É comum atribuir-se a Fernando Quejas o prodígio de ter sido o ‘primus inter pares’ de colocar o folclore cabo-verdiano, particularmente morna e coladeira, em meios sociais portugueses de alguma reputação e que serviu de trampolim a esses géneros para alcançarem outras esferas.
Fernando Aguiar Quejas nasceu no plateau da cidade da Praia-ilha de Santiago, no dia 30 de Abril de 1922, filho de Benévolo dos Santos Quejas e de Maria Ludovina Rezende de Aguiar Quejas.
Começou em lides musicais com nove anos de idade, a cantar no coral da igreja da paróquia de Nossa Senhora da Graça-concelho da Praia
A sua descoberta deu-se numa Sexta-Feira Santa, a entoar um ‘canto gregoriano’.
O ‘canto gregoriano’ é, latus sensus, um género de música vocal, normalmente não acompanhada. Deve a sua designação ao papa Gregório I que o adoptou nas celebrações religiosas da Igreja Católica.
A sua voz poderosa, assinalada pelo emprego de graves e agudos, encantou a assistência e marcou a sua afirmação definitiva na música. Passou a ser convidado para actuar em quase todas as manifestações artísticas que decorriam na cidade da Praia, tendo-se tornado um ícone no seu tempo.
Aprendeu a tocar violão, violino, bandolim, guitarra portuguesa, cavaquinho e piano e inícios de 1940 integrou como vocalista o grupo musical praiense “Nocturno”, um dos primeiros conjuntos musicais criados em Cabo Verde, como se conhece hoje.
Sócio-fundador da “Rádio Clube de Cabo Verde” foi o primeiro artista a actuar em directo desta estação emissora.
Com viagem marcada para o Brasil, aconselhado pelo intendente António Policarpo de Sousa Santos, desviou-se para Portugal.
Tendo saido da Praia a 29 de Outubro de 1947, na véspera da sua partida, num programa radiofundido, em sua homenagem, pela então Rádio Clube de Cabo Verde, de que foi sócio-fundador, o poeta Jorge Barbosa consagrou-lhe de encorajamento o “Poema para Fernando Quejas”[1], cujos versos mais elucidativos sobressaem:
"Ora qui bu bai,
Fernando Quejas,
Canta-no la di longe nos terra!
(...)
Mas longi na cantiga
E mas pertu na corason
(...)"
No dia 9 de Novembro de 1947, desmbarcou em Lisboa. Consegue emprego numa unidade fabril de transformação do pescado e procura dar continuidade à sua actividade musical.
Estreia-se na Emissora Nacional, onde mantém carreira durante vinte e cinco anos no famoso e selecto “Programa da Manhã” criado pelo Secretário Nacional de Informação, António Ferro, com o objectivo de promover artistas.
O espólio musical de Cabo Verde, considerado na época modelo da missão colonizadora portuguesa, foi enquadrado no plano e Quejas convidado a divulgar a música do arquipélago.
Na altura, interpretava somente música brasileira. Teve de experimentar a morna, totalmente desconhecida na época do público português.
Paralelamente, actuava em casinos e nos chamados “Serões para trabalhadores”, um evento promovido pela “Fundação Nacional e Alegria no Trabalho”, e que se manteve até o 25 de Abril de 1974.
Em 1952 gravou o seu primeiro trabalho discográfico, considerado o pioneiro na nova largada que viria a conhecer a música cabo-verdiana além fronteira, pois contribuiu para consagrar este género aos meios de grande reputação, apesar de criticado pelos colegas da Rádio Clube de interpretar a morna sob o estilo do fado, ao que ripostou: “estou a trabalhar para um público que não percebe o crioulo, por isso tive de me adaptar”.
Consciente, por seu turno, de tudo ter feito para o cumprimento da missão, Quejas retribuiu ao poeta Jorge Barbosa “Para ti, Jorge Barbosa”,[2] exprimindo o sentimento de dever cumprido:
"Cantei a Morna
Louvei a nossa gente
(...)
Levei a Morna a salões deslumbrantes,
onde a opulência e a inconsciência
se esgotam na embriaguês de foliões
(...)."
Compositor particularmente de mornas, as suas letras desenvolvem quase sempre temáticas de fundo sentimental:
- Uns de cunho romântico:
“Moreninha bonita, d’ôdjo preto, sedutor
Nhâ bida muda desde dia qui m’ conchêbo
Moreninha querida, tam bonita c’ma um flo
Tudo djâm fazê, ma m’ câ pôde squecêbo!
(...)
Moreninha-brazêro
Flôr mimosa di jardim
Bem flori nhâ cantero
Co bo frescura di jasmim
(...)”
- Algumas ligadas à evocação da saudade:
“Juventude, mocidádi
É um bem num certo idádi
Qui só dipôs di perdido
É sonhado, pretendido
Suspirádo cu sôdádi!
(...)
Praia, nha Terra natal
Di nha mundo capital
Co bô riqueza ó pobreza
Nh’ amor pâ bô é um certeza
Até sempre, até final!
Oi sôdádi, sôdádi tcheu
Di uns distantes cretcheu
Marado na nôs lembrança
Êl tâ dá-no consolança
Êl tâ bai co nôs pâ céu
(...)”
- Outras desenvolvidas sob a forma de uma homenagem:
“Num tárdi triste, di sol posto
Nóba côrrá - oi qui disgôsto!
É nôs poeta qui morré!
É povo intêro tâ sôfrê
Ó bento! Ó mar! Ó sol! Ó luar!
Nhôs grita mundo nôs pesar,
Nhôs reza Deus tem caridade
Pâ sé alma, na eternidádi!
Sê resto d’ homi s’tâ na tchom
‘BRONZE’ co dor, djâ perde som
Ôdjos môdjádos di tristeza,
Tchôra sôdádi di B. Léza!”
Quejas que integra a colectânea “Cap Vert Antologie-1959/1992”, de Ariel de Bigault, publicou em 1998 a sua autobiografia “Andante Cantabile” e gravou o seu primeiro CD “Corredor de Fundo - Câ nô dixâ nôs morna morré”.
Em reconhecimento pela sua especial contribuição para afirmação da identidade cultural cabo-verdiana, mediante o papel pioneiro que exerceu na divulgação da sua música e da sua cultura no exterior, a 5 de Julho de 2003, no quadro das celebrações do XXVIIº Aniversário da Independência Nacional Fernando Quejas foi condecorado pelo Presidente da República de Cabo Verde com a Primeira Classe da Medalha de Vulcão.
Fernando Quejas faleceu em Lisboa-Portugal no dia 28 de Outubro de 2005.
[1] QUEJAS, Fernando, ANDANTE CANTABILE, Edição do autor, Lisboa - Portugal, 1998, pg. 17;
[2] IDEM, pg. 19;
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