Santiago Magazine falou em exclusividade, via internet, com o fugitivo suspeito de ser co-autor material do assassinato da jovem salense Zenira Gomes, em 2021, na cidade da Praia. Djonny nega ter participado no crime, acusa Gelson, taxista e também arguido no processo, de instigar a sua criminalização – “a mando de alguém que quer apoderar-se do meu dinheiro” – e faz revelações bombásticas sobre o comportamento de agentes da Polícia Judiciária e denuncia inserção de falsidades na investigação.
Djonny está fora do país, escondido em parte incerta de um país qualquer, que recusa revelar. Deixou Cabo Verde, à socapa, depois que o tribunal da Praia mandou soltá-lo, ele e o outro arguido, o taxista Gelson, para aguardarem o julgamento do caso da morte de Zenira Gomes em liberdade, quando já haviam cumprido mais de 15 meses de prisão preventiva na Cadeia Central da Praia, em de São Martinho.
Aceitou falar com Santiago Magazine sem pestanejar e, antes de fazermos qualquer pergunta, foi logo afirmando de pronto: “não matei aquela menina, nunca matei ninguém na minha vida. Sou inocente”.
Não se conheciam antes? “não, eu a conheci num restaurante (n.d.r. em Portinho, praia balnear a sudeste da capital), nunca a tinha visto antes”.
Então como é que o colocam na cena do crime? “O rapaz é que me colocou na cena do crime”
Quem? “Gelson, o outro rapaz”…
O seu amigo…? “Eu o conheço, sim, porque ele trabalha para o meu primo. Portanto, não somos amigos assim”.
E por que ele faria isso? O que estará então por detrás dessa sua postura? “Eu acho que tem alguém por detrás que quer que eu pague por algo que não fiz. Alguém que quer me incriminar, ver-me na cadeia, criar-me problemas, para poderem se apoderar do meu dinheiro, dos meus bens. Só ainda não sei quem é. Sei que existe porque o Gelson, que é taxista de profissão não tem dinheiro para comprar depimentos falsos e incriminar terceiros”.
Os primeiros minutos de conversa com o norte-americano (Djonny nasceu nos Estados Unidos, filho de pais cabo-verdianos) foram assim mesmo, com frontalidade, sem titubeio, próprio de alguém que estava preparado para tirar tudo o que lhe está trancado na garganta. Ou quase tudo. Não mostra o rosto, não diz o seu paradeiro, não deixa pistas sobre quem estaria a conspirar contra si, não conta como saiu de Cabo Verde, nem quando, nem por onde escapuliu à vigilância das autoridades, sendo certo que o seu passaporte está ainda na posse da Judiciária.
“Fiz o que fiz sob minha inteira e total responsabilidade. O que eu estava a passar dentro da cadeia e o tratamento que estava a ter me obrigaram a usar as minhas influências e dinheiro para sair de Cabo Verde”.
A referência a dinheiro e influências é porque Djonny se apresenta como empresário do ramo do comércio automóvel nos EUA, razão pela qual garante ter já vindo a Cabo Verde 42 vezes em viagens de negócios, exigindo que parasse três meses ou mais em contactos, segundo diz.
Sem ADN, sem balística
Quando foi descoberto o corpo de Zenira Gomes crivado de balas, e abandonado na zona de Laranjo, nas imediações de Achada São Filipe, no dia 26 de Julho de 2021, o americano-caboverdeano já estava há uns três meses na Praia. O cadáver da jovem salense, na altura com 35 anos, foi encontrado no dia 29, três dias depois do seu desaparecimento, depois de ter sido vista numa festa na zona de Portinho, onde também estavam Djonny e Gelson.
O americano jura que não estava no carro com Zenira Gomes. “Quando sai daquela festa estava eu e o Gelson no carro, a menina ficou para trás. Eu estava embriagado, dormi no carro e quando cheguei à Terra Branca, o Gelson me acordou e fui me deitar. No dia seguinte chamei-o para pedir que trouxesse o carro pois a minha mulher e filha chegariam nesse dia e tinha que as ir buscar ao aeroporto. Eu não teria como conduzir essa mesma viatura que a PJ diz ser onde ocorreu o homicídio para ir buscar a minha família horas depois no aeroporto”.
Mas esse argumento não convenceu a Polícia Judiciária, que o deteve em Agosto desse mesmo ano por haver fortes indícios de ser o autor material, juntamente com o taxista Gelson, do assassinato de Zenira Gomes. As evidências indicadas pela PJ levaram o Tribunal a decretar a prisão preventiva dos dois, até os mandar soltar em Dezembro passado por falhas processuais – o americano não domina o crioulo, não entende o português, daí o juiz ordenar a anulação do despacho de acusação que estava redigido em português – com apresentação semanal nas instalações na Judiciária.
Mas Djonny, que falou com Santiago Magazine em inglês, com uma ou duas frases desajeitadas em crioulo, agora longe das autoridades cabo-verdianas traz à ribalta informações do processo que não eram do conhecimento público, como um dado que diz ter avançado para a PJ de que, na cadeia, ficou a saber que Zerina tinha problemas com um ex-namorado, que é filho de um policial de alta patente da PN, informação essa que, segundo ele, os investigadores não levaram em conta.
