Tudo Começou nos EUA: Como Ulisses Fragmentou o MpD
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Tudo Começou nos EUA: Como Ulisses Fragmentou o MpD

O futuro do partido reside na capacidade de resgatar sua essência, reconectando-se com as bases e cultivando um ambiente onde o dissenso seja visto como um motor de inovação, e não como uma ameaça. Mais do que uma mudança de lideranças, o MpD precisa de uma transformação de paradigma, um retorno ao espírito de família que outrora o definiu. A derrocada de Ulisses começou nos EUA, mas suas lições ecoam em todo o partido. Para renascer, o MpD precisa abandonar o legado de fragmentação e abraçar uma nova era de união e propósito. Afinal, o verdadeiro poder de um movimento reside não em seus líderes, mas na força coletiva dos que acreditam nele.

O enfraquecimento do Movimento para a Democracia (MpD) sob a liderança de Ulisses Correia e Silva tem suas raízes nos Estados Unidos, onde medidas autoritárias contra a Comissão Política Regional (CPR) desencadearam uma série de rupturas internas. A CPR, outrora um exemplo de coesão e estratégia para o partido, foi alvo de uma política deliberada de isolamento, fruto da incapacidade de Ulisses em valorizar a pluralidade partidária.

Ao impor diretrizes que proibiam dirigentes de interagir com membros da CPR, seja em redes sociais ou em discussões políticas, Ulisses iniciou um processo de desagregação que minou a unidade partidária. Essa instrumentalização de militantes, visando fortalecer sua autoridade pessoal em detrimento do diálogo democrático, enfraqueceu um dos pilares estratégicos do MpD e comprometeu a confiança nas lideranças regionais. O episódio nos EUA não foi apenas simbólico, mas estruturante: inaugurou um modelo de governança interna centrado na exclusão e na imposição, cujos efeitos se propagaram por todo o partido, aprofundando divisões e comprometendo sua resiliência política.

A Glória e o Desprezo pela CPR dos EUA

A CPR dos EUA, sob lideranças robustas e bem articuladas, era o epicentro de uma diáspora engajada. Mais do que um núcleo político, esta comissão assumia a responsabilidade de financiar atividades, incluindo a emblemática campanha presidencial de Jorge Carlos Fonseca. Contudo, a ascensão de Ulisses ao comando trouxe uma virada sombria. Dominado por uma confiança desmedida em sua popularidade, Ulisses ignorou a base que o sustentava, acreditando estar acima de qualquer desafio ou contraponto. Em sua sanha de promover Harolde Tavares — de forma autoritária e indiferente à vontade da CPR —, Ulisses desconsiderou as vozes de lideranças que haviam construído anos de confiança e conexão com a militância. Esta imposição não apenas rompeu com os alicerces estabelecidos, mas instaurou um clima de desilusão e fratura.

Fragmentação e Alienação da Militância

A dissolução não foi apenas administrativa, mas profundamente simbólica, um verdadeiro golpe no âmago do partido. Militantes influentes, com histórico de mobilização e lealdade, foram isolados por perseguições veladas e uma campanha de difamação sistemática. Jorge Santos, um veterano do MpD, foi enviado de Cabo Verde para semear divisões, com a missão de eliminar vozes dissonantes. O que antes era um movimento estruturado, capaz de galvanizar os corações da diáspora, passou a ser uma entidade enfraquecida, privada de legitimidade. Reuniões passaram a ocorrer em casas de particulares, um símbolo gritante do retrocesso e do improviso. Sem uma liderança clara, a CPR dos EUA tornou-se um eco pálido de sua antiga glória.

A Homenagem a Carlos Veiga: Um Teste de Lealdade

O ambiente de hostilidade atingiu o ápice durante a homenagem ao Dr. Carlos Veiga, um evento idealizado por militantes nos EUA para celebrar uma das figuras mais emblemáticas do partido. Ulisses, acompanhado por uma comitiva de peso em Boston, incluindo ministros como Elísio Freire e Olavo Correia, boicotou deliberadamente o evento. Com ordens claras para que ninguém comparecesse, a comitiva optou por um jantar na residência de um militante aliado em Dorchester, numa afronta calculada contra Veiga. Sob o pretexto de evitar ataques da oposição, Ulisses demonstrou uma liderança mesquinha e divisiva, incapaz de transcender interesses pessoais em nome da unidade. Apesar do boicote, a homenagem foi um sucesso retumbante, mas serviu como um presságio. Ulisses mostrava-se mais interessado em consolidar seu poder interno do que em fortalecer o legado do partido.

