...a experiência bi(multi)lingue na literatura caboverdiana remonta ao poeta neo-clássico José Lopes – autor de obras em francês (com destaque para Ombres Immortelles), em inglês e, até, em latim-, passando por João Vário que, no âmbito da obra de toda a sua vida Exemplos, publicou dois livros de poesia em francês, designadamente Exemple Reistreint e Exemple Irreversible, tendo igualmente cogitado, anunciado e preparado, em larga medida, a publicação de dois livros de poesia em inglês, intitulados European Example e American Example, e culminando no poeta modernista e contestatário Mário Fonseca que lavrou e deu à estampa em língua francesa a maior parte da sua importante obra poética consubstanciada nos livros Mon Pays Est une Musique, La Mer à Tous les Coups e L´ Odiférante Evidence de Soleil qu´Est une Orange. Como é sabido, Mário Fonseca iniciou a sua escrita poética utilizando a língua de Camões, vate maior da língua portuguesa e das literaturas lusógrafas e cuja poesia era muito apreciada, estimada e, até, amada por esse importante poeta caboverdiano, não obstante o seu arreigado apego à Àfrica, e, em especial, à África Negra matricial, a qual interpelou, no poema “Eis-me Aqui, África”, com as tenazes e comprometidas palavras da desalienação anti-assimilacionista e anticolonial: “Nada nos separa/nem o mar nem os lusíadas”. Depois de escrita a sua obra poética em francês, ocorrida essencialmente durante o seu exílio político a partir do ano de 1964 e publicada imediatamente antes e depois do seu regresso definitivo a Cabo Verde, no ano de 1989, Mário Fonseca retomou a sua escrita poética em língua portuguesa, anteriormente publicada no Boletim Cabo Verde e na Seló - Folha dos Novíssimos (suplemento do jornal mindelense Notícias de Cabo Verde) e também vazada no livro O Mar e as Rosas (extraviado em razão de um assalto da polícia política colonial-fascista portuguesa às instalações da sede da Sociedade Portuguesa de Escritores em Lisboa) e em poemas avulsos escritos durante os seus tempos de exílio, alguns publicados depois do 25 de Abril de 1974 na revista África, dirigida por Manuel Ferreira, e na revista Raízes, dirigida por Arnaldo França, e no livro Se a Luz é para Todos, tendo deixado, pelo menos, um livro inédito, intitulado Morrer Devagar, e de que alguns poemas foram publicados nas revistas Fragmentos e Pré-Textos, bem como no jornal-revista Artiletra.
QUINTA PARTE
VI
LÍNGUAS DE CABO VERDE E LITERATURA CABOVERDIANA
A LITERATURA CABOVERDIANA EM LÍNGUA CABOVERDIANA, EM LÍNGUA FRANCESA E EM OUTRAS LÍNGUAS
1. É também certo e sabido que a língua portuguesa tem coexistido com outras línguas na criação, na estruturação e na consolidação da literatura e da escrita caboverdianas:
A) Em primeiro lugar, e como já foi sobejamente referido, com a língua caboverdiana, ocorrendo esse fenómeno desde os tempos de outrora dos nativistas e dos claridosos e tendo o mesmo idioma das ilhas sido estudado por nativistas, claridosos e nova-largadistas e sido cultivado por literatos e trovadores caboverdianos de todas as gerações e de todas as ilhas e diásporas na sua inalienável condição de língua materna caboverdiana e de imprescindível e insubstituível marca identitária da caboverdianidade.
Nessa co-existência entre o português e o crioulo, por vezes marcada pela interpenetração e pelo hibridismo entre as duas línguas de Cabo Verde, tem-se verificado a tendência para a predominante utilização do português como língua de labor literário dos escritores e escribas caboverdianos, ao mesmo tempo que se tem assistido à consolidação da escrita poética, ficcional e ensaística em língua caboverdiana.
