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Ulisses ridiculariza e flagiliza a democracia
Colunista

Ulisses ridiculariza e flagiliza a democracia

A fragilização da democracia e do estado de direito democrático pode ser um processo histórico intermediado por ataques diretos ou velados aos seus institutos democráticos. Quando se tem políticos que se preocupam mais com a sua manutenção no poder contra o interesse público e o futuro do país o risco de fragilização democrática é enorme e o povo deve reagir exigindo as responsabilidades devidas.

A institucionalização do regime democrático de governo em Cabo Verde nos anos 1990 implicou a assunção de riscos e de responsabilidades aos atores políticos, até então desconhecidos.

Com efeito, a partir de 1991, com as eleições livres, directas, periódicas, plurais e democráticas para o parlamento e, indiretamente, a nomeação do Governo oriundo da formação partidária mais votada para uma Legislatura de cinco anos, experimentamos estabilidade, previsibilidade e governabilidade política ao longo desses 32 anos de democracia.

Uma das explicações da estabilidade e da governabilidade pode ser encontrada no sistema bipartidário, de um lado e, de outro lado, na fraqueza política da sociedade civil.

Com um sistema bipartidário, significa que o partido que ganha a eleição consegue uma maioria no Parlamento e forma o Governo sozinho e mantém a estabilidade governativa por toda a legislatura, independentemente, do seu bom ou mau desempenho.

Historicamente, observa-se um elevado nível de disciplina partidária nos dois partidos políticos que revezam no poder em Cabo Verde, isto é, os deputados do MpD e do PAICV seguem a indicação de voto dos seus líderes parlamentares com elevada probabilidade (embora excepções tenham ocorrido, por exemplo, na Legislatura passada aquando das votações da Regionalização e do Estatuto Especial para a Praia em que alguns deputados destoaram de seus líderes).

Assim, a votação de uma moção de censura ao Governo (art. 180º, c) c/c art. 201º, nº 1 CRCV) previsivelmente, seguiria o histórico do padrão das outras votações parlamentares pretéritas, como efetivamente ocorreu.

Importa realçar que o resultado da votação da moção de censura ao Governo na passada sexta-feira, 14/07/23 refletiu tão somente a composição de forças saídas das últimas legislativas de 2021 e não a avaliação do desempenho do Governo.

Entretanto, destaca-se como resultado da votação dessa moção de censura a (1) unidade da votação da oposição (PAICV + UCID) contra a votação da situação (MpD); (2) a exposição do MpD às suas contradições (ser contra a moção de censura agora (2023) quando outrora (2006) fora a favor e a apresentara; ser um Governo “legítimo” quando para se defender precisou-se refugiar no passado; ser um governo “democrático” quando ridiculariza institutos democráticos) e (3) a fragilização do Governo (o Governo ao invés de apresentar resultados de seu desempenho teve que se defender e muito mal conseguiu se escusar de acusações de falta de transparência). Enfim, a onda de produção de notícias negativas sobre o desempenho do Governo foi o principal saldo da apresentação da moção e, consequentemente, pioraria as suas intenções de voto caso as eleições fossem hoje!

Estranhamente, o PM, Ulisses Correia e Silva acusa o PAICV de querer derrubar o seu Governo quando nem os votos somados de toda a oposição unida conseguiria tal intento.

UCS ao escalar o conflito político a esse patamar, desnecessariamente, cria um perigo para a nossa frágil democracia: ele desqualifica a utilização de um instituto parlamentar, constitucional e legal que, ironicamente, ele próprio utilizara em 2006, como sendo um quase “atentado à democracia” para se furtar à discussão principal proposta na moção que era a falta de transparência na sua governação.

Para já, para se derrubar um Governo legitimamente eleito e de forma legal (não através de golpe de estado) não é necessário a tramitação parlamentar verificada, basta recorrer à história política recente em diferentes países democráticos ou não para ver que sindicatos, manifestações de rua e as novas tecnologias de informação e de comunicação derrubam Governos fácil e rápidamente!

O PM ao desprezar o debate parlamentar do instituto moção de censura semeia e alimenta o risco de aparecimento de soluções milagrosas “não institucionais” populistas contra bons governos no futuro.

Se os constituintes colocaram na Constituição determinados institutos e os atores políticos aceitaram o jogo de cumprir e respeitar a Carta Magna, enquanto tais institutos estiverem em vigor, independentemente, de se gostar ou não deles há que respeitá-los e fazer cumpri-los e aqueles que os menosprezam deveriam ser denunciados e afastados dos seus cargos em coerência com a vivência da exigência de estado de direito democrático.

Com efeito, o MpD, em 2006, tendo UCS como líder parlamentar, utilizara esse mesmo instituto – moção de censura – contra o Governo do PAICV e quando insurge agora, em 2023, contra a sua utilização seria como se num jogo de futebol uma equipa marca um golo de falta contra um adversário e comemora o golo e, no momento seguinte, quando o adversário marca o seu golo também através de uma bola parada, de falta, e empata o jogo, essa equipa que sofreu o golo e que já tinha marcado um golo anteriormente diz que golo de bola parada não vale mais e que esse golo deve ser anulado!!!! Ridículo, ridículo, ridículo!!!!

A fragilização da democracia e do estado de direito democrático pode ser um processo histórico intermediado por ataques diretos ou velados aos seus institutos democráticos.

Quando se tem políticos que se preocupam mais com a sua manutenção no poder contra o interesse público e o futuro do país o risco de fragilização democrática é enorme e o povo deve reagir exigindo as responsabilidades devidas.

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