“Fizeram uma armação para cima de mim e caí nessa armadilha. Veja, como é que há uma acusação contra mim de ter atirado à queima-roupa contra uma mulher dentro do meu carro e não há provas de ADN a comprovar isso. Nem mesmo o exame de balística prova que fiz o disparo, não há vestígios de pólvora, buracos de bala no carro, nem invólucro foi encontrado. E logo com uma arma 9mm, como disse a PJ no processo”, analisa o nosso entrevistado, em jeito de defesa das acusações que recaem contra si e que, mesmo com a sua evasão do país, continua a correr os seus trâmites no Tribunal da Praia.
Djonny afirma não ligar a mínima a isso, porque assistiu a “coisas muito estranhas”. Primeiro, o papel do co-arguido, Gelson. “Gelson durante o tempo que estávamos na cadeia estava a comprar outros presos jovens para afirmarem que eu lhes contei ter matado aquela menina. Testemunhas essas que a defesa já arrolou no processo. Como faria isso, desabafar uma coisa dessas com pessoas que não conheço de parte alguma?!! É um absurdo. E depois foram estes jovens de Assomada que estavam no isolamento me contaram depois que o Gelson lhes pediu para dizerem à PJ que eu lhes tinha dito que matei a moça. A Polícia Judiciária foi lá buscar esses rapazinhos para contarem essa versão no depoimento como testemunhas e eles recusaram, então foram devolvidos à cadeia e ameaçados para não dizerem nada do que se passou. Isso é tudo prova de como o meu processo estava a ser tratado.”
Policiais ‘sujos’?
O nosso interlocutor tem mais acusações contra a Polícia Judiciária. “Na cadeia cheguei a receber propostas da PJ, por intermédio de terceiros, que me pediram dinheiro em troca da eliminação de algumas provas que teriam e eventualmente a minha inocência, ou seja, me tiravam do processo se eu lhes pagasse. Foi como fizeram com o Zé Esterra, quando elementos da PJ foram extorquir dinheiro e bens (duas viaturas) aos familiares do Zé. Como já foram apanhados querem descontar em outra pessoa”, compara Djonny, que, mesmo com a insistência de Santiago Magazine, se recusou a avançar os nomes desses agentes que o abordaram na prisão. “Não digo por causa da minha segurança e da sua (do jornalista) também”, me alerta, com calma, mas com voz austera.
Aliás, Djonny repete o argumento 'segurança' quase a cada frase e recusa, jeito nenhum, ser considerado um fugitivo da polícia. “Não sou fugitivo, estou a fazer isso por causa da minha segurança. A forma como a polícia abusou de mim, a forma como me trataram e, principalmente a forma discriminatória como o sistema cabo-verdiano trata cidadãos americanos, sobretudo se acharem que foram deportados, é vergonhosamente injusta e desigual. Não tinha justiça para mim em Cabo Verde se ficasse. Pensaram que eu era um deportado, eu sou um empresário não fui deportado para Cabo Verde e lá em Cabo Verde quem é deportado tratam com discriminação, desprezo. Não existe nenhuma prova pericial contra mim, absolutamente nada, apenas o que alguém, no caso o Gelson, disse é que serviu para a Polícia me incriminar, numa língua que não entendo”.
“Saí para me pôr em segurança, a mim e a minha família. E não me arrependo, era a melhor coisa a fazer. Sofri bastante, entrei em São Martinho com 139 kg e saí com pouco mais de 100 por causa dos abusos dos guardas”, lamenta Djonny, que deixa para trás (apreendidos na sede da PJ), duas viaturas, uma das quais tidas como o carro do homicídio, avaliadas em 100 mil dólares, e negócios. "Se a justiça que fizerem for limpa (julgamento à revelia), vou voltar à terra dos meus pais outra vez".
Ou se fazendo de vítima ou sendo mesmo inocente como diz ser, a verdade é que a fuga de Djonny de Cabo Verde poucas semanas depois de ter sido libertado para aguardar julgamento em liberdade voltou a evidenciar as fragilidades do país em matéria de segurança fronteiriça. Antes, os arguidos da Operação Troia – que deteve, no bairro de Eugénio Lima, na Praia, 17 traficantes, apreendeu onze quilos de cocaína, 16 mil contos em dinheiro e armas de diversos calibres – tinham fugido do país, assim que o Tribunal baixou a sua medida de coação de prisão preventiva para Termo de Identidade e Residência, actos que, seguramente, contaram com o suporte logístico e operacional de elementos instalados no controlo de segurança nas muitas cadeias de serviços do Estado. Amadeu Oliveira é o único cidadão que foi condenado por esse crime de atentado contra a Integridade do Estado de Direito, havendo mais casos menos mediáticos que já ocorreram na barba cara das autoridades.
Santiago Magazine espera ter, à qualquer oportunidade, a versão do taxista Gelson, co-arguido na morte de Zenira Gomes, um crime macabro que Cabo Verde terá de saber quem está a mentir e o que realmente se passou naquela fatídica noite de 26 de Julho de 2021.
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