Por tudo o que foi sendo aduzido no que se refere às preocupações de Amílcar Cabral relativamente ao respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, parece-nos claramente impertinente, manifestamente exagerada e/ou por demais excessiva a asserção de Carlos Veiga segundo a qual o conceito de democracia revolucionária de Amílcar Cabral seria, por assim dizer, o perverso núcleo irradiador de um Estado de não direito ou de um Estado de contra-direito, devidamente consubstanciado no Partido-Estado, no qual o PAIGC liderado pelo mesmo Amílcar Cabral se tinha transformado nas zonas/regiões libertadas da Guiné-Bissau. O nosso juízo de valor negativo ou, pelo menos, discordante a propósito da asserção primacialmente política de Carlos Veiga sobre uma das componentes mais cruciais do pensamento político-ideológico de Amílcar Cabral parece-nos ainda e tanto mais pertinente se levarmos em conta que esse mesmo Partido-Estado era, segundo as palavras do próprio Amílcar Cabral, “um Estado em formação e desenvolvimento” e cuja proclamação unilateral visaria essencialmente a alteração radical do estatuto político e jurídico-internacional do seu país natal com a respectiva transição da condição de uma colónia portuguesa denominada Guiné Portuguesa para um país soberano e independente orgulhosamente denominado Guiné-Bissau e com uma parte do seu território nacional - constituida essencialmente pelos centros urbanos e pelas ilhas (Bissau, Bolama e arquipélago dos Bijagós) - ocupada pelo poder colonial português, doravante transfigurada em potência estrangeira agressora. Como é sabido, tal desiderato de Amílcar Cabral, posteriormente realizado integralmente pelos seus sucessores, apóstolos, discípulos e seguidores do PAIGC, depois do seu bárbaro e traiçoeiro assassinato, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, constituiu uma notável e inovadora contribuição do carismático líder caboverdiano/bissau-guineense para o desenvolvimento do Direito Internacional Público, em especial daquele relativo ao exercício do direito dos povos colonizados à autodeterminação e independência política.
TERCEIRA PARTE
No que se refere mais especificamente à questão do Estado pós-colonial, parecem-nos assaz pertinentes e premonitórias as seguintes reflexões de Amílcar Cabral: “Devemos fixar, portanto, em cada momento desta grande luta que estamos a fazer, duas etapas: uma, contra as classes dirigentes capitalistas colonialistas de Portugal e o imperialismo, que querem dominar a nossa terra económica e politicamente; outra, contra todas as forças dentro da nossa terra, forças materiais ou ideias que possam levantar-se contra o progresso do nosso povo no caminho da liberdade, da independência e da justiça”. “O nosso objectivo é fazer o progresso e a felicidade do nosso povo, mas nós não podemos fazê-lo contra a vontade do nosso povo. Ora se alguns da nossa terra não querem isso, ou eles não são o povo, e então nós podemos fazer tudo contra eles e talvez mesmo os ponhamos na cadeia, ou eles são muitos e representam o povo e, nessa altura, não podemos fazer nada, porque não se pode fazer o progresso e a felicidade de alguém contra a sua vontade”. “Hoje, os filhos do mato que ontem não tinham opinião nenhuma em relação à sua própria vida e ao seu destino podem dar a sua opinião, podem decidir através dos comités do Partido até aos tribunais populares, nos quais mostraram capacidade de julgar os erros, os crimes e outras falhas cometidas por outros filhos da nossa terra. Esta é mais uma prova clara que esta luta é do nosso povo, feita pelo nosso povo e para o nosso povo”.
Referindo-se logo a seguir ao emprego da violência no relacionamento entre as pessoas, em especial no relacionamento com as crianças, diz Amílcar Cabral, de modo simultaneamente peremptório e pedagógico, ele que tinha consciência que, nessa altura, ainda se vivia em pleno estado de guerra no território martirizado da então Guiné dita Portuguesa: “Não queremos na nossa terra, amanhã, que os filhos tenham medo dos pais (…), pois o que devem ter é respeito. Já não aceitamos que se amarrem crianças para lhes baterem (…) Não queremos que se amarre ninguém para lhe bater. Os que são bandidos, que não prestam, serão julgados e, se for preciso, fuzilados, mas não serão tratados como cães. Não admitimos mais que na nossa terra se tratem seres humanos como cães. O nosso trabalho, na nossa resistência, é destruir tudo quanto faça de gente, homens e mulheres, cães, para deixarmos levantar, avançar, crescer, como as flores, tudo quanto possa fazer da nossa gente seres humanos de valor. É este o nosso trabalho, camaradas. Se não entenderam isso, ainda não entenderam nada” (in “Alguns Tipos de Resistência -Resistência Política”, in obra acima referida A Luta Criou Raízes).
