vamos agora viver uma nova vida. A mamã vai casar com o meu pai e viveremos todos aqui no palácio. (Para Kizy) Não é assim, mamã?
NHONHÔ LANDIM – João, eu e a tua avó vamos voltar para o nosso funco…
JOÃO DA BURRA – Fiquem pelo menos para assistir ao casamento da mamã e do papá.
NHONHÔ LANDIM – Nós não assistimos a essas idolatrias, meu neto.
KIZY – Eu não quero casar perante um paroco.
REI – Não queres casar com o pai dos teus filhos?
ROMANA – Por que não vivem juntos, sem estória de se casarem perante um paroco?
JOÃO DA BURRA – Pai, por que não fiquem juntos como se fossem casados?
REI – Por mim não há problema. Apenas quero corrigir o meu erro.
JOÃO DA BURRA – Muito bem. E já que estamos em família, vou propor o seguinte: como a minha mãe e o meu pai vão viver juntos, por que não a mãe da minha mãe passar a viver com o Calixto, como mulher e marido?
Todos batem palmas e Xipirota fica comprometida.
REI – Bravo! Podem escolher uma das nossas casas e vão fazer as suas vidas a dois. Também os velhos que te criaram podem vir morar numa das nossas casas.
NHONHÔ LANDIM – Muito obrigado. Mas não abandono a minha gente.
REI – Vai morar no “funco”, se tem possibilidade de morar no palácio?
ROMANA – Cristo nasceu numa manjedoura e em pleno inverno.
JOÃO DA BURRA – Eles vão voltar para suas casas, pai. Vão apossar de todas aquelas terras onde foram presos quando colhiam purga.
NHONHÔ LANDIM – Jesus Cristo te abençoará… te recompensará. (Para Romana) A primeira coisa que fazemos quando chegarmos a casa, é juntar os vizinhos e rezar uma ladainha e agradecermos ao Senhor.
REI – Muito obrigado. Eu mereço.
ROMANA – O meu marido está a falar do senhor Deus. Não é do senhor rei, não.
NHONHÔ LANDIM – Você merece é ir à forca. Isso sim. Sem vergonha!
JOÃO DA BURRA – Calma, vovô. Vou visitar-vos sempre. Fico aqui para juntamente com o senhor Calixto e minhas irmãs assumir o trono. O senhor Calixto ficará meu adjunto. Pois, ninguém é mais digno do que ele para ocupar esse cargo. (Calixto fica a tremer) É um homem bom… sem vaidade nem pretensões. Justo que nem Santo.
ROMANA – Agora tens que arranjar uma boa esposa.
XIPIROTA – E as minhas netas têm que arranjar bom marido e terem filhos lindos.
JOÃO DA BURRA – Primeiro vou conhecer a terra da minha avó, mãe da minha mãe.
Xipirota tapa a mão na cara e chora de emoção. Todos batem palmas.
BRANCA FLOR – Eu também vou… eu também vou…
BRANCA DE NEVE – Também quero ir… quero ir conhecer a terra da minha avó…
JOÃO DA BURRA – Vamos todos: vocês as duas, a mamã, a vovó e eu. Vamos passar duas semanas por lá.
As irmãs pulam e abraçam Kizy e Xipirota. João inclina a cabeça e medita. Entra o Macaco, as gémeas assustam-se e refugiam no sofá ao lado do rei, com medo.
MACACO – Muito boa tarde nesta casa.
JOÃO DA BURRA – Olá, amigo. (Dá-lhe um abraço) Como podes perceber, estou muito feliz. E toda esta felicidade se deve à tua vontade, amizade e sabedoria.
MACACO – Muito obrigado.
JOÃO DA BURRA – É certo que foste o raptor das minhas irmãs. Também não é menos verdade que salvaste-me a vida. E como recompensa, vou oferecer-te…
BRANCA FLOR – Eu não, mano. Eu não…
BRANCA DE NEVE – Eu também não, mano João. Por favor…
JOÃO DA BURRA – … ofereço-te Rasga Montanha para te servir de escravo por toda a vida.
BRANCAS – Viva! Apoiado, apoiado, apoiado…
JOÃO DA BURRA – Se o entregarmos à justiça, certamente será enforcado. E, não obstante ser eu contra esse tipo de pena, pelo que ele me fez, condenar-lhe à morte seria oferecer-lhe uma doce prenda. Não sofreria o suficiente para refletir o quão mal me fez.
MACACO – Concordo contigo e aceito Rasga Montanha como prenda.
Abraçam-se e a peça finda.
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