A liderança do MpD está em estado de desespero, negando as razões do desaire eleitoral e achando que ainda vai a tempo de inverter a roda da história. Para esta gente, os eleitores é que estão equivocados, são ignorantes e ingratos. E isso é muito visível nas redes sociais, onde os delinquentes digitais atacam pessoas, acusam alguns proeminentes militantes de traição e, ao invés de agregarem (o que seria fundamental para tentar ganhar em 2026), afastam de forma inexorável críticos e independentes, colocando-os no patamar dos “inimigos do partido”.
Saído muito chamuscado das eleições autárquicas de 2024, o MpD vive momentos difíceis, entre o abatimento e a negação. A tendência principal vai no sentido de rejeitar a ideia de que o resultado eleitoral se tratou de um cartão vermelho ao governo Ulisses/Olavo e ao próprio partido, cuja liderança abandonou as bases, instituiu métodos autoritários de relacionamento interno e afastou tudo o que cheirasse ao mínimo de contestação, mesmo que séria, empurrando para o terreno dos “inimigos” críticos e independentes que, em 2016, foram fundamentais para a vitória eleitoral do MpD.
Doze anos após a vigência desta liderança partidária, é evidente a existência de um plano bem orquestrado para assaltar o MpD e, a partir daí, promover um assalto ao aparelho do Estado. Tratou-se de um projeto de poder pessoal, mas vai muito para além disso, trazendo por arrasto a intenção de descaracterizar o MpD, rompendo com a sua identidade histórica e a sua natureza popular.
O assalto ao partido
Para levar o plano adiante, havia que despolitizar o partido, promover uma revisão estatutária desorganizando toda a estrutura partidária e concentrando no presidente todo o poder, esvaziando a autoridade política dos órgãos de direção, nomeadamente, a Comissão Política Nacional e a Direção Nacional, mas, também, abandonando as bases que, a partir daí, cumpririam apenas o papel de coladores de cartazes e de cabos eleitorais.
A estratégia para as legislativas de 2016 assentou na ocultação do partido, que passou a chamar-se “Cabo Verde”, e na glorificação e culto da personalidade de Ulisses Correia e Silva, apresentado a partir daí como uma espécie de figura providencial. A primeira fase do processo de liquidação do MpD estava praticamente concluída.
Ulisses foi apresentado como o grande vencedor das eleições de 2016 – ele e apenas ele -, ocultando-se completamente o papel da militância e um dado fundamental: os elevados níveis de rejeição do governo de José Maria Neves que, por arrasto, dificultaram qualquer afirmação da então líder, Janira Hopffer Almada.
Isto é, qualquer que fosse o líder do MpD, as condições objetivas para uma vitória eleitoral estavam lá todas, às costas da maioritária vontade popular de mudança de ciclo. Aliás, a mesma que agora se manifesta, desta feita, ao governo de Ulisses/Olavo.
O assalto ao aparelho do Estado
Embora já com manifestações anteriores de descontentamento, o sentimento de insatisfação da militância e da base de apoio assume particular relevância com a chegada do MpD ao poder, começando a ruir o mito do “somos diferentes, fazemos diferente”, da “transparência”, da “meritocracia” e outros chavões de uma propaganda despida de conteúdo.
O partido de Ulisses, que há muito deixara de ser o MpD, afinal, também não era “Cabo Verde”, antes uma espécie de sociedade anónima com um (mau) conselho de administração e plataforma para a distribuição de cargos aos amigos, de momento (salvo uma ou outra circunstância conjuntural) que se posicionassem por uma atitude de fidelidade e reverência ao líder incontestado… O processo de assalto ao aparelho do Estado iniciava a sua caminhada.
À sua volta, Ulisses rodeia-se, no essencial, do grupo sistémico que já o havia acompanhado na Câmara Municipal da Praia, juntando, pelo meio, alguns convertidos ao “ulissismo” e ao exercício autocrático do poder, que é uma das características da personalidade do ainda primeiro-ministro
Liderança não aprende com a história
De lá para cá a história é conhecida: após o pico de aceitação pública e de benefício da dúvida, o declínio da aceitação pública do governo começa a fazer mossa. Em 2020, nas eleições autárquicas, surge o primeiro alerta, com perda de seis câmaras municipais, passando o MpD de vinte para catorze autarquias. Em 2021, o partido ainda consegue ganhar as eleições legislativas, mas, dois anos após, os dados avançados pela Afrosondagem indicam uma tendência de rejeição consistente, olhada com sobranceria pela liderança ventoinha que manteve o mesmo estilo de governação, as mesmas políticas e o mesmo virar de costas à militância e à base de apoio do partido. Os resultados das eleições de 01 de dezembro não podiam ser outros.
A liderança do MpD não aprende com a história e, tendo em conta os sinais em presença, vai caminhar no mesmo sentido em direção às legislativas de 2026. A liderança do MpD está agarrada ao poder, sendo evidente que só o larga pela força, neste caso, pela vontade popular que, expressando-se através da contestação social e do voto, irá, tudo o indica, remeter o governo Ulisses/Olavo para a reforma.
Desespero lavra o caminho da derrota
A liderança do MpD está em estado de desespero, negando as razões do desaire eleitoral e achando que ainda vai a tempo de inverter a roda da história. Para esta gente, os eleitores é que estão equivocados, são ignorantes e ingratos. E isso é muito visível nas redes sociais, onde os delinquentes digitais atacam pessoas, acusam alguns proeminentes militantes de traição e, ao invés de agregarem (o que seria fundamental para tentar ganhar em 2026), afastam de forma inexorável críticos e independentes, colocando-os no patamar dos “inimigos do partido”.
Esta estratégia (chamemos-lhe assim) está completamente errada e o resultado só pode ser a repetição do desaire eleitoral de 01 de dezembro, de uma forma ainda mais avassaladora, como, aliás, o último estudo da Afrosondagem parece indiciar.
Inverter esta tendência, nas atuais circunstâncias, é absolutamente impossível. Qualquer mudança interna (ao nível do governo e do partido) já vem tarde.
É evidente quem está a destruir o MpD e não é, seguramente, a oposição!
Comentários
Ventoinha Original, 23 de Dez de 2024
Sr. Pinho, gostei imenso do seu artigo… muitas verdades. Porém, devo dizer-lhe que ouvi quase exatamente a mesma análise anos atrás. O autor dessa análise colocou o começo da desconstrução, pedra por pedra, do MpD desde do Sr. Carlos Veiga — o homem que tinha o governo e os tecnocratas como modelo político exemplar de liderar o partido. Ulisses foi a consequência desse modelo do Sr. Veiga que o inventou do nada. Por isso Ulisses faz o que só aprendeu com o seu guru.
Responder
O seu comentário foi registado com sucesso.