Depois da vitória do MpD nas eleições legislativas de 2016, todos os cabo-verdianos estavam ansiosos e curiosos para ver quem é que José Ulisses Correia e Silva ia chamar para o seu elenco governamental, tendo em conta as promessas feitas e os compromissos que ele havia assumido com o povo, durante as campanhas eleitorais.
A nível no Ministério da Educação, muitos especulavam que a pasta seria entregue a Luís Filipe Tavares, tendo em conta o seu percurso profissional. Na verdade, durante muitos anos, ele tinha sido, até então, Administrador Geral e depois Reitor, da Universidade Jean Piaget e sempre que houvesse, na TCV, algo a debater em matéria da Educação, era ele quem representava o seu partido.
Entretanto, o Primeiro Ministro resolveu surpreender a todos, inclusive os militantes mais próximos, ao entregar a pasta do Ministério da Educação, mais a da Família e Inclusão Social, à Dra. Maritza Rosabal, pelo facto de ela ter trabalhado como técnica superior e dirigente no Ministério, na década de noventa, altura em que veio de Cuba. Ademais, ela é esposa do seu antigo braço direito quando era Presidente da CM da Praia.
Houve muitas críticas dentro e fora do partido, por ela não ser cabo-verdiana, não conhecer a realidade sócio-educativa de Cabo Verde e não dominar o português que é a língua oficial do ensino.
Contudo, alguns defensores de plantão, procuraram logo a justificação, com o exemplo de Portugal, em que também existe uma angolana no governo do PS – Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça. Mas esses defensores esqueceram-se que essa senhora (agora com 65 anos), foi para Portugal com 17 anos e fez toda a sua formação universitária, em Portugal e iniciou a sua carreira profissional, naquele país, desde 1979, como magistrada do Ministério Público.
Portanto, não é pelo facto de em Portugal ou noutros países, existirem “estrangeiros” no governo, que também devemos fazer o mesmo, sem ter em atenção outros critérios. Aqui está o primeiro descuido cometido pelo Primeiro Ministro, num sector chave que é a Educação.
A novel Ministra, ao iniciar as suas funções, foi obrigada a fazer um “saneamento político”, não só nos serviços centrais do seu Ministério, mas também em todas as Delegações concelhias. Os técnicos experientes e com provas de capacidade técnica dadas, foram substituídos só porque se dizia que eram da oposição. O mais grave nisto tudo, é que em todos os concelhos, as equipas foram maioritariamente impostas pelos respetivos dirigentes partidários, sem se ter em conta as reais capacidades técnico-profissionais dos selecionados. Aqui, Maritza Rosabal cometeu o seu primeiro descuido, como Ministra da Educação.
O segundo descuido da Ministra foi ter convidado a Dra. Adriana Mendonça para o cargo de Diretora Nacional da Educação (DNE). Apesar de se dizer que é uma excelente docente, ela não residia em Cabo Verde, mas sim vivia em Portugal. Sendo assim, não era possível conhecer o setor educativo, nem tampouco identificar os principais desafios do então sistema educativo. Portanto ela desconhecia a realidade sócio-cultural e educativa do nosso país.
Logo que ela chegou, a primeira novidade que trouxe foi trocar EBI por EBO e substituiu os Pólos Educativos por Agrupamentos Escolares (cópia de Portugal) sem qualquer estudo prévio das realidades geográfica e económica do país.
Se antes a política educativa era construir escolas em todas as localidades (levar escolas para perto das comunidades), para evitar deslocações distantes como antigamente, com todos os custos inerentes, ela resolveu fechar algumas salas e trazer os alunos do 5º e 6º anos aos centros urbanos, às custas dos parcos recursos dos pais e encarregados da educação. Com a pandemia do COVID-19, esperava-se que o Ministério iria rever essa questão de Agrupamentos, deixando os alunos nas suas localidades e evitando deslocações e aglomerações. Mas a situação continua tudo na mesma, com todos os riscos advenientes. Nota-se que nesse processo todo, nem os professores nem os pais foram ouvidos.
