Um bueiro no cume do Estado
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Um bueiro no cume do Estado

Virou corriqueiro suspeitos, condenados e indiciados de crimes fugirem do país com a simplicidade de quem vai ao bar, anónimo, bebericar. Me admira, sobremaneira, haver um Serviço da Informação da República (SIR) que não antecipa nada, não sabe de nada ou se calhar finge não saber. Do jeito que as coisas estão, convinha recuperar um antigo e velho anúncio da antiga TNCV: não fuja, paga a taxa!, que é como quem diz, cumpra a pena.

Cabo Verde é um país sui generis, sabemo-lo. Não tem petróleo mas tem ricos, não tem diamante mas exibe riqueza, não tem cobre mas se cobre. Ainda que com rabo de fora. Digo isto com a mesma naturalidade com que as autoridades deste furado país encaram as suas próprias fragilidades, os seus rabos salientes, visíveis e chacoteiros.

Os criminosos, sejam eles condenados, suspeitos ou indiciados, mostram a cada dia um savoir-faire que parecem estar à frente do Estado-polícia-protector. Nos bairros – matam e ninguém descobre –, nos assaltos – frequência e modus operandi ludibriantes –, no armamento – confeccionam os seus, rudimentares, sim, mas não se lhes conhece a ‘fábrica’.

Isto tudo já se sabia, julgo eu, todavia, a indústria do crime em Cabo Verde vem ganhando mais espaço. Mais alternativas, mais meios, mais dinheiro. Agora, tudo se tornou mais volúvel e volátil, ante o beneplácito de quem devia estar de vigília – a polícia.

Reitero a sentença com igual sintaxe, irritado com a suposta apatia policial na hora de impedir suspeitos, condenados ou indiciados de furtarem a Justiça, fugindo do país, novo método, até aqui infalível, de escaparem por entre os dedos da ordem judicial que devia haver neste Cabo Verde.

Para a imprensa chegam comunicados sobre detenções e prisões, mas depois se apercebe que esse ou aquele indivíduo “perigoso”, “assassino”, “pedófilo”, etc. saiu do país de forma furtiva para se manter em liberdade noutro país. A tática, sabem muito bem as autoridades, é pôr o pé lá, ou seja noutro país, seja Senegal, Gâmbia ou Guiné Bissau. A partir dali, o fugitivo pede um salvo-conduto na embaixada cabo-verdiana, recupera seu passaporte e viaja para o país que não lhe difilcultará no visto.

Ok, se eu sei como funciona, muito mais saberão os que têm obrigação de controlar as fronteiras deste arquipélago. Só que sim. Sabem e muito bem. As fugas de suspeitos, com processos nos tribunais estão a aumentar sem que o Governo, através do Ministério da Administração Interna – tutela nesta matéria – ponha cobro. Parece, pois, evidente, que há gente nos serviços fronteiriços e não só a ‘abrir as pernas’. Só não me entra na cabeça tamanho descaso, isto é, nunca se ter aberto um inquérito para deslindar onde está a mazela.

Também se me afigura estranho haver um serviço secreto de informação da República, o SIR, que deve antecipar acontecimentos do tipo ou monitorar suspeitos com possibilidade de fugir do país e não saber de nada. E se fosse um terrorista? O SIR existe para quê, afinal? Como é possível os ‘fechólhos’ ficarem impunes?

O caso do Djonny – o suposto assassino de Zerina Gomes que fugiu do país há dias – é arraia miúda, assim como os arguidos da Operação Tróia, e do Arlindo Teixeira, cujo advogado, Amadeu Oliveira, acabou sendo condenado por atentado à integridade do Estado do direito Democrático, por causa da fuga do seu constituinte. O problema, creio crer, está mais acima, no aparelho estatal de controlo fronteiriço, uma vez que, para quem já viajou, se torna impossível sair do país sem as devidas identificações ou, se for clandestinio, sem vigilância aero-marítima. A meu ver existe um bueiro (buraco de escoamento de resíduos ou dejectos) que urge tapar, caso contrário não haverá alguém para julgar nesta terrinha literalmente de brando controlo.

Verdade, o bueiro (zona de fuga) está ao léu e a feder. Só não vê (achas?) e sente quem o criou e administra – o Estado. Esse Estado-vergonha que o PAICV e o MpD delapidaram conforme a bússola dos seus eleitores.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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