Nesse processo, o crioulo vem extravasando e expandindo os domínios da escrita ensaística, iniciada com a primeira gramática do idioma crioulo e a fundamentação linguística do primeiro alfabeto de base fonético-fonológica por António da Paula Brito, da escrita poética de feições eminentemente líricas e ontológico-existencialistas, levada ao seu máximo esplendor por Eugénio Tavares no seu livro Mornas - Cantigas Crioulas e prosseguida nas mornas e em outros poemas de José Bernardo Alfama, José Alves dos Reis, Sérgio Frusoni, B. Lèza (nominho e pseudónimo artístico de Francisco Xavier da Cruz), Jorge Barbosa, Rodrigo Peres, Silvestre Faria, Fernando Quejas, Jorge Pedro Barbosa e outros muitos poetas-letristas e compositores, e da escrita poética de teor satírico, ilustrada nos textos do Juvenal Cabral com o poema-folheto Bejo Caro e do Jorge Pedro Barbosa do poema “Djom Pó di Pilon”, para novas áreas de jurisdição literária e discursiva, quais sejam:
I. A narrativa ficcional em prosa, com os contos escritos na variante da língua caboverdiana da ilha de Santo Antão e incluídos, com as suas respectivas traduções em “português aproximado” no livro Negrume/Lzimparim, de Luís Romano; com o primeiro romance em língua caboverdiana intitulado Odju d´Águ, escrito pelo linguista Manuel Veiga na variante-matriz santiaguense da língua caboverdiana com o deliberado intuito de provar as capacidades da língua caboverdiana na formulação de discursos, para além das tradicionais e muito apoucadas (ou pouco valorizadas) vertentes lírica, satírica e directamente política; com a colectânea de contos Natal y Kontus, de Tomé Varela da Silva; com o romance Perkurse de Sul de Ilha e o segundo romance de Eutrópio Lima da Cruz (ambos escritos na variante de Barlavento da ilha da Boavista); com os contos de Danny Spínola constantes do seu livro Lagoa Gémia; com os contos em crioulo constantes dos livros Cântico às Tradições e Descantes da Minha Ribeira, de Kaká Barboza; com o António Monteiro dos contos em crioulo constantes do livro Primeira Antologia Pessoal (Poesia e Prosa); com o conto constante do opúsculo Nhu Manel Mintirozu e outros contos de Horácio Santos (mais conhecido por Laláxu), publicados na revista Fragmentos; com os contos e crónicas de Zizim Figueira publicados com o título Crónicas Mindelenses no jornal online Liberal; com os contos esparsos em língua caboverdiana de alguns autores, como, por exemplo, Fernando Monteiro e Dionísio de Deus y Fonteana (pseudónimo para a prosa de ficção de José Luís Hopffer C. Almada), de entre outros escritores bilingues, mais ou menos consagrados como autores parcial ou primacialmente lusógrafos e/ou crioulógrafos.
II. O teatro, com o Kwame Konde (pseudónimo do poeta e médico-guerrilheiro Francisco Fragoso) do livro Korda Kaoberdi e da peça teatral “Preto Toma Tom” constante do nº 1 dos Cadernos Korda Kaoberdi; com o Ano Nobo (pseudónimo do músico, compositor e dramaturgo Fulgêncio Baptista, também chamado Sá de Bonjardim) e da sua muito apreciada e premiada dramaturgia em versos rimados, constante de “Totó co Tota” e “Fitisera di Língua” publicadas na revista Fragmentos e outras peças teatrais da sua autoria ainda inéditas; com o Artur Vieira da peça bilingue Matildi - Viage di Distino (Matilde - Viagem do Destino) e de outras peças teatrais da sua autoria; com o Donaldo Macedo da peça teatral Descarado; com o dramaturgo e poeta crioulógrafo Armindo Tavares das várias peças teatrais bilingues constantes dos seus vários livros; com o poeta José Luiz Tavares do mais longo poema-”peça dramatúrgica”- “romance em verso”- “reflexão filosófica” (na verdade, a mais extensa obra em crioulo até hoje escrita e publicada) e intitulado É ka Lobu ki Fase, para além de outros dramaturgos, alguns deles activos no Grupo de Teatro do Centro Cultural Português e em outros grupos de teatro integrantes do Festival Mindelact e de outros festivais de teatro.
III.a) A poesia épico-telúrica, com o Corsino Fortes de alguns dos seus poemas em crioulo constantes do livro A Cabeça Calva de Deus; com o Kaká Barboza dos livros Konfison na Finata, Son di ViraSon e Vinti Xintidu Letradu na Kriolu e com o José Luiz Tavares da versão em língua caboverdiana do livro Paraíso Apagado por um Trovão.
