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Coronavírus. Medidas do governo para os trabalhadores informais não funcionarão a tempo
Colunista

Coronavírus. Medidas do governo para os trabalhadores informais não funcionarão a tempo

1. Todos somos potenciais vítimas do coronavírus. Todos temos familiares que podem ser vítimas do coronavírus. Portanto, é pura ignorância e má fê, achar que criticar as opções do governo nesta luta, é desejar má sorte aos cabo-verdianos. Isto sim, é a politiquice do mais reles que se pode fazer.

2. Numa crise desta dimensão, não é o sentimentalismo, o apelo ao orgulho nacionalista que irá resolver os problemas. É a racionalidade, o técnico a sobrepor ao político, a disciplina de todos, a transparência dos factos, que permitirá maior probabilidade de sucesso.

3. Quem tem o poder de decisão e implementação das medidas do combate ao coronavírus é o Governo. Ver correlação e causalidade; por se criticar as opções do governo, é mais um acto de retirar a responsabilidade aos executantes, do que outra coisa; caso não se conseguir alcançar o prometido. Os que defendem que devemos não criticar, opinar, dar sugestões etc, e esperar pelo fim, é bom relembrar Keynes: “no longo prazo estaremos todos mortos.”

4. O Governo disponibilizou 4 milhões de contos para às empresas, e 365 mil contos para às pessoas. Portanto, o slogan primeiro as pessoas e depois a economia, como tem propalado falsamente o Ministro das Finanças Olavo Correia, é mentira.

5. Não temos o acesso convencional aos cidadãos, apresentados intrinsecamente pelo Governo nas suas 10 medidas, que copiaram dos Países europeus desenvolvidos. Só o processo para cadastrar as outras pessoas fora do sistema (a maioria dos informais); que precisarão de ajuda, irá demorar duas semanas ou mais. A deficiência estrutural (em particular o planeamento e organização) a nível das autarquias é ainda mais gritante, o que só irá atrasar ainda mais o sucesso da implementação das medidas anunciadas pelo Governo, em particular na Cidade da Praia e em Santa Catarina.

6. Com a agravante da falta de informação e disciplina dos cidadãos, e de um Governo reativo, e que está a agir em função de que pode tirar proveito político através da comoção dos cidadãos (a ida do Ministro das Finanças ao programa Nha Terra, Nha Cretchéu, a chorar, em plena Pandemia, é o expoente máximo), pode tornar-se num caso bicudo de violação das regras do isolamento social, se não forem tomadas as devidas diligências.

7. As medidas anunciadas pelo Governo, embora muito aplaudidas ( e sem escrutínio ) terão pouco sucesso de implementação, no molde imaginado. São medidas convencionais baseadas nos Países desenvolvidos: organizados - estruturados a nível dos códigos postais (moradas individuais), a nível do acesso bancário (quase todas as pessoas têm a sua conta bancária), a nível da Segurança social (a maioria dos benificiários tem conta bancária), a nível da proteção civil (os bombeiros e paramédicos estão mais bem treinados e equipados), têm fácil acesso às pessoas (há zonas urbanas com real ordenamento de território), a nível do acesso água potável (todos têm agua canalizada), e acima de tudo a nível de base de dados e estatísticas, discriminado, organizado e atualizado (coisa que “não temos” em Cabo-verde).

8. Cabo Verde terá (já deveria ter em funcionamento) que arranjar um método de guerrilha adaptado a nossa realidade, a fim de se conseguir chegar às pessoas mais vulneráveis. Para isso, deixem os técnicos decidirem, em vez de políticos.

9. De acordo com as propostas do Governo do dia 27 de Março de 2020, haverá:

 A. A atribuição do Rendimento Social de Inclusão a 8.000 famílias em situação de pobreza extrema. 68% destas famílias vivem no mundo rural. Representa um investimento mensal de 44 mil contos.

Dúvida: Todos têm uma conta bancária, ou algumas terão que deslocar-se ao INPS?

B. A implementação de um Regime de Rendimento Solidário para trabalhadores do regime REMPE e por conta própria do setor informal, incluindo vendedores do comércio informal e dos mercados municipais. Fica garantido a esses trabalhadores um valor de 10 mil escudos para um mês. Com esta medida, prevê-se beneficiar 30 mil trabalhadores.

Dúvidas:

a) Onde encontrar estes 30.000 trabalhadores?

b) Têm conta bancária ou terão que ir fazer levantamento no INPS durante o estado de emergência e quarentena?

c) Terão que ser registados no INPS, para receberem?

d) O INPS está preparado para tratar de 30.000 casos, até que dia, uma vez que já foi decretado o estado de emergência?

e) Mas, o INPS estará fechado por decreto, até o dia 17 de Abril de 2020!

C. Estão garantidas igualmente a assistência Alimentar imediata a 22.500 famílias, correspondentes a cerca de 90.000 pessoas, cujo rendimento se situa abaixo do salário mínimo ou sem qualquer fonte de rendimento. Representa um investimento de 21 mil contos.

Dúvidas:

a) Sem ignorar se foram cumpridas todas as regras sanitárias do combate ao Covid-19 na embalagem das cestas básicas (as autarquias estão a distribuir), 90.000 pessoas em 22.500 famílias, dá uma média de 4 pessoas por família (não ignorar os valores máximos). E, 21 mil contos divididos por 22.500 familias dá-nos um valor aproximado de 1.000 escudos por cada família.

b) Como pretende o Governo alimentar uma família média de 4 pessoas até 27 de Março (os valores estão contabilizados para um mês) com um cabaz de 1.000 escudos?

c) O cabaz é o que as pessoas de facto precisam?

d) Como se fará entrega de facto, a estas pessoas, quando não há uma forma convencional de contactá-los, que não seja sair e distribuir em todas as zonas vulneráveis?

e) Como garantir equidade na distribuição e, as pessoas certas?

f) Como garantir que o vício de transformar estas doações em oportunidade de campanha, e desvio do propósito?

g) Quem controlará as doações: as associações, as ONG ou a política?

D. Garantir a segurança alimentar a cerca 30.000 crianças que frequentam o sistema educativo e que pertencem a agregados familiares mais vulneráveis.

Dúvidas:

a) As escolas foram encerradas, não se sabe a morada efetiva (o número da casa de cada aluno). Irão atribuir almoços nas cantinas das Escolas durante o estado de emergência e quarentena?

b) Os professores (e funcionários das escolas, que sabem de facto quem são os alunos que dependem destes almoços, estarão nas escolas a identificar estes alunos?

O erro do insucesso do programa foi logo no início: na Comunicação. A péssima comunicação, juntando a ausência de resultados demonstrada pelo Governo desde o início, irá piorar ainda mais a situação. Até porque, já se alastrou as informações mal comunicadas pelo Governo, que levou os trabalhadores informais à procura dos tais 10.000 escudos. Irá haver incumprimento da Leis da Emergência, não por falta de disciplina, civismo ou civilidade, mas por sobrevivência.

Ou o Governo terá que disponibilizar pelos menos 1 milhão de contos e fazer chegar atempadamente às famílias, ou teremos tensão social.

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Redação