Um pouco mais à frente, acrescenta o mesmo líder político-militar: “Amanhã, não podemos aceitar na nossa terra os abusos e os privilégios de grupos e de grupinhos. Não vamos libertar o nosso povo só dos colonialistas, mas de tudo quanto o prejudique no caminho do progresso. Temos de eliminar a ignorância, a falta de saúde e toda a espécie de medo, gradativamente. (…) Quando conseguirmos isso, teremos libertado verdadeiramente o povo da nossa terra, porque a maior pressão que existe sobre um povo não é do colonialista, não é a falta de trabalho, mas sim o medo. Medo de passar fome, de não ter trabalho, de doenças, de pancada, de ser deportado para São Tomé” (in “Alguns Tipos de Resistência -Resistência Política” , in obra acima referida A Luta Criou Raízes).
Ainda a propósito do respeito requerido e exigível aos direitos humanos, reitera Amílcar Cabral: “Temos de evitar na nossa luta tudo quanto possa diminuir a dignidade do ser humano. O Partido proíbe na nossa luta tudo quanto possa ser crime, manifestação de ódio ou sede de sangue» (in “Alguns Tipos de Resistência -Resistência Armada” , in obra acima referida A Luta Criou Raízes).
No que concerne especificamente à necessidade da existência, durante a luta político-armada, de tribunais populares de diferentes níveis, em especial de tribunais populares de tabanca, Amílcar Cabral pôde dissertar no acima referido Seminário de Quadros de 1969 e explanar a sua visão da problemática judiciária nos seguintes termos:
“Eu mesmo fiz e escrevi as regras para se estabelecerem os tribunais populares na nossa terra, indicando quem deve fazer parte do tribunal popular, como é que deve ser organizado, ao nível da tabanca, da Zona e da Inter-Região. Qual é a função destes tribunais populares? O tribunal popular de tabanca não é para julgar grandes casos de justiça. É como se fosse um tribunal de paz, um juizado de paz, como se diz em português. Nós queremos fazê-lo colectivamente, com um grupo de pessoas da nossa terra. Para resolver que casos? Por exemplo, desavenças, brigas entre dua pessoas ou alguém que roubou qualquer coisa. A questão, por exemplo, dos casamentos da terra, em que as raparigas não querem casar com os velhos que os pais escolheram e protestam. O tribunal resolve isso, de acordo com os costumes também, respeitando-os um bocado. O tribunal popular de tabanca é para compor as coisas, ajudando as pessoas. Isso está escrito no papel que dei ao Fidélis. Aliás, o documento foi elaborado de acordo com o Fidélis, o Araújo e outros camaradas do Partido que são advogados. Mas eu trabalhei nisso também, porque tenho de salvaguardar a linha do Partido. Embora não seja advogado, tenho a obrigação como dirigente do Partido de conhecer as coisas”.
Todavia é no excerto seguinte da intervenção de Amílcar Cabral que se torna nítida a preocupação do mesmo teórico e líder político-militar com a existência de tribunais independentes, mesmo no contexto da condução da luta político-armada e da existência de um Partido-Estado, com inabalável proeminência dos órgãos do Partido em relação aos órgãos do Estado. O carismático ideólogo do PAIGC começa por se interrogar, para, a seguir, explanar circunstanciadamente e, a final, tirar as devidas ilações da sua explanação: “Mas o tribunal deve ser o comité do Partido? Pode ser. Durante muito tempo, o tribunal foi o comité do Partido. Naquela época foi assim. Mas na medida em que o trabalho do comité do Partido aumentou muito, tem de estar sempre em movimento. O comité de tabanca tem de ajudar em muitas coisas como abastecimento, cultura, educação, etc., e as coisas complicaram-se. Além disso, é preciso que mais gente da tabanca sinta que tem alguma autoridade. Uma questão nova e também podem dizer alguma coisa, dar a sua contribuição sobre essa questão.