III.b) A poesia ontológico-existencialista com o Zé di Sant´y Águ do caderno “Ta Madura na Spiga” do segundo volume da obra em dois volumes intitulada À Sombra do Sol ; com o Danny Spínola dos livros Na Kantar di Sol, Na Nha Sol Xintadu e Adon y Eva y Otus Puemas e de poemas vários constantes de cadernos em crioulo de outros títulos/livros da sua autoria; com o José Luiz Tavares da obra É ka Lobu ki Fase e do poema “T”; com o António Monteiro dos poemas em crioulo constantes do livro Primeira Antologia Pessoal (Poesia e Prosa); com o José Maria Neves dos poemas em crioulo musicados do seu disco Alma.
III.c) A poesia de teor crítico-contestatário e de crítica social e política muito cultivada pelos nativistas e retomada com o Ovídio Martins da sequência “Camim Criol” dos seus livros de poemas Caminhada (1962) e Gritarei, Berrarei, Matarei, Não Vou para Pasárgada! - 100 Poemas (1972); com o Gabriel Mariano, de icónicos poemas, alguns deles musicados, como por exemplo “Sina de Cabo Verde” e “Co Paz, co Ligria,co Sossego”; com o Kaoberdiano Dambará (pseudónimo de Felisberto Vieira Lopes) do muito emblemático livro Noti, fundante da poesia caboverdiana de negritude crioula; com o Emanuel Braga Tavares do icónico poema “Kabral ka More” e de outros emblemáticos poemas recolhidos na colectânea Mirabilis- De Veias ao Sol (Antologia Panorâmica de Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos), organizada por José Luís Hopffer C. Almada e na antologia bilingue Contra-Vento, organizada por Luís Romano; com o Corsino Fortes dos poemas em crioulo (designados pelo autor como sendo poemas de Corsa de David) e constantes dos livros Pão & Fonema, Árvore & Tambor e “Pedras de Sol & Substância” (publicado na trilogia A Cabeça Calva de Deus); com o Tony Lima (nominho e pseudónimo poético-musical crioulógrafo do poeta António Lima) dos poemas-canções constantes do disco Korda Skrabo e retomados no livro trilingue (francês, crioulo e português) Reminiscences et Errances; com o Arménio Vieira do poema “Canta co Alma sem Ser Magoado”, publicado nas antologias No Reino de Caliban, de Manuel Ferreira, e Contra-Vento, de Luís Romano, e outros poemas publicados nas praienses Folhas Verdes; com o Viriato Gonçalves dos poemas em crioulo do seu livro Grito; com o Kaká Barboza dos seus livros Vinti Xintidu Letradu na Kriolu, Son di ViraSon e Konfison na Finata; com o Tomé Varela da Silva dos livros Kumunhon di Áfrika, Kardisantus, Na Altar di Nha Petu, Forsa di Amor, Na Kaminhu; com o Danny Spínola dos livros Na Kantar di Sol, Adon y Eva y Otus Puemas, Piskador di Strela di Alba, Ali Ben Tenpu di Ali Babá... e Na Nha Sol Xintadu; com o Ariki Tuga/Badiu Branku (pseudónimos do português radicado Henrique Lopes Mateus) dos livros Sen Mantxontxa e Kunba; com o David Hopffer Almada dos poemas em crioulo dos seus livros Canto a Cabo Verde e Vivências; com o malogrado Kaliostro Fidalgo (pseudónimo de Pedro Delgado Freire) dos poemas em crioulo publicados no Voz di Letra (suplemento literário do semanário Voz di Povo), na revista Fragmentos e na colectânea panorâmica Mirabilis - De Veias ao Sol (Antologia dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos); com o Canabrava (pseudónimo do malogrado Pedro Vieira) dos poemas em crioulo publicados na revista Fragmentos e na colectânea Mirabilis - De Veias ao Sol (Antologia Panorâmica dos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos); com o José Luís Tavares do longo poema dramatúrgico e de reflexão crítica e filosófica É ka Lobu ki Fase (como já referido, o mais longo texto em língua caboverdiana publicado até hoje), do poema “T.” e de outros poemas publicados nos jornais online Liberal e Santiago Magazine; com a malograda Eneida Nelly do livro Sukutam; com o Princezito (nominho e pseudónimo artístico de Carlos Alberto Sousa Mendes) dos livros Antigu Pensamentu e Manual di Mudjer; com o Ymez (pseudónimo de Ramiro Alberto Carvalho Silva) do livro Sentimentus; com o Tinudu (pseudónimo de Celestino Duarte) do livro Kabuversus; com o Silvino Évora dos poemas em crioulo do livro bilingue Rimas no Deserto; com o António Monteiro dos poemas em crioulo constantes do livro Primeira Antologia Pessoal (Poesia e Prosa);com o Ngozi Nelly (pseudónimo de Adolfo Varela) do Livro Puétiku Sanpabadiu; com o Charlie Mourão do livro bilingue Disbanderadu, entre outros muitos poetas bilingues e monolingues, alguns deles muito presentes na blogosfera e no facebook.
