1. Nestas últimas semanas, Cabo Verde inteiro foi apanhado totalmente de surpresa com o Governo, pública e despudoradamente, a tentar manipular dois conceitos, duas palavras, tão elementares como o são “administrativo” e “político”. Numa tentativa de enganar os caboverdeanos sobre quais é que são as responsabilidades do Governo e as responsabilidades de administradores de empresas, ainda mais grave – empresas públicas –, ou seja, sob a responsabilidade direta do Governo. Note-se que essa tentativa de enganação vem a público no momento em que o Governo está apressado a vender uma dessas empresas;
2. Há, desde logo, que se clarificar a relação que existe entre o “administrativo” e o “político”. É preciso começar por sublinhar que o “administrativo” está sob as orientações do e a obediência ao “político”. Basta vermos que todos os serviços do Estado, a maior máquina “administrativa” do país, tem sempre no topo, um chefe, um “big boss”, que é “político”. É o ministro que tutela departamentos do Estado e que só chega a esse cargo através de eleições “políticas”, às quais só podem concorrer partidos “políticos”. É o ministro quem decide, profere despachos, escolhe o caminho a seguir e manda em todos os funcionários do seu ministério. É evidente que se faltar uma porca num parafuso, a responsabilidade não pode ser do Governo. Mas, se a segunda maior ilha do país fica sem voos internacionais da companhia aérea – até ainda – nacional, a responsabilidade só pode ser do Governo! Há aqui uma grande contradição! Tudo o que aconteceu aos TACV foi atribuído ao governo anterior. Agora, de repente, já não é assim?!
3. É preciso recuar. Lembremo-nos que no princípio desta legislatura, logo após o março de 2016, há duas ideias desastrosas e infelizes que foram lançadas por toda a parte. A primeira, é a ideia de que “não se poderia pendurar a linguiça no pescoço do gato”, numa alusão a um princípio bastante baixo de gestão da administração pública, querendo dizer que, para cargos de gestão de topo, defende-se a nomeação de pessoas de confiança “política” que, depois, uma vez no cargo, nunca iriam abocanhar (rikuti) a linguiça, ou seja, não prejudicariam o partido que os nomeou. A segunda ideia foi a de que não faria sentido nomear para cargos de direção, nenhum daqueles cidadãos caboverdeanos que tivessem manifestado publicamente o seu posicionamento político contrário ao partido vencedor dessas eleições de março. Ou seja, gentes que nunca deram “um pio público contrário”, um forte sinal de que manter-se-iam acríticos no lugar, seguindo todas as ordens vindas de cima, do “político” de cima, bem entendido;
4. Deixando, por ora, de lado, a gravidade dessas ideias da ‘linguiça’ e das ‘substituições’ e os danos que representam na construção da liberdade política individual e da própria democracia, o facto é que se assistiu à substituição de todos os membros de todos os conselhos de administração de todas as empresas públicas – sem falar de diretores de liceus, gestores de polos educativos, delegados concelhios dos ministérios da educação e da agricultura, diretores gerais e de serviços, etc. Houve mesmo quem caricaturasse que até os porteiros teriam sido substituídos!
5. Se se fez todas as substituições de “administradores administrativos”, precisamente, para se ter nas empresas gente de confiança – que não se manifestou publicamente contra e nem vai comer as linguiças – agora, vem se afirmar que os “administrativos” colocados não têm nada a ver com a “política”? Está-se a tentar dizer que são esses “administrativos” que definem a “política” de transportes aéreos do país? As “políticas públicas” para esse setor? Mais ainda, que são esses administrativos que fizeram campanha eleitoral e que prometeram que iriam resolver todos os problemas das ligações aéreas do país? Assim, já não há uma única réstia de seriedade!
6. Quando o Governo promove estratégias de manipulação de conceitos tão elementares como “administrativo” e “político” é sinal de três situações, todas tremendamente preocupantes: i) trata-se de uma simples tentativa de mascarar a realidade; ii) o governo é incompetente para cumprir com a promessa eleitoral; e, por fim, e o mais grave, iii) conta com o silêncio conivente de, pelo menos, as organizações profissionais e os órgãos de comunicação social, para fazer precisamente isso: transformar tudo em "jogada política" e desvalorizar toda a vida quotidiana dos cidadãos!
7. Há duas lições importantes a serem tiradas desta situação com o Governo a dizer que não tem nada a ver com a decisão de fazer voos para Lisboa a partir de São Vicente: os empresários que, hoje, choram na linha da frente devido aos preços que o famoso mercado determinou – precisamente num tempo de Governo amigo das empresas! É caso para pensar: com amigos destes, os empresários já não precisam de inimigos. A segunda lição é que a privatização poderá, afinal, não vir a ser o “mar de rosas” que vem sendo vendido. Ainda nem foi privatizada e o Governo já está a dizer que é o mercado que determina o preço, como será depois da privatização?! Virão os subsídios e esquemas de financiamento? Mas, afinal, não é o que era suposto combater?!
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