Então dissemos que se evitasse pôr gente do comité de tabanca no tribunal popular, que se escolhessem na tabanca pessoas que têm dedicação ao Partido e, por outro lado, merecem o respeito da população em geral. Que não sejam malandros, nem bandidos, para não entregarmos nas mãos deles a função de julgar outras pessoas.
O tribunal popular tem uma função, de acordo com o caso que aparece, de ajudar, enquanto o comité do partido tem uma função permanente. Um é trabalho político, económico, cultural, sanitário, social, portanto. O outro é trabalho de justiça, porque como já avançamos na nossa vida e na nossa luta, procuramos distinguir o político da justiça. Estamos a procurar separar, lentamente, o Estado da Justiça. Mas na nossa terra, a Justiça por mais que se separe do Estado, tem sempre de obedecer aos princípios fundamentais do Estado, quer dizer à linha política do nosso Partido.
Nós não temos conveniência em pôr membros do Comité do Partido a julgar casos concretos, porque alguns deles podem abusar. Se um dia, um membro do Comité do Partido proceder mal, como vai ser? Ele é juiz e acusado ao mesmo tempo?
Mas, tens razão, a autoridade principal não é o tribunal em nenhuma parte do mundo. O tribunal é um julgador do comportamento de um homem ou de um grupo de homens, em função das leis estabelecidas. As nossas leis para julgar os casos a nível da tabanca são os costumes da nossa terra, por um lado, mas melhorados pelas leis em geral e pelos princípios do Partido. Já o Tribunal de Zona e o Tribunal Inter-Regional trabalham na base da Lei da Justiça Militar, porque tratam de casos mais graves, como matar alguém, fazer grandes roubos, provocar incêndios ou ser agente dos colonialistas”.
11. Por tudo o que foi sendo aduzido no que se refere às preocupações de Amílcar Cabral relativamente ao respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, parece-nos claramente impertinente, manifestamente exagerada e/ou por demais excessiva a asserção de Carlos Veiga segundo a qual o conceito de democracia revolucionária de Amílcar Cabral seria, por assim dizer, o perverso núcleo irradiador de um Estado de não direito ou de um Estado de contra-direito, devidamente consubstanciado no Partido-Estado, no qual o PAIGC liderado pelo mesmo Amílcar Cabral se tinha transformado nas zonas/regiões libertadas da Guiné-Bissau. O nosso juízo de valor negativo ou, pelo menos, discordante a propósito da asserção primacialmente política de Carlos Veiga sobre uma das componentes mais cruciais do pensamento político-ideológico de Amílcar Cabral parece-nos ainda e tanto mais pertinente se levarmos em conta que esse mesmo Partido-Estado era, segundo as palavras do próprio Amílcar Cabral, “um Estado em formação e desenvolvimento” e cuja proclamação unilateral visaria essencialmente a alteração radical do estatuto político e jurídico-internacional do seu país natal com a respectiva transição da condição de uma colónia portuguesa denominada Guiné Portuguesa para um país soberano e independente orgulhosamente denominado Guiné-Bissau e com uma parte do seu território nacional - constituida essencialmente pelos centros urbanos e pelas ilhas (Bissau, Bolama e arquipélago dos Bijagós) - ocupada pelo poder colonial português, doravante transfigurada em potência estrangeira agressora. Como é sabido, tal desiderato de Amílcar Cabral, posteriormente realizado integralmente pelos seus sucessores, apóstolos, discípulos e seguidores do PAIGC, depois do seu bárbaro e traiçoeiro assassinato, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, constituiu uma notável e inovadora contribuição do carismático líder caboverdiano/bissau-guineense para o desenvolvimento do Direito Internacional Público, em especial daquele relativo ao exercício do direito dos povos colonizados à autodeterminação e independência política.