IV. E, finalmente, a escrita ensaística com o Manuel Veiga do livro Diskrison Strutural di Língua Kabuverdianu; com o Tomé Varela da Silva do livro Tributu pa Kultura Kabuverdianu e inúmeros textos de outros autores, em forma de discurso político, conferência, opinião, reflexão, ensaio, crítica ou crónica literária, como nos casos de Abílio Duarte, Tomé Varela da Silva, Manuel Veiga, José Luís Hopffer Almada (designadamente no “Prefásiu” intitulado “Un Djatu Mansu” ao livro de poesia Na Kantar di Sol, de Danny Spínola, e no texto de apresentação publicado na revista C(K)ukltura do livro Nha Bibinha Kabral- Bida y Obra, organizado por Tomé Varela da Silva), Tony Pires (enquanto Director da folha praiense Xatiadu Si, exclusivamente crioulógrafa), Marciano Moreira, José Luiz Tavares, José Maria Pereira Neves (enquanto Primeiro-Ministro, no seu Discurso perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, e como Presidente da República, no Discurso bilingue de Tomada de Posse e em outras ocasiões)...
B) Em lugar seguinte à sua co-existência com o crioulo caboverdiano na expressão linguística da literatura caboverdiana, a língua portuguesa tem co-existido com outras línguas ocidentais, com destaque para o francês e para o inglês, bastas vezes também desempenhando estes idiomas as funções de segunda e/ou terceira língua das comunidades e(i)migradas caboverdianas, e assaz frequentemente a primeira língua das várias gerações dos caboverdiano-descendentes radicadas em vários países da África, da Europa, das Américas, em especial nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina, e na Ásia/Oceânia, em especial na Austrália.
Com efeito, a experiência bi(multi)lingue na literatura caboverdiana remonta ao poeta neo-clássico José Lopes – autor de obras em francês (com destaque para Ombres Immortelles), em inglês e, até, em latim-, passando por João Vário que, no âmbito da obra de toda a sua vida Exemplos, publicou dois livros de poesia em francês, designadamente Exemple Reistreint e Exemple Irreversible, tendo igualmente cogitado, anunciado e preparado, em larga medida, a publicação de dois livros de poesia em inglês, intitulados European Example e American Example, e culminando no poeta modernista e contestatário Mário Fonseca que lavrou e deu à estampa em língua francesa a maior parte da sua importante obra poética consubstanciada nos livros Mon Pays Est une Musique, La Mer à Tous les Coups e L´ Odiférante Evidence de Soleil qu´Est une Orange. Como é sabido, Mário Fonseca iniciou a sua escrita poética utilizando a língua de Camões, vate maior da língua portuguesa e das literaturas lusógrafas e cuja poesia era muito apreciada, estimada e, até, amada por esse importante poeta caboverdiano, não obstante o seu arreigado apego à Àfrica, e, em especial, à África Negra matricial, a qual interpelou, no poema “Eis-me Aqui, África”, com as tenazes e comprometidas palavras da desalienação anti-assimilacionista e anticolonial: “Nada nos separa/nem o mar nem os lusíadas”. Depois de escrita a sua obra poética em francês, ocorrida essencialmente durante o seu exílio político a partir do ano de 1964 e publicada imediatamente antes e depois do seu regresso definitivo a Cabo Verde, no ano de 1989, Mário Fonseca retomou a sua escrita poética em língua portuguesa, anteriormente publicada no Boletim Cabo Verde e na Seló - Folha dos Novíssimos (suplemento do jornal mindelense Notícias de Cabo Verde) e também vazada no livro O Mar e as Rosas (extraviado em razão de um assalto da polícia política colonial-fascista portuguesa às instalações da sede da Sociedade Portuguesa de Escritores em Lisboa) e em poemas avulsos escritos durante os seus tempos de exílio, alguns publicados depois do 25 de Abril de 1974 na revista África, dirigida por Manuel Ferreira, e na revista Raízes, dirigida por Arnaldo França, e no livro Se a Luz é para Todos, tendo deixado, pelo menos, um livro inédito, intitulado Morrer Devagar, e de que alguns poemas foram publicados nas revistas Fragmentos e Pré-Textos, bem como no jornal-revista Artiletra.