A Sabotagem da Candidatura Presidencial de Carlos Veiga

Carlos Veiga, um líder carismático e experiente, lançou sua candidatura presidencial com uma estratégia cuidadosamente delineada. Nos EUA, militantes da antiga CPR organizaram um aparato logístico impressionante: sedes em várias cidades, equipas mobilizadas e recursos à disposição. Todavia, a intervenção de Ulisses foi novamente desastrosa. Ao impor a condução da campanha a aliados pessoais, desprovidos de conexão com as bases, ele desmantelou o esforço coletivo. A estratégia foi anulada, resultando na maior derrota do Veiga nos EUA, onde o líder obteve menos de mil votos — um fracasso monumental num círculo tradicionalmente favorável. Esse episódio marcou não apenas a derrocada do Veiga, mas também a morte simbólica da relevância política do MpD na diáspora.

Escolhas Duvidosas e Desgaste Estrutural

A nomeação da cabeça de lista para os EUA revelou-se emblemática da miopia estratégica de Ulisses. A escolha, de uma figura que admitiu não estar preparada, aceitou o desafio por deferência ao líder. Essa escolha, que deveria consolidar a força do MpD na diáspora, expôs a desconexão entre a liderança central e as realidades locais. A derrota só não foi mais acachapante devido à fragmentação interna do PAICV e à alta abstenção, demonstrando que o declínio do MpD nos EUA era mais sintomático de sua gestão interna do que do contexto político geral.

O Legado da Divisão e Intolerância

A liderança de Ulisses Correia e Silva inscreve-se como um período de desintegração progressiva no MpD. Em vez de promover um ethos de unidade e renovação, ele cultivou um ambiente de medo e rancor. Militantes históricos, outrora pilares do partido, foram tratados como adversários internos, alimentando uma cultura de hostilidade que afastou talentos e desmotivou as bases. O que era um movimento dinâmico e inclusivo em 1990, triunfando nas primeiras eleições livres e justas de Cabo Verde, transformou-se numa entidade paralisada pela centralização de poder e pelo autoritarismo.

O Caminho para a Renovação: Um Novo Horizonte

A crise do MpD não é irreversível, mas exige uma ruptura clara com o modelo atual de liderança. O partido necessita de figuras que encarnem os valores originais do movimento — inclusão, diálogo e solidariedade. Ulisses Correia e Silva mostrou-se incapaz de transcender seu estilo combativo e egocêntrico. O MpD não pode prosperar sob a égide de uma liderança que prioriza interesses pessoais e perseguições internas em detrimento do bem coletivo. O futuro do partido reside na capacidade de resgatar sua essência, reconectando-se com as bases e cultivando um ambiente onde o dissenso seja visto como um motor de inovação, e não como uma ameaça. Mais do que uma mudança de lideranças, o MpD precisa de uma transformação de paradigma, um retorno ao espírito de família que outrora o definiu. A derrocada de Ulisses começou nos EUA, mas suas lições ecoam em todo o partido. Para renascer, o MpD precisa abandonar o legado de fragmentação e abraçar uma nova era de união e propósito. Afinal, o verdadeiro poder de um movimento reside não em seus líderes, mas na força coletiva dos que acreditam nele.

 

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Comentários

  • Maurino de camões Brito Delgado, 12 de Dez de 2024

    Se o MPD quer continuar a ser um Partido útil ao desenvolvimento de Cabo Verde deve afastar a liderança do Dr. Ulisses Correia e Silva porque veio provar que não tem o devido sentido de responsabilidade para as funções que desempenha, repito, para as funções que desempenha. Como Presidente do MPD e Primeiro-Ministro é o principal responsável pela crise política instalada na Câmara Municipal de São Vicente no mandato 2020/2024. Assunto para debate.
    14 h
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