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Este, sim, é o país que almejo – ainda que intimidador
Colunista

Este, sim, é o país que almejo – ainda que intimidador

A onda de solidariedade que o jornal Santiago Magazine e eu mesmo vêm recebendo, quer por posts e mensagens nas redes sociais, quer por telefonemas, por causa do esdrúxulo processo desencadeado pelo Ministério Público para saber quem foi ou foram os informadores do “caso Paulo Rocha”, mostra que existe uma sociedade civil atenta e presente quando se atropelam direitos consagrados na Constituição da República. Obrigado. Mas inquieta perceber que o tema-chave, que originou essa vil perseguição à imprensa cabo-verdiana por parte do sistema judiciário-judicial tende a quedar-se nessa briga – legítima, na verdade – entre o direito de informar e o dever ao sigilo judicial. Volto então à matéria que vale: a investigação a uma instituição do Estado, a PJ, por suposto envolvimento num alegado crime de homicídio, que teria como mentor o ministro Paulo Rocha.

Por estes dias, o tema que mais se tem falado, nas redes sociais e na imprensa estatal e privada cabo-verdiana e internacional, inclusive com denúncias contra a liberdade de informação que se está a testemunhar em Cabo Verde junto de organismos internacionais, aborda a constituição de Santiago Magazine e da minha pessoa como arguidos num processo que a Procuradoria Geral da República pretende, sem qualquer disfarce, achar quem é o chibo.

São tantas as mensagens e manifestações de apoio – desde o cidadão comum, que, atenta e presente, desaprova essa atrocidade, a instituições nacionais (AJOC) e estrangeiras (CPJ) e demais – que passei a acreditar, enfim, que em Cabo Verde há sim uma sociedade que bate o pé, quando a coisa tende a piorar, ou, dito de outro modo, quando se cheira a injustiça a vir desde a rua de trás.

Os posicionamentos públicos de jornalistas e figuras de respeito (Orlando Rodrigues, Rosana Almeida, Maurício de Carvalho, Luis Carvalho, Angelo Semedo, para citar alguns) e da AJOC – terá sido, julgo, a primeira vez que a associação sindical teve de ir tão longe, a ponto de denunciar o caso junto da RSF, Federação Internacional de Jornalistas e Federação de Jornalistas de Língua Portuguesa - a accionar o sino da opressão e da lei do silêncio são elucidativos.

A sociedade civil, sim a sociedade civil, vem demonstrando nas redes sociais a sua desaprovação a esta tentativa de se silenciar os órgãos de comunicação social com recurso a subterfúgios legais (fascistas, digo eu de pronto) para impedir que determinados assuntos de selectas pessoas sejam colocados na praça pública para avaliação colectiva.

É este o país que sonho, que defendo com unhas, dentes, presas e garras: a sociedade a reivindicar justiça igualitária para todos. Tiro o chapéu a estes cabo-verdianos que jogam para trás as suas cores partidárias para exigir explicações do Estado... perante um suposto crime do Estado.

Devo, como é justo, agradecer, os que me apoiam. Mas a minha mente e a minha consciência me conduzem para outra direcção. É que o debate – importante, urgente e necessário sobre se legalmente a imprensa deve ou não publicar matéria que esteja sob segredo de justiça – está a desviar o cerne da questão.

O que, no fundo, suscitou este debate, e que não pode ser esquecido, é a investigação que decorre junto do Ministério Público contra uma instituição do Estado, a PJ, por presumivelmente, matar um indivíduo – Zezito denti d’Oru.

Independentemente da culpabilidade da Judiciária nesse caso, o país precisa e tem de saber – porque se trata de assunto de Estado – o que aconteceu em 2013, quando numa operação do Grupo de Operações Tácticas da Polícia Judiciária, liderada por Paulo Rocha, então director adjunto da PJ e actual ministro da Administração Interna, o cidadão Zezito denti d’Oru foi brutalmente metralhado dentro de uma viatura no bairro da Cidadela.

Está claro, pelo menos para mim, que este é o tema principal a desvendar e, enquanto as autoridades não o fazem, cabe à imprensa denunciar. Cada qual com o seu papel – a propósito, a lei permite e autoriza investigação paralela por parte dos órgãos de comunicação social, conforme o Código do Processo Penal no seu artigo 116º, nº1.

Entretanto, o Ministério Público prefere desferir golpes contra a imprensa que fala, denuncia e traz à praça pública assuntos que não lhe são glutináveis. Ataca mas não quer ser atacado. Acusa mas não se permite ser vigiado e criticado. Intocáveis, julga essa turma, quando se vêem ao espelho, na lei e na vida. Somos todos cabo-verdianos de papel passado, respeitamos as leis da República e não temos complexos em fazer, se caso for, como é o que está em cima da mesa, ajustes a todos os nacos de cimento que caem da parede que aguenta esta Nação. 

A PGR sabe disso tudo mas, como é óbvio, lhe apraz fazer este jogo ao estilo “squid game” para cortar fugas que comprometam quem estarão a proteger e, no fim, tudo acabar em águas de bacalhau, que se diz não prestar para nada. Errado. Esta ideia (tentar escamotear esse processo) não colhe, haverá de dar sopa. Ou um ensopado, que cairá bem, nestes frios dias.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine