Volta e meia, assim do nada, reaparece o Procurador Geral da República a erguer a espada de Dâmocles sobre críticos do sistema e acima da cabeça da imprensa livre e independente, que pesquisa e denuncia os seus podres e maus odores. A bitola é tão rasa que chega a ser risível: por que eu, Hermínio Silves, e o jornalista Daniel Almeida, somos acusados de desobedecer o segredo de justiça no caso da estranha morte de Zezito Denti d’Oru e não se levantou igual processo quando eu mesmo revelei os sonantes nomes dos indiciados na máfia de terrenos da Praia, que também está sob sigilo judicial? É preciso retrato falado ou sofrem de pitosga?
Ando atarefado (ainda bem) com uma catrefada de coisas a fazer que nem fui hoje a um almoço de fim de semana, para o qual fui convidado, só para poder terminar umas peças. Mas não resisti a fazer uma pausa para meter o bedelho neste tema que me tem saído caro. O poder judicial e as suas esquisitices!
Sim, cada vez me apercebo melhor que o possível móbil do Procurador-geral da República, Luis José Landim, é demover, por via da intimidação judicial, o trabalho da imprensa. Se calhar, não sei, lhe convém agir deste modo, se calhar lhe apraz satisfazer a vontade ou talvez respaldar confrades a ver se não sai chamuscado da fogalha que à medida que se vai apagando, o próprio PGR, parece entusiasmado a acender de novo o fósforo para queimar seus fantasmas imaginários mas que no fundo queima e cerca o seu redor.
Há anos – e o PGR sabe-lo bem – que denuncio maus comportamentos de magistrados no sistema de Justiça em Cabo Verde. Ora, se a Justiça tem obrigatoriamente de ser justa, também a imprensa tem o poder e dever de fiscalizar o seu ‘modus operandi’. O problema é que quando a comunicação social – bastas vezes acusada de não prestar bom serviço e de estar a reboque da agenda política – tenta ir além, ajudar a desvendar mistérios nos quais o próprio Estado (a PJ) aparece na lista de suspeitos tudo pára e as flechas se viram contra os jornalistas, os elos mais fracos.
O PGR, qual deus de pequenas coisas ou intocável pelo prisma do seu espelho, voltou esta sexta-feira, 31 de Março, a brindar o país com mais uma relíquia para os anais da história deste país: veio acusar a presidente da Autoridade Reguladora de Comunicação Social, Arminda Barros, de ser parcial na análise que ela, Barros, fez da actividade jornalística em Cabo Verde no ano passado. Arminda Barros, ao entregar o relatório da imprensa em 2022, lembrou que o sector encontrou dificuldades no exercício das funções quando jornalistas foram intimados a prestar depoimento ante a justiça por violação do segredo de justiça, alternado, porém, para desobediência qualificada, ao abrigo do artigo 113 do Código Processo Penal.
“Ouvir afirmações do género, do Sr. Presidente da Associação dos Jornalistas cabo-verdianos –AJOC-, na altura da publicação do referido ranking, é compreensível, porque proferidas por alguém interessada em reverter a opinião pública a favor da classe profissional que representa, embora fruto de uma análise bastante redutora dos dados. Porém, ouvir as mesmas declarações, reproduzidas pela Sra. Presidente da ARC, embora ainda se desconheça o teor do relatório apresentado à Assembleia Nacional, é inadmissível, vindo de representante de um órgão que, por lei, deve ser isenta e imparcial, no juízo sobre os diferendos que lhe são submetidos a julgamento, por duas ordens de razões, que cumpre esclarecer: Em primeiro lugar, os jornalistas, em momento algum estiveram em ‘conflito com o Poder Judicial’. Estava-se convencido de que a ARC tinha percebido que o conflito é com a Lei. Não com o Poder Judicial! Que as autoridades judiciárias intervêm quando entendem que alguém entra em conflito com as Leis da República, violando-as. Por outro lado, a própria decisão da ARC, relativamente à queixa apresentada pela PGR, em nenhum ponto se refere a 'conflito de jornalistas versus Poder Judicial’, limitando-se a recomendar aos Srs. Jornalista, maior atenção ao contraditório”, palavras do PGR, antes de concluir que “terá sido essa a razão da queda de Cabo Verde no ranking mundial da liberdade de imprensa, é da exclusiva responsabilidade de quem a tirou - AJOC e, agora, a ARC”.
Agora a ameaça, com som de ‘vendetta’ pela repercussão e repúdio internacional da acção desencadeada então pelo poético Ministério Público e que lhe tolhe o raciocínio e equilíbrio: “Nunca é demais lembrar que Cabo Verde é um Estado de Direito. Afirmações, juízos e ataques ao ‘Poder Judicial/Ministério Público’, em nada demoverão as autoridades judiciárias de prosseguirem no cumprimento das atribuições que lhe são conferidas pela Constituição e pelas Leis da República de Cabo Verde, contra todos quantos prevariquem”, advertiu o procurador-geral da República, Luis José Landim, montado na legislação que interpretou sem curva ética, moral ou lógica - sem senão, sem excepção, sem sapiência, digo eu.
Com efeito, a trupe judicial, que se me desculpe a expressão, não é adepta da democracia. Para eles, e o PGR à cabeça, a versão democrática que se deve ter é a da caverna de Platão: ali no espectro projectado na parede está a realidade, ficção são os corpos com formas de gente, que votam nessas sombras.
O PGR e seus emplastros acreditam, supostamente, que são intocáveis. Ou então deuses. Só que deuses de coisas mínimas, menores, incompetentes para resolverem os mais importantes e escandalosos casos que este país vem presenciando. Esqueça, leitor, o assassinato de Zezito Denti d’Oru, presumielmente exterminado a sangue frio pelas mãos da PJ, numa operação que se diz liderada pelo actual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha. E pergunte a si mesmo, amigo: por que nesse caso houve violação do segredo de justiça e desobediência qualificada porquanto o caso está sob segredo de justiça mas o Ministério Público não teve o mesmo comportamento defensor da inviolabilidade da investigação no mega-processo da máfia dos terrenos da Praia, em que eu, Hermínio Silves, denunciei nomes de ex-governantes, ex-autarcas, empresários de alto standing… num dossier que envolverá (não se sabe porquê não se foi a fundo, ou fingimos não saber) personalidades do mundo político-empresarial, também aparentemente intocáveis! Deuses minúsculos, enfim.
Me lembra aqui uma frase de do grande imperador mongol, Genghis Khan, quando encontrava povos que submetia aos seus comandos: “Eu sou um castigo de Deus. Se você não cometeu grandes pecados, Deus não teria enviado um castigo como eu”.
Amadeu Oliveira vem pagando, com clausura, por ter aberto a boca, destemido e confiante. O excelso, vate Felisberto Vieira Lopes foi encontrado inanimado em sua casa e morreu no hospital em circunstâncias que ainda carecem de esclarecimento. A próxima vítima? Quem levantar, insistente, o dedo em riste contra os prevaricadores, protegidos e protegée da 'mão invisível' que controla este adiado país, corrompido pela falange de cima. Odju bibu, kriolu! Sem pitosga, nessa hora.
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