A Cabo Verde Airlines não está a ter rentabilidade nas rotas internacionais. Mesmo Lisboa, a linha mais rentável, vendo sendo preenchida com quase 50 por cento dos assentos vazios. Na passada quinta-feira, 20, a companhia fez Washington-Sal com apenas 5 passageiros a bordo, o que já levou ao cancelamento de mais de 20 voos para a capital americana e também para Lagos, na Nigéria, e Salvador, no Brasil.
Os trabalhadores da Cabo Verde Airlines começam a manifestar a sua preocupação quanto ao futuro da empresa. Em conversa com Santiago Magazine, pilotos e técnicos da companhia mostram-se “escandalizados” com o rumo que a CVA vem tomando. É que “as muitas linhas entretanto abertas não se têm revelado lucrativas para a companhia, pelo contrário, estão a causar um enorme prejuízo à empresa, que vive uma situação insuportável com a falta de dinheiro”, começa por dizer um elemento da tripulação.
O nosso interlocutor cita por exemplo uma viagem feita na passada quarta-feira, 19, um Boeing da CVA, com capacidade para 185 passageiros, partiu da ilha do Sal com destino a Washington com apenas 26 pessoas a bordo. “Esse mesmo avião regressou no dia seguinte ao Sal com cinco passageiros! Ou seja, a companhia praticamente deitou para o lixo 70 toneladas de combustível, mais de 70 mil dólares só nessa viagem para a capital dos EUA”, informa a nossa fonte, acrescentando que também já aconteceram voos para Boston só com 45 bancos ocupados.
“A aeronave chegou a Boston com 45 passageiros e regressou a Cabo Verde com 80 pessoas, num aparelho com capacidade para transportar 185 passageiros de uma assentada. Boston está com apenas um voo, os outros cancelados por falta de passageiros. O voo para Salvador, no Brasil, agendado para o dia 2 de Março vai ser também cancelado, assim como já sucede com a maioria dos voos para Washington e Lagos, na Nigéria, que saíram da grelha desde o início do ano, na medida em que estão a ser um autêntico desastre operacional e financeiro”, revela outra fonte, para quem “a CVA está a operar com apenas 30% de taxa de ocupação”.
“Só Lisboa é que quase chega aos 60% de ocupação dos bancos, ainda assim fraco. Todas as restantes linhas estão a ser feitas com bancos vazios, o que não deixa de ser também uma falha do departamento Comercial. Estamos chocados com essa situação”, lamenta.
Santiago Magazine não conseguiu chegar à fala com a administração da CVA para ter a sua versão dos factos nesta peça. Entretanto, vale lembrar que a Icelandair, dona de 51% da companhia, referiu há dias no seu plano de negócios divulgado na imprensa, que são esperados prejuízos “nos primeiros dois anos após a aquisição” e lucros em 2021. Ainda assim, e sem quantificar, o documento também aponta que os resultados operacionais da CVA no último trimestre de 2019 “ficaram abaixo das expectativas”.
“A CVA está à procura de financiamento de longo prazo. Se o financiamento de longo prazo não for garantido, isso poderá afetar negativamente a operação”, lê-se no relatório do grupo Icelandair, de 07 de fevereiro, que identifica receitas oriundas da companhia de Cabo Verde no valor de 37,2 milhões de dólares (34 milhões de euros) e despesas de 1,1 milhão de dólares (um milhão de euros), em 2019.
Aquele grupo insiste que vê a aposta na CVA como “um projeto de desenvolvimento de longo prazo” e que “acredita que há oportunidades” para transformar o país, através da companhia aérea, num ‘hub’ entre os continentes africano, americano e europeu, “e ao mesmo tempo desenvolver Cabo Verde como destino turístico”.
Todavia, para quadros e técnicos da CVA, esses 35 milhões em receitas no ano passado, anunciados nesse referido plano de negócios, não serão ganhos da transportadora cabo-verdiana, mas sim lucros da Icelandair. “O aluguer do avião e a venda de componentes de manutenção não são ganhos da CVA, são sim da Icelandair, a quem a CVA paga o aluguer dos dois aviões e adquire peças para manutenção. Tudo o que a CVA precisa compra na Icelandair, inclusive parafuso”.
Há cerca de duas semanas, o jornal A Nação publicava um artigo no qual admitia que a Cabo Verde Airlines “está a revelar-se um poço sem fundo, em matéria de necessidades financeiras junto do Estado para poder sobreviver”.
Segundo o jornal, “em vez de trazer capital fresco e 12 aviões para a TACV/CVA, como prometera o então ministro José Gonçalves, a Icelandair (detentora de 51% do capital da actual companhia aérea cabo-verdiana, CVA) fala agora na necessidade de um empréstimo de longa duração como condições para poder ter lucro em 2021. Isto depois de ter contraído, no ano passado, um crédito de 22 milhões de euros, com o aval do Estado cabo-verdiano. O acordo para a referida linha de crédito foi assinado em Julho, com o Banco Internacional de Cabo Verde (BICV) e com o Ecobank”.
O A Nação lembra nessa notícia que na altura o Governo esclareceu que o aval “cobre responsabilidades de até 10,78 milhões de euros” do empréstimo, parcela representativa dos 49% do capital social que o Estado detém na antiga empresa TACV, actualmente designada CVA.
Mas agora, conforme o relatório com as demonstrações financeiras consolidadas do exercício de 2019, o grupo Icelandair anunciou que a CVA deverá apresentar resultados positivos em 2021, mas, para isso, precisa de contrair um “financiamento de longo prazo”, de novo “suportado” ou avalizado pelo Estado.
Essa carestia de verba terá obrigado a CVA a contrair um empréstimo junto da ASA para poder pagar os salários de Janeiro.
Comentários