O terceiro descuido da Ministra da Educação foi ter autorizado a retirada dos manuais escolares (EBI) de circulação, que haviam sido produzidos há menos de três anos. Ela ordenou a produção de novos manuais. Os novos livros que foram feitos à pressa, continham erros graves, o que veio a provocar a queda da então DNE. No entanto, muitos entenderam que quem deveria ser demitida era a própria Ministra, mas como dizia o velho ditado “a corda sempre arrebenta pelo lado mais fraco”. É de se salientar que ela acabou por regressar a Portugal e desde então até esta data, o ME já teve três DNE.
Apesar de muitas pressões nas redes sociais, ameaças de manifestações por parte dos pais e encarregados de educação, a Ministra, na altura, disse que os manuais escolares não iriam ser retirados; que iriam manter-se até ao final do ano e que os erros seriam corrigidos nas aulas pelos professores através de um sistema de erratas e autocolantes.
Entretanto, o Primeiro Ministro, na presença da Ministra, anunciou a substituição desses manuais, em que foram detectados os tais erros, precisamente no dia em que foi aceite a demissão da DNE. Aqui a Ministra cometeu mais um descuido, por não ter colocado o cargo à disposição, quando foi publicamente desautorizada pelo seu Primeiro Ministro.
Uma outra polémica que a Ministra foi obrigada a gerir, foi a introdução da Educação Moral e Religiosa Católica, na sequência da Concordata assinada entre Cabo Verde e Santa Sé, quando José Maria Neves era chefe do Governo.
Muitos criticaram-na pelo facto do nosso Estado ser laico. Entretanto alguns aplaudiram a pertinência dessa disciplina. Houve outros ainda que sugeriram que a nova disciplina poderia simplesmente chamar-se Educação Moral e Religiosa para não desagradar as outras confissões religiosas. Na verdade, trata-se de uma disciplina de caráter não obrigatória, até porque os alunos (ainda) não são avaliados e por isso, a adesão não tem sido aquela que se esperava.
Falta de manuais e Pressões internas/externas
Ainda relativamente aos manuais escolares, é de se salientar que o país continua com falta de livros em vários níveis de escolaridade, obrigando os professores e alunos a recorrerem sistematicamente a cópias de manuais estrangeiros ou então a reprodução das fotocópias.
Apesar das reclamações dos professores, alunos e pais, das críticas dos sindicatos, a situação ainda persiste, não se sabendo até quando haverá livros escolares em todos os níveis de escolaridade, principalmente no Ensino Básico.
Sobre essa questão, recentemente a primeira-dama, Dra. Lígia Fonseca fez duras críticas ao Estado de Cabo Verde, apelando, inclusive, aos alunos à manifestação por causa dessa lacuna.
Porém, alguns analistas acharam que a Dra. Lígia Fonseca não quis censurar a então Ministra da Educação, nem teve essa pretensão, porque, segundo dizem, agora com uma filha no secundário, ela está a sentir na pele, o que é ter um filho a estudar neste país das aparências. Pois, mesmo com condições para comprar livros, ela vai ter que se contentar com cópias e mais fotocópias e muitas de péssima qualidade. Portanto, consideram que ela apenas fez um desabafo enquanto mãe.
Contudo, houve muitos dirigentes e militantes do MpD que não conseguiram digerir o desabafo da primeira-dama. Por causa disso, ela foi bastante maltratada, insultada e até ameaçada nas redes sociais.
O certo é que dias depois, a Ministra da Educação pediu a demissão do governo, alegando motivos pessoais, quando faltavam menos de cinco meses para as eleições legislativas. Essa demissão apanhou toda a comunidade educativa de surpresa e muitos ainda questionam o que terá levado Maritza Rosabal a bater com a porta, praticamente já no final do mandato.
E nos corredores, muitos perguntam: Porque não pediu para sair muito antes? Será por causa dos efeitos das críticas da primeira-dama? Será por pressões dentro do partido, tendo em conta os resultados autárquicos? Será que aguardava para garantir a sua aposentação com o salário de Ministra?
Bem, independentemente dos reais motivos, ela cometeu um erro grave, em não permanecer no barco já quase no fim e, o erro mais grave ainda, é o facto do Primeiro Ministro ter aceite o pedido, nesta altura do campeonato, quando, muitos antes, ele tinha motivos de sobra para a demitir.
Assomada, 8 de dezembro de 2020.
Adalberto Teixeira Varela
Professor do Ensino Secundário
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