São ainda de referir neste contexto os poetas António Lima, autor de poemas em francês, português e crioulo, constantes do seu livro Reminiscences et Errances, e Misá Kwasi que tem privilegiado o francês e o crioulo na sua escrita poética.
VII
O PAPEL DA TRADUÇÃO DE OBRAS LITERÁRIAS PARA O CRIOULO E DO CRIOULO PARA OUTRAS LÍNGUAS
Uma feliz ilustração das ainda inexploradas potencialidades e possibilidades de um convívio produtivo, são e profícuo entre a língua portuguesa e a língua caboverdiana tem sido a tradução para o caboverdiano de algumas grandes obras vazadas em língua portuguesa (mesmo sendo seus autores escritores caboverdianos lusógrafos). Tal foi o caso com a tradução para a variante de Santo Antão de pequenos excertos de Os Lusíadas pelo Cónego Manuel da Costa Teixeira e com a tradução para o crioulo da ilha Brava das Endechas para a Bárbara Escrava, também de Luiz Vaz de Camões pelo grande Eugénio Tavares.Tal ocorreu com a tradução para a variante do crioulo da ilha de São Vicente dos Evangelhos por Sérgio Frusoni a partir d uma sua versão em dialecto romano e vazado no livro Vangéle Contode de nos Moda. Sérgio Frusoni que também transpôs para o português os seus sonetos e outros poemas escritos em crioulo, desse labor resultando o livro bilingue publicado por Augusto Mesquitela Lima, que o anotou, comentou e completou e intitulou A Antropologia Poética de Sérgio Frusoni. O mesmo ocorreu com a tradução em diferentes variações para a variante de Santiago de sessenta e cinco Sonetos, de Luiz Vaz de Camões, e a sua publicação em livro para o efeito intitulados Ku ki Vos/Com que Voz, e da Ode Marítima, de Álvaro de Campos, por José Luiz Tavares, também publicado em livro para o efeito intitulado Ode Marítima/Odi Marítimu, depois de essa mesma experiência ter sido encetada por Arnaldo França, que, além de sonetos de Luiz Vaz de Camões, e da Ode MarÍtima, de Álvaro de Campos, também traduziu para o crioulo a Ode Triunfal, de Álvaro de Campos, e vários poemas de David Mourão Ferreira e de Sofia de Melo Breyner Andresen, alguns dos quais publicados na folha praiense Xatiadu Si, tendo o mesmo poeta igualmente traduzido para o português vários poemas em crioulo de Corsino Fortes, com destaque para “Recóde d´Humbertona” e “Pesadéle na Terra de Gente”. A mesma situação verifica-se com a tradução para o crioulo de A Invenção do Amor, de Daniel Filipe, e Capitão Ambrósio, de Gabriel Mariano, por Danny Spínola. Tal como Danny Spínola que tem traduzido para o crioulo textos de poesia ou de prosa literária de lavra própria, quer para o crioulo, quer para o português, conforme a língua original de labor literário, também José Luiz Tavares tem traduzido para o crioulo textos de lavra própria originalmente escritos em português, com destaque para o livro Paraíso Apagado por um Trovão, ocorrendo o mesmo com Manuel Veiga, que traduziu para o crioulo o seu romance Diário das Ilhas; com António Lima que traduziu para o francês as canções em crioulo do disco Korda Skrabu, dos Kaoguiamo, e alguns poemas em português e traduziu para o português os seus poemas escritos em francês, a sua principal língua de labor literário, integrando todos esses textos o seu livro Reminiscences et Errances, bem como com Eutrópio Lima da Cruz que vazou nas duas línguas de Cabo Verde o seu segundo e o seu terceiro romances. E os exemplos multiplicam-se no passado com Luís Romano que traduziu para “um português aproximado” os contos que, de forma pioneira, escrevera na variante de