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Proteção Civil ao abandono
Colunista

Proteção Civil ao abandono

A elaboração e a actualização das cartas de risco, de planos de emergência não são um luxo, mas instrumentos indispensáveis. Não há prevenção sem sensibilização das populações. Seria interessante a introdução destas matérias nos currículos escolares, bem como potenciar as novas plataformas de informação e a comunicação social numa estratégia de sensibilização e formação dos cidadãos. É necessário criar condições, meios e recursos humanos. É necessário também um adequado financiamento do sistema de Proteção Civil e das Associações de Bombeiros, libertando-as do sufoco em que se encontram e uma efectiva transferência de verbas para as autarquias que lhes possibilitem assumirem plenamente as suas competências e em condições de igualdade para todos os municípios.

As questões relacionadas com a Proteção Civil têm vindo a assumir uma crescente relevância. Porque crescem os problemas e as preocupações ambientais e os fenómenos extremos são cada vez mais intensos e frequentes. Mas também porque o sistema tem vindo a ser cada vez mais posto à prova e, por essa razão, as falhas e insuficiências da estrutura são cada vez mais notadas. O sinistro em Ribeirão Fundo, em Santo Antão e o  incêndio na Pocilga, zona industrial de Sal Rei(Boa Vista), veio demonstrar que não existem os meios suficientes, que a prevenção e o planeamento não foram eficazes.

Diz o nosso povo que só se lembram de Santa Bárbara quando faz trovões. E muito boa gente em Cabo Verde só se lembra da prevenção, do sistema de protecção civil quando há incêndios. O sistema de Proteção civil é muito mais que combate a incêndios.

E tudo começa na prevenção ancorada em opções políticas de fundo que é preciso ter vontade e coragem para implementar. Ora não é isso que temos visto. Prevenção contra incêndios, mas também contra sismos, inundações, acidentes graves e catástrofes de diverso tipo. Estamos devidamente preparados? Parece-nos que não.

Com o ordenamento de território e a política de urbanismo sujeitas a interesses nem sempre louváveis e ao negócio especulativo, com a construção em cima de leitos de cheia, com prédios e empreendimentos turísticos que entram pelo mar dentro, não será de esperar que um temporal mais intenso faça galgar as águas?

A Proteção Civil é multidisciplinar e plurisectorial, e constitui um domínio da responsabilidade política transversal do Estado, tanto ao nível central como local. O sistema tem sido alvo de inúmeras experiências e alterações legislativas e organizacionais ditadas quer por alterações no poder político, quer pela ocorrência de situações de enorme gravidade.

Mas, como diz o povo, após “casa arrombada trancas na porta”. Este adagio reflete bem a atual situação da Proteção Civil cabo-verdiana. De facto, depois do sinistro em Ribeirão Fundo, no planalto Leste da ilha de Santo Antão, os autarcas da ilha, os principais responsáveis regionais do sistema de Proteção Civil concelhia, vem defender a necessidade de medidas imediatas face às calamidades no terreno, chamando a atenção para a necessidade urgente de concretização das medidas há muito identificadas, alertando para a necessidade de uma reflexão mais ponderada sobre a estrutura da Protecção Civil cabo-verdiana.

Esquecendo que essa profunda reflexão, envolvendo os diversos agentes envolvidos, a chamada sociedade civil e as universidades não se concretizou por culpa dos próprios responsáveis municipais, que privilegiaram a resposta casuística e o efeito mediático à tomada de medidas concretas, designadamente na formação dos agentes de proteção civil (bombeiros e forças de segurança) e no fornecimento de equipamentos.

São décadas de crescente desresponsabilização do Estado central e das autarquias. Ora o problema radica em primeiro lugar no assumir de responsabilidades pelo poder político, no reconhecimento do que não está bem e na vontade política para fazer o que precisa de ser feito envolvendo todas as partes e quem conhece no terreno a situação e garantindo os meios necessários.

Ora o que vimos assistindo ano após ano, são os governantes, incluindo os presidentes de câmara, a chamarem a si os louros do que vai correndo bem e a anunciarem medidas e verbas umas atrás das outras para encaixarem na ideia de que tudo está planeado, previsto, organizado, ao mesmo tempo que as fragilidades se tornam visíveis e os erros vêm ao de cima, empurrando sempre a culpa para outros!

A realidade está a mostrar que os responsáveis políticos regionais e nacionais em vez de quererem comandar os bombeiros deveriam estar empenhados na coordenação entre os vários agentes, na organização da logística (alimentação, abastecimento de combustíveis incluindo para os meios aéreos, abastecimento de água para o combate, na proteção da vida e dos bens, incluindo a evacuação das populações).

É fundamental a consideração da proteção civil como parte integrante dos diferentes instrumentos de planeamento e ordenamento do território, quer a nível nacional, quer regional ou municipal. Não há sistema que resista à incúria, ao desleixo, à desertificação e ao despovoamento.

A elaboração e a actualização das cartas de risco, de planos de emergência não são um luxo, mas instrumentos indispensáveis. Não há prevenção sem sensibilização das populações. Seria interessante a introdução destas matérias nos currículos escolares, bem como potenciar as novas plataformas de informação e a comunicação social numa estratégia de sensibilização e formação dos cidadãos.

É necessário criar condições, meios e recursos humanos. É necessário também um adequado financiamento do sistema de Proteção Civil e das Associações de Bombeiros, libertando-as do sufoco em que se encontram e uma efectiva transferência de verbas para as autarquias que lhes possibilitem assumirem plenamente as suas competências e em condições de igualdade para todos os municípios.

Foi triste e vergonhoso, ouvir da boca do Presidente da Câmara municipal do Porto Novo que é necessário uma proteção civil regional. Aproveito para perguntar o que ele fez, no seu concelho, para profissionalização, por exemplo, dos voluntários já existentes. Até porque tem competências para isso...

Por coincidência os três presidentes Câmara de Santo Antão são todos da mesma cor política do Governo (MPD) e, por isso, poderiam ter pressionado o executivo cabo-verdiano para a necessidade de profissionalização da Proteção Civil nacional, regional e concelhia. Mas isso não dá votos...

Em resumo, a Proteção Civil em Cabo Verde está ao abandono  e com responsáveis sem qualificações. Basta lembrar, os mais recentes sinistros, nomeadamente aquele que ceifou a vida a militares e a um civil.

Senhores Presidentes dos municípios de Cabo Verde: pensem mais no povo e na defesa dos seus bens e vidas...

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