12. Desde a apresentação da por demais surpreendente proposta constante do Memorando apresentado ao Governo português, em Dezembro de 1960, o PAIGC pôde encetar, desenvolver e consolidar, com muito êxito e inegável sucesso, uma luta político-armada de longa duração que lhe granjeou imenso prestígio na arena político-diplomática mundial e o correlativo reconhecimento internacional como único e legítimo representante dos povos da Guiné e de Cabo Verde, primeiramente, em 1965, junto da OUA (Organização da Unidade Africana), depois, em 1972, junto da ONU (Organização das Nações Unidas), que, depois de ter enviado uma sua Missão Especial às zonas libertadas da Guiné-Bissau, reconheceu o PAIGC como membro observador da ONU, seguindo-se o reconhecimento pela OUA, em Novembro de 1973, do Estado independente e soberano da Guiné-Bissau, proclamado unilateralmente, a 24 de Setembro de 1973, por uma Assembleia Nacional Popular (ANP), eleita indirectamente por deputados integrantes dos Conselhos Regionais, eleitos directamente por sufrágio universal, directo, igual e secreto pelas populações das zonas libertadas e pelas comunidades de emigrantes bissau-guineenses radicadas nos países vizinhos e amigos, e dotada de poderes soberanos, constituintes e legislativos, bem como de poderes de designação de um poder executivo constituído por uma chefia de Estado colectiva denominada Conselho de Estado e por um Governo denominado Conselho dos Comissários do Estado. Ademais, a Assembleia-Geral da ONU reiterara o seu reconhecimento do PAIGC como único e legítimo representante do povo de Cabo Verde em princípios de Abril de 1974, depois da apresentação, em fins de Março de 1974, de um Relatório sobre a Situação em Cabo Verde por uma Delegação do PAIGC chefiada por Abílio Duarte, membro do Comité Executivo da Luta (CEL) do mesmo partido/movimento de libertação binacional.
Se é verdade que, interpretando a putativa vontade de Amílcar Cabral, seria impossível para o PAIGC retomar para a Guiné-Bissau o plano constante do Memorando Apresentado ao Governo Português, em Dezembro de 1960, pois que para a Guiné-Bissau a questão passou a reduzir-se essencialmente ao reconhecimento de jure pelo Governo português da República da Guiné-Bissau, na altura já gozando de amplo e sólido reconhecimento internacional, para Cabo Verde a situação era completamente diferente. Apesar de no Acordo de Argel celebrado entre o Governo Provisório Português e o PAIGC, a 25 de Agosto de 1974, para o reconhecimento de jure, a 10 de Setembro de 1974, pelas autoridades políticas portuguesas da independência política da República da Guiné-Bissau, o Governo português ter também reconhecido o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência política, as mesmas autoridades políticas portuguesas mantinham alguma relutância em reconhecer o PAIGC como único e legítimo representante do povo de Cabo Verde, tal como tinha ocorrido com a OUA e a ONU, e, nesse contexto, mormente quando ainda estavam em cena os apoiantes das teses spinolistas, insistiam na realização em Cabo Verde de um referendo de autodeterminação política com a participação dos três partidos políticos então presentes no cenário político caboverdiano, designadamente o PAIGC, a UPICV e a UDC. A isso opunha-se o PAIGC, aliás, com inusitadas veemência e firmeza, alegando e contrapondo com o seu reconhecimento internacional como único e legítimo representante do povo de Cabo Verde, considerando ademais que os outros dois partidos caboverdianos eram partidos fantoches e pouco representativos. Os representantes do MFA (Movimento das Forças Armadas) presentes em Cabo Verde comungavam do mesmo posicionamento político defendido pelo PAIGC, tendo, ademais, apresentado um ultimato ao Governo Provisório de Lisboa, ameaçando-o com a entrega imediata e a correlativa transferência ao PAIGC dos poderes soberanos que Portugal detinha sobre Cabo Verde. Neste contexto, o Governo Provisório Português não teve outro remédio senão iniciar as conversações com o PAIGC, as quais culminaram na celebração dos chamados Acordos de Lisboa, de 19 de Dezembro de 1974, e que, como é sabido, instituíram (tal como, aliás, a Lei Orgânica do Estado de Cabo Verde, adoptado a 17 de Dezembro de 1974, pelas autoridades políticas soberanas portuguesas, com o acordo prévio do PAIGC) um Governo de Transição para a Independência Política de Cabo Verde, nomeado pelo Presidente da República Portuguesa, integrado por