1. No passado dia 3 de dezembro, na qualidade de Presidente da Câmara, decidimos convidar quatro cidadãos caboverdeanos para participarem na 1ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal da Praia, no mandato do povo 2020/2024. Como se costuma dizer na gíria popular, “caíram o Carmo e a Trindade”. É que, verificado o quorum necessário e após o início da reunião, os Vereadores eleitos do MPD fazem uma ameaça clara: “se os quatro convidados permanecerem presentes, nós vamos abandonar a sala de reunião”, disseram. Nesse momento, lembrei-me de António Guterres ter dito um dia que, se colocado entre a espada e a parede, escolhe a espada. Lembrei-me ainda de que estava seguro quanto a ser perfeitamente legal eu ter efetuado aqueles quatro convites!
2. A razão da minha certeza jurídica é que sete dias antes houve um incidente que me tinha alertado para a necessidade de verificar a fundo a legalidade de convidar ou não cidadãos para participarem em sessões de câmara municipal. No corredor, enquanto aguardava pelo início de uma das reuniões de tentativa de passagem de pastas*, a Vereadora Eleita, Aleluia Barbosa, ao ver o Jorge Garcia chegar, aponta nas entrelinhas: a reunião é só para eleitos. Garcia retomou o assunto à mesa dessa reunião. Foi assim que o alerta me foi dado! Então, preparei-me devidamente, consultando juristas e individualidades com profunda experiência autárquica! Foram unânimes em afirmar: o presidente da Câmara pode convidar pessoas, em diversas qualidades, para participarem nas reuniões da câmara. Não há um único artigo de lei que o proíbe de agir assim;
3. Por causa disso, já no seguimento do dia da 1ª. Sessão Ordinária, após a chuva de interpretações, posicionamentos e questionamentos levantados – e todo o alarido – há um comentário de um internauta, já sem argumentos, e que é bastante ilustrativo quanto à inexistência de qualquer artigo de lei que proíba tais convites. Eis o comentário do internauta: “O que foi violado é a praxis (…)”, dando o braço a torcer, confessando que o que foi violado é uma prática, uma tradição, um modo de fazer reuniões na câmara. Na linha simplista de raciocínio do “antes não se fazia”, mas, até neste caso, por mero desconhecimento. Pois, há inúmeros testemunhos de reuniões de câmara com participação de cidadãos, nas mais diversas condições, desde assessores, a especialistas, até dirigentes, como foi o nosso caso. Os cinco convidados entraram na sala de sessão, um na condição de eleito por empossar e quatro como diretores à espera somente da formalização das suas nomeações em diversas áreas na nova estrutura da Câmara Municipal da Praia. Não eram estranhos! Nem que fossem, pois nesta matéria de coisa pública, não há estranhos, nem secretismos, pior ainda acordos de confidencialidade. Há munícipes!
4. Tenho por princípio não falar de mim. Pois, elogio em boca própria é vitupério. Mas, como estou a ocupar o cargo de Presidente do nosso município, importa esclarecer os praienses e a opinião pública, em geral, sublinhando algo básico: eu não tomo decisões de ânimo leve e, pior ainda, sem que tenham o devido fundamento ético e legal inatacáveis. Sou um cultor do rigor académico e científico, o qual tive o privilégio de aprender com grandes mestres da ciência e da academia, entre os quais, a Professora Margarida Marques, entre vários outros. Por isso, lanço um apelo: que as pessoas não percam o seu tempo – e o tempo dos outros – a tentar criar casos desta natureza, pois, nós estaremos a olhar para a lua e não para a ponta do dedo que aponta para a lua;
5. Estamos cientes de que as iniciativas “fora de caixa” (out of the box), inéditas ou inovadoras, têm o dom de causar estranheza e provocar posicionamentos apaixonados que podem também ser irrefletidos. Daí ser importante que se reflita um pouco antes de se pronunciar sobre as iniciativas que vamos levar a cabo na Câmara Municipal da Praia. Estaremos a criar novos caminhos, novas formas de ser e de estar neste município, tão somente porque fomos eleitos para irmos para além daquilo que vinha sendo feito e porque acreditamos e defendemos que é possível fazer muito mais e melhor;
6. A tentativa de passar a ideia de que convidar dirigentes da própria câmara para reuniões da mesma câmara é sinal de apetites de regressar ao Partido/Estado, além de ser perversa, revela uma grande obssessão em querer ser a imaginada única e inultrapassável marca da democracia – entenda-se abertura ao multipartidarismo. É o receio de ser ultrapassado pela história que leva ao recurso a espantalhos – para evitar o aprofundamento de questões – quando é sabido que o nosso país está ainda longe, mas muito longe, de cumprir uma democracia plena. Na recente campanha eleitoral assumimos a transmissão on-line das sessões da Assembleia Municipal e a publicação, também on-line, das contas da Câmara. É que o nosso tempo exige que avancemos para lá da abertura ao multipartidarismo. Pelo que não será a invocação de artigos de lei fantasmas, nem a criação de espantalhos, que nos vai impedir de aprofundar a democracia! Onde está a coerência em pedir o voto às “pessoas” e depois das eleições passar a considerá-las “pessoas estranhas”?
* Logo à partida concebemos o processo de passagem de pastas dividido em dois momentos. Em primeiro lugar, as reuniões verbais, nas quais poderiam ter lugar os alertas e os sublinhados por parte da equipa cessante e os pedidos de esclarecimentos por parte da nova equipa camarária. O segundo momento desse processo de passagem de pastas seria constituído pela entrega - pela equipa cessante - de um dossier físico, uma pasta, com um termo de entrega, devidamente assinado e datado, acompanhado por uma lista de documentos solicitados por nós, a nova equipa. A forma como efetivamente decorreu a passagem de pastas é tema para um outro esclarecimento público.
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