José, o Ressabiado-Mor
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José, o Ressabiado-Mor

A um ex-primeiro-ministro, além do mais, com pretensões presidenciais, recomendava-se algum recato nos primeiros tempos da saída de cena, mas, o José, sempre à procura de holofotes mediáticos, não conseguiu o período de nojo, posicionando-se, às vezes, como chefe da oposição, noutras, como se ainda fosse chefe do governo e, de quando em quando, coloca as vestes do professor para distribuir lições sobre temas diversos, esquecendo-se de que chumbou redondamente em sectores de governação de que hoje se acha expert.

Desta feita, através de uma entrevista à agência noticiosa portuguesa, Lusa, sem trazer novidades, ficou pelo quase anúncio da sua candidatura às eleições presidenciais e, uma vez mais, despejou as suas frustrações e ressabiamentos e mostrou o seu desconforto com os sucessos do actual governo liderado pelo Ulisses Correia e Silva.

PRIVATIZAÇÃO DA TACV

Na entrevista em questão, o José Maria Neves, perante evidências, vendo a nova TACV, hoje, Cabo Verde Airlines, com uma imagem renovada, com mais aviões, criando mais postos de trabalho, nomeadamente para pilotos, transportando mais passageiros, voando para mais destinos, implementando o hub aéreo na Ilha do Sal, etc., sente-se rendido e já apoia a solução encontrada e amiúde vai dando sinais neste sentido.

Basta recordamos, por exemplo, que o José, em 16 de abril de 2018, se mostrava preocupado com a tendência, segundo ele, de “entrega de sectores estratégicos do país, como o transporte aéreo, a empresas estrangeiras”, alertando para os riscos do “neoliberalismo desenfreado” ao mesmo passo que questionava a reestruturação da empresa pública de transportes aéreos (TACV), usando-a, de forma falaciosa, como um caso “paradigmático de falta de cautelas redobradas na gestão do património público”. Hoje, é o mesmo José que afirma que está “absolutamente de acordo com a privatização da TACV”.

Este reposicionamento do José poderá significar que o ressabiado-mor decidiu entrar num processo de catarse? Eventualmente.

Porém, o José não se abstém de atacar o governo e vem com esta ladainha da necessidade de uma comissão parlamentar para acompanhamento do processo de privatização, de deslumbramento e recomendando mais diálogo e mais compromisso entre a maioria e a oposição.

TRANSPARÊNCIA

No que tange à comissão de acompanhamento, entendemos ser mais uma farpa ao governo e uma forma indirecta de trazer ao debate a questão da transparência e, neste quesito, queremos tão-somente lembrar ao José que Cabo Verde subiu três posições no Índice de Percepção da Corrupção, de 2018, e que ele, José, liderou, quiçá, os governos mais intransparentes de Cabo Verde. Do infindável rosário de casos do seu tempo recordávamos-lhe tão-somente os mais emblemáticos, como o do Fundo de Ambiente, o da Sociedade Luso de Negócio, o do Anel Rodoviário da Ilha do Fogo e o das negociatas envolvendo os aparelhos ATR’s da TACV.

EXERCÍCIO DO PODER

Quanto ao deslumbramento, o José só pode estar a referir-se a si e aos membros dos seus governos que não perderam o enlevo no exercício do poder mesmo depois de quinze anos, chegando a ponto de passar a imagem de estarem extasiados pelo poder, resultando em prepotência e arrogância, governando na democracia com tiques da ditadura do tempo do partido único e do partido-Estado.

No que tange ao diálogo, se, por um lado, sabe – e sabe-o muito bem – que dialogar com a menina mimada, sua sucessora na liderança do PAICV, não é uma tarefa fácil, por outro lado, seguramente, tem a consciência de que o PAICV está dividido, com várias agendas internas na sequência do processo eleitoral para a liderança já agendado. Por conseguinte, sabe tão bem que o seu partido se encontra mergulhado em lutas e dinâmicas internas, o que tem desviado o foco do PAICV, cuja liderança entende que é, pela via da radicalização com o governo, que se capitaliza internamente. Sendo o José raposa velha da política, com certeza, que está ciente de que este não é o momento, nem o ambiente mais adequado para o diálogo. Também, com a sua sagacidade política, certamente, consegue vislumbrar de que lado é que existe bloqueio para um diálogo profícuo.

DEBATE POLÍTICO E O RESPEITO PELA OPOSIÇÃO

Outra questão que o José tem trazido à liça é o nível de crispação no debate político, nomeadamente no parlamento e a reduzida confiança mútua entre os partidos. Sem nos alongarmos muito sobre este quesito, desafiávamos o José a fazer um exercício de memória ou, melhor, a recorrer às actas das sessões parlamentares nas quais tomou parte, como sujeito parlamentar quando era primeiro-ministro, a fim de recordar os epítetos com que brindava a oposição. Lembramos ao José que nos seus discursos considerava a oposição uma coisa acessória, dispensável e um estorvo ao governo. E olhe, José, que a oposição de então nada tem a ver com esta daninha que deixaste ao país.

PRESIDENCIAIS

No quesito das presidenciais, o José na entrevista à Lusa, diz que é uma "possibilidade muito forte" candidatar-se a Presidente da República nas eleições de 2021, dizendo que está "a trabalhar para transformar essa possibilidade em certeza". Cremos que este ar de Santo que pretende passar, a aparentar um bom samaritano, tem a ver com o roteiro para a sua credibilização como candidato para estas eleições, pois, na mesma entrevista diz sentir-se qualificado para desempenhar o papel de árbitro, esquecendo de que, desde que o governo do Ulisses Correia e Silva entrou em funções, tem sido parcial, rancoroso, um reforço da oposição, em particular do PAICV, e sobretudo, tem, estado, permanentemente, em altercação com o governo numa intensa campanha de desvalorização dos ganhos que este governo tem estado a conseguir. O José tem estado ressabiado e a não celebrar os ganhos que não são nem do partido A, nem do partido B, mas sim da Nação. O José não quer ser suplantado, por isso, não quer o sucesso do Ulisses Correia e Silva, isto é, prefere que o país perca para que não seja ele a perder.

Um homem com este estado de alma não será um bom Presidente da República. Ao invés de ser mais um elemento para a elevação do país irá ser um estorvo ao governo, um obstáculo ao desenvolvimento de Cabo Verde e uma obstrução no processo de construção da felicidade dos cabo-verdianos.

Assim sendo, antes, José sozinho infeliz do que ele feliz e quinhentos mil cabo-verdianos infelizes.

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