Governo reforçado. O que isto significa?
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Governo reforçado. O que isto significa?

Antes de tudo, uma mea culpa. Ulisses Correia e Silva tardiamente – porque sempre foi chamado a capítulo sobre esta questão – “assume”, na prática, que falhou num Executivo demasiado enxuto (12 ministros e nenhum secretário de Estado) e decide então engrossar a estrutura do seu Governo, a ver se a máquina entra na potência que o seu programa exige para até final do mandato. E de uma assentada entram oito, o que salta logo à vista tendo em conta a ideia inicial (referida quase como imutável) de um Governo curto e eficaz.

Jogada não menos aparatosa é a transferência do Ministério dos Transportes, Turismo e Economia Marítima para São Vicente, um “rebuçado” de Natal para os do Norte. Está claro que Ulisses, ao não cumprir uma das suas maiores promessas de campanha (a regionalização, logo no primeiro ano do mandato), viu-se encurralado pela sociedade civil, sobretudo mindelense, com um pequeno grupo de membros do SOKOLS a bloquear a estrada do aeroporto de São Pedro, onde a comitiva do primeiro-ministro seguia em direcção a Mindelo. Um incidente gravíssimo, que colocou UCS em sentido. O equilíbrio regional passou então então a ser encarado com outros olhos. Solução? Reunião da DN do MpD descentralizada em Santo Antão e a criação de um Ministério (Economia Marítima) com sede em São Vicente para calar a boca dos mais inconformados… ainda que provisoriamente. Sim, o futuro dirá se valeu a pena esta aposta.

E não é de ignorar a criação de um Ministério para a Integração Regional dias após Cabo Verde perder a possibilidade de presidir a Comissão da CEDEAO por manifesta falha diplomática – os “arranjos políticos” de que o Governo fala aconteceram precisamente porque o país sempre vive de costas para o continente. Na verdade, é uma mera coincidência, pois a ideia de um departamento governamental para lidar com assuntos africanos já estava na forja há muito, tendo por finalidade marcar mais presença em África, especialmente na CEDEAO. Ei-lo, enfim.

Todos esses pequenos detalhes denunciam a estratégia imagética do novo elenco governamental. Sobretudo se se levar em conta que o Chefe do Executivo optou por manter os mesmos ministros que iniciaram com ele o mandato, alguns dos quais com uma certa rejeição a nível da sociedade por causa das suas acções, intervenções ou mesmo devido a brigas que “compraram” bem cedo com as respectivas classes trabalhadoras sob sua tutela.

O caso da ministra da Educação é paradigmático. Maritza Rosabal começou logo a atrair o ódio dos professores com a anulação de uma série de nomeações e progressões que, mesmo sendo um acto legal, não deixou de ser também uma medida impopular, como de resto se verificaria depois nas trocas de mimos com os professores e sindicato. Pelo meio, o não cumprimento da promessa de isenção de propinas do básico ao secundário, até terminar no escândalo dos manuais escolares em que Maritza Rosabal foi desautorizada pelo primeiro-ministro horas depois de garantir a manutenção dos livros com erratas A somar a isso, as confirmações tardias de que afinal os manuais não eram donativos, foram pagos com dinheiro dos cabo-verdianos a uma empresa sueca propriedade de uma prima do primeiro-ministro, num caso de polícia com documentos falsos (donativo) e delapidação do erário público. Ela devia cair.

O ministro da Cultura, hoje, curiosamente, mais controlado nas aparições públicas e menos exibicionista nas redes sociais, continua ainda assim a ser criticado pelos homens da Cultura e pelos profissionais dos órgãos de comunicação social (que tutela) por causa das suas intervenções e farpas. Amiúde vítima da sua frontalidade, Abrãao Vicente é o ministro mais controverso do aparelho governativo, a ponto de dividir o próprio MpD. A sua ingerência em assuntos internos de um outro Estado, a Guiné Equatorial (quer-se queira quer não, um estado membro da CPLP), poderia pôr em causa as relações bilaterais entre Praia e Malabo. Sim, Abrãao Vicente estava em risco de descer nesta paragem de Dezembro. Fica, apesar de rumores de descontentamento inclusive do Palácio do Plateau, por claro proteccionismo de que beneficia do seu primeiro-ministro.

Eunice Silva, ministra das Infra-estruturas, Paulo Rocha, da Administração Interna, e José Gonçalves, o então super-ministro, também têm queixas, por causa da lentidão com que os seus departamentos vêm trabalhando, ou, dito de outra forma, porque são sectores onde a máquina governamental vem perdendo óleo faz tempo. Se a nível das Infra-estruturas já se começa a ver obras nos centros urbanos, a Segurança (Tolerância zero), o Emprego (45 mil em quatro anos) e os Transportes (TACV, ligações marítimas...) continuam a inquietar os cabo-verdianos, ainda por cima quando se fala de dois sectores que, por inépcia do anterior Governo, ajudaram o MpD a vencer as eleições de 2016. 

José Gonçalves, aliás, terá mesmo pedido para sair ainda antes de completar um ano no Governo. E nem era porque tinha pastas a mais para poucos colaboradores, o que lhe impedia de fazer acelerar a economia, mas sim devido à sombra do ministro das Finanças, Olavo Correia (vai ser o segundo vice-primeiro-ministro da história do país), que, montado na sua posição de vice-presidente do partido que suporta o Governo, vem dominando, desde o início, todo o sistema governativo, relegando inclusive para segundo plano o próprio primeiro-ministro nas tomadas de posições polémicas e firmes. 

Assim sendo, o desmembramento do super-ministério da Economia e Emprego (que tinha sob sua tutela pastas-chave) era uma medida também aguardada, tendo em conta que a acumulação de pastas num único ministro revelou-se contraproducente na estratégia de redinamização do sector empresarial e incremento da economia real.

Do ponto de vista político, o novo Executivo ganha dois reforços de peso: Alexandre Monteiro, então mandatário de Ulisses, e Amadeu Cruz, ex-autarca do Porto Novo – ambos já foram dirigentes do MpD e circulam no meio ventoinha com certo à-vontade. Nota para a nomeação do ministro da Presidência do Conselho de Ministros e dos Desportos, Elisio Freire, como ministro de Estado, que, na justificação de UCS, virá dar garantir uma maior coordenação politica entre o partido e o Governo, mas que na prática será igual à figura de Freire no MpD, um vice-presidente sem peso.

Com efeito, há uma clara tendência para a instalação de um Governo tecnocrata, à imagem do seu líder, que é muito mais administrativo do que um “animal” político. E ao passar a coordenação geral de todas as reformas em curso ao seu “ministro-de-ferro”, que ascende a vice-primeiro-ministro, UCS provou isso mesmo, isto é, doravante é Olavo Correia, quem, efectivamente, continuará a mandar no Governo. Administrativa e politicamente. 

Em termos práticos, este reajuste no Executivo, que custa ao erário público 32 mil contos e feito depois de aprovado o Orçamento de Estado para 2018, não evidencia, à priori, uma melhor coordenação no Governo nem uma imediata melhoria no desempenho da equipa liderada por Ulisses Correia e Silva – os pontos fracos continuam lá. Mesmo assim, já é sinal de que UCS reconheceu o erro original (pouca gente para tanta reforma pretendida) e propõe uma nova estrutura de Governo… para gerar novas expectativas.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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