Santo Antão da língua caboverdiana, editando em versão bilingue o seu livro Negrume/Lzimparim, sendo ele igualmente o organizador de Contra-Vento - Antologia Bilingue (Crioulo-Português) de Poesia Cabo-Verdiana. Mais recentemente ocorreu o mesmo com Viriato de Barros que traduziu para o crioulo com o título Sonhu Sunhadu o livro de poemas Sonho Sonhado, da autoria da sua irmã e confrade Carlota de Barros; com Filinto Elísio Correia e Silva e a sua tradução para o crioulo com o título Bu More-m de uma obra (Morreste-me) de José Luís Peixoto e de outra de Gonçalo M. Tavares (Os Velhos Também Vivem) com o título Bedjus Tanbe ta Vive, para além dos louváveis casos da tradução para a variante de Santiago com o título Spingardas di Tia Karahr da obra Die Gewehre der Frau Karar a partir da sua tradução portuguesa pelo malogrado Horácio Santos (mais conhecido por Lalacho/Lalaxu) e para a variante de São Vicente da língua caboverdiana para efeitos da sua encenação pelo Grupo Teatral do Centro Cultural Português do Mindelo de vários dramaturgos de ressonância universal e repercussão mundial, como William Shakespeare e Federico Garcia Lorca, para além do escritor Armindo Tavares que tem editado a maior parte da sua já importante obra dramatúrgica em versão bilingue português-crioulo.
Louváveis são igualmente as traduções para a língua caboverdiana do Evangelho de São Lucas com o título Lukas - Notísia Sábi di Jizus (existindo uma tradução equivalente para a variante de São Vicente), da Constituição da República, por Frutuoso Carvalho, Bernardo Carvalho e Raimundo Tavares, sendo que foi já entregue à Presidência da República, que a encomendou, uma segunda tradução da Constituição da República da autoria do linguista Manuel Veiga, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida e editada pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos, e da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, da UNESCO, neste caso promovida pela Embaixada de Cabo Verde em Lisboa e da autoria de José Luiz Tavares.
Por isso, só podemos estar moderadamente optimistas com o futuro imediato e a médio prazo das duas línguas da República de Cabo Verde, desde que finalmente se ouse dar o passo decisivo: a co-oficialização plena dessas nossas duas principais línguas de laborliterário, assim instituindo de uma vez por todas o bilinguismo oficial em Cabo Verde (e sem quaisquer restrições que não sejam as advenientes da norma constitucional programática e relativa à natureza gradual no plano material dessa mesma oficialização plena da língua caboverdiana (aliás, complementar daquela norma que a venha a oficializar de forma plena se bem que somente político-simbolicamente), bem como a introdução com a máxima urgência da língua caboverdiana do ensino formal caboverdiano no seu todo.
Lisboa, Casa Fernando Pessoa, 15 de Setembro de 2018
Revisão e versões mais recentes de 4 de Maio de 2021 e de 12, 25 e 28, 29 e 30 de Novembro e de 8, 9, 10 e 18 de Dezembro de 2022
* Nota do Autor: O presente ensaio serviu de base, na sua primeira e inicial versão, para uma conferência proferida na Casa Fernando Pessoa em 15 de Setembro de 2018 no âmbito de um Festival sobre a Literatura-Mundo organizado pela Editora Rosa de Porcelana e, na sua presente versão desenvolvida, para duas aulas sobre a Literatura Caboverdiana por mim ministradas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa a convite da Professora Doutora Ana Mafalda Leite.
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