sete Ministérios, constituído por três Ministros designados pelo PAIGC, dois Ministros designados pelo Governo Provisório Português e chefiado por um Alto-Comissário português, tendo o mesmo Governo de Transição do Estado de Cabo Verde tomado posse a 31 de Dezembro de 1974. Ademais, os Acordos de Lisboa marcaram a data do evento político maior da História da nova República para 5 de Julho de 1975, devendo a proclamação da independência política e da soberania nacional e internacional da nova República de Cabo Verde ser protagonizada por uma Assembleia Representativa do Povo Caboverdiano, a ser eleita, nos termos constantes da correspondente Lei Eleitoral, aprovada em Abril de 1975, pelas autoridades política soberanas portuguesas competentes, a 30 de Junho de 1975, por sufrágio pluralista, universal, directo, igual e secreto e por voto maioritário em cada um dos círculos eleitorais em listas plurinominais e solidárias apresentadas por grupos independentes de cidadãos. Estamos em crer que o PAIGC gozava de toda a legitimidade, quer a histórica, quer a internacional, para ser o único interlocutor do Governo Português nas negociações conducentes à independência política e à soberania nacional e internacional do nosso país, mas também estamos em crer que o cenário político prevalecente em Cabo Verde em inícios de Dezembro de 1974 correspondia exactamente ao cenário político desenhado por Amílcar Cabral no seu já muito referido Memorando ao Governo Português, de Dezembro de 1960. Por isso, acreditamos que teria sido possível realizar eleições livres e democráticas para a Assembleia Representativa do Povo Caboverdiano e prevista no Acordo de Lisboa, de 19 de Dezembro de 1974, com a participação de todos os partidos políticos presentes na altura no cenário político caboverdiano e não, ou não só, unicamente com a participação de grupos independentes de cidadãos, depois de terem sido interditadas as actividades da UPICV e da UDC e de alguns dos seus dirigentes e membros terem sido encarcerados no presídio político do Tarrafal. Não estando de maneira nenhuma em causa a concretização efectiva da independência política de Cabo Verde na data e nos moldes em que realmente veio a ocorrer, com previsível vitória esmagadora do PAIGC, as eleições legislativas de 30 de Junho de 1975 não teriam todavia sido um mero referendo/plebiscito às listas de grupos de cidadãos, afinal completamente dominados e controlados pelo PAIGC, mas eleições verdadeiramente livres e democráticas, mesmo que com a participação exclusiva de grupos independentes de cidadãos, mas influenciados e/ou determinados na sua composição por todos os três partidos políticos, presentes em inícios do mês de Dezembro de 1974, no cenário político caboverdiano. Contra esse cenário, alta e efectivamente democrático, posicionaram-se consabidamente todas as correntes político-ideológicas presentes no ramo caboverdiano do PAIGC, designadamente a democrático-revolucionária (também denominada nacionalista revolucionária por Jorge Carlos Fonseca), de feição cabralista, vindas das duas Guinés e emergentes da clandestinidade política e da luta legal de massas em Cabo Verde, em Portugal e em outros países, tal como, aliás, as correntes trotskista, luxemburguista, maoista, estalinista, marxista-leninista, nacionalista moderada e outras inominadas, também emergentes da luta política clandestina, semilegal e legal de massas conduzida pelo PAIGC em Cabo Verde, Portugal e outros países, como acima referido. Todas essa correntes e sensibilidades político-ideológicas, salvo quiçá a nacionalista moderada representada por Manuel (Lela) Rodrigues, parecem ter esquecido e ignorado (e/ou, talvez, até desconhecido) completamente o plano constante do Memorando do PAIGC apresentado ao Governo português, em Dezembro de 1960, e que, afinal, se aplicou em vários casos similares ao da ambiência democrática existente em Cabo Verde do período imediatamente posterior ao 25 de Abril de 1974 até aos inícios do mês de Dezembro de 1974. Perderam sobremaneira Cabo Verde e o povo caboverdiano, sobretudo em ganhos históricos de vivência política de experiências em democracia pluralista. Não por causa de Amílcar Cabral, mas apesar de Amílcar Cabral e do seu plano de transição plenamente democrática para a nossa independência política, de matriz indubitavelmente democrático-liberal, hoje tão justamente incensada e festejada!
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