Completam-se hoje três anos que Clarisse Mendes (Nina) e Sandro Mendes (Filú) saíram de casa para comprar açúcar, em Água Funda, na Cidade da Praia, e não regressaram, deixando em lágrimas os pais e os familiares.
O desaparecimento dos dois primos aconteceu na tarde de um sábado, 03 de Fevereiro. Na altura, Filú tinha dez anos e Nina estava a completar 12. Apesar de buscas efectuadas pelos familiares naquela noite e, depois, pelas autoridades, as duas crianças nunca foram localizadas.
A Inforpress esteve na localidade de Achada Limpa, onde aqueles meninos costumavam acompanhar a avó Bianina, que hoje sofre de algumas perturbações mentais por causa do desaparecimento dos netos, para falar com alguns pastores residentes, que conviveram de perto com os dois meninos.
Teresa Brito, que há 26 anos se instalou em Achada Limpa, onde construiu um curral para cuidar dos seus animais, diz recordar com “saudades” os meninos que eram “carinhosos e muito bem-educados”.
“Estes meninos cresceram cá connosco e todos nós gostávamos deles. Não nos saem da memória”, disse Teresa Brito, acrescentando que a avó deles se desloca à Achada Limpa, não obstante ter deixado a actividade de pastorícia, percorre as achadas, dizendo que os seus netos estão vivos e que “um dia vão aparecer todos crescidos e quem os tem prendido, está a tratá-los bem”.
“Quando começou o caso de desaparecimento de crianças, um dia Filú comentou connosco: “ami nka ta pegado. Nta grita i Nta mordes pes largam” (Eu não serei apanhado. Se acontecer, gritarei e morder-lhes-ei para me largarem). Teresa Brito conta este episódio com lágrimas nos olhos. Por ironia do destino, pouco tempo depois Filú era raptado juntamente com a prima.
“Os meus netos vinham e passavam as férias comigo, mas, depois do caso de Nina e Filú, não quiseram mais vir aqui”, observou a fonte da Inforpress, para depois acrescentar: “Ficamos sem moral de continuar aqui”.
Silvino Cabral diz que é tio dos dois primos, de quem guarda “boas recordações”.
“O Filú e a Nina eram amigos de todos nós e excelentes meninos”, indicou Silvino Cabral, que não acredita que os dois vão aparecer.
“Como se diz em bom crioulo, a forma como se comportavam não era de quem tinha vida longa”, vaticinou.
Um outro pastor que conheceu bem as duas crianças é José Gomes (Zezinho), que está em Achada Limpa desde 1993. Dedica-se à criação de cabras, vacas, porcos e galinhas. Veio de Santo Antão para trabalhar na construção civil. Mas, depois de algum tempo, optou pela criação de animais.
“Crianças educadas que deixaram saudades e eram queridas por todos os pastores”, garantiu Zezinho, para quem o aparecimento dos dois meninos seria a melhor coisa que lhe podia acontecer na vida.
“Eu próprio ajudaria na realização de uma festa de alegria”, disponibiliza-se José Gomes, que lamenta como o desaparecimento das duas crianças tem contribuído para a deterioração do estado de saúde da avó.
Entretanto, a tia Lady Borges ainda não perdeu a esperança de um dia voltar a ver os sobrinhos a viver na companhia da família.
“Acreditamos que aparecerão, mesmo depois de se tornarem homem e mulher”, prognostica a tia, acrescentando que mesmo que estejam a dormir, Nina e Filú “podem bater à porta para serem recebidos de braços abertos”, porque eram “meninos queridos e sempre disponíveis para fazerem os mandados dos mais velhos”.
Para Lady Borges, as autoridades não têm informado à família sobre o processo de investigação sobre as duas crianças desaparecidas.
“Sempre que a televisão fala de crianças desaparecidas, aparecem as imagens dos meus sobrinhos e os meninos em casa começam a apontar o dedo, comentando ‘Olha Nina e Filú’”, notou Lady Borges.
Por sua vez, Arlinda Mendes Cabral (Isa), mãe do Filú, ainda acredita que os dois primos hão-de aparecer.
“Sentimos muita falta deles [Nina e Filú]. Há um vazio dentro de nós. Eu com a minha dor e a minha mãe com a dela”, lamenta Isa, por entre lágrimas, assegurando que está com a esperança de que os dois primos “estão vivos”.
Mostra-se, entretanto, “preparada para tudo”, ou seja, a notícia de que estão vivos ou que morreram.
Nina e Filú nasceram e cresceram na mesma casa até ao dia em que desapareceram, também juntos.
“Não viviam um sem o outro. Quando se oferecia algo ao Filú, ele recomendava para também guardar o da Nina e vice-versa”, conta Isa.
Depois de três anos, diz que não consegue visitar a zona onde os dois meninos desapareceram.
“Na véspera do Natal, fui buscar uma encomenda que me foi enviada com uma pessoa que mora no bairro “Casa para Todos” e arrependi-me de ter ido lá porque comecei a lembrar-me do Filú e da Nina, porque as coisas aconteceram nessa zona”, declarou, reportando que, ao contrário dela, a mãe Bianina “sente-se bem quando se desloca à Achada Limpa, porque conviveu lá com os meninos durante muitos anos, na companhia dos seus animais”.
Quando se deu o desaparecimento, Filú, segundo mãe, tinha passado para a quarta classe, enquanto a Nina estudava quinta classe.
Apela às autoridades nacionais para continuarem a procurar pelos dois meninos e acredita que os autores que sequestram Nina e Filú podem ser os mesmos que raptaram Edvânia Gonçalves, 10 anos, no bairro de Eugénio Lima, cujas ossadas foram encontradas mais tarde na localidade de Ponta Bicuda, Achada Grande Trás, Praia, e apresentadas pela Polícia Judiciária como sendo dela.
O primeiro caso de desaparecimento de pessoas na capital aconteceu em Agosto de 2017, com Edine Jandira Robalo Lopes Soares, 19 anos, que deixou a casa em Achada Grande Frente, alegando levar o bebé para o controlo no Programa Materno-Infantil (PMI), na Fazenda, sendo que até hoje, a mãe e filho continuam desaparecidos.
Entretanto, por despacho do procurador-geral da República, foi criada uma equipa conjunta, composta por elementos da PJ e da Polícia Nacional, coordenada por um procurador da República, para trabalhar exclusivamente nos casos de desaparecimento de pessoas.
O desaparecimento misterioso de seres humanos tem inquietado o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que exigiu respostas por parte das autoridades.
A sociedade civil também tem manifestado a sua inquietação. É o caso do cardeal Dom Arlindo Furtado, que classificou a situação “muito preocupante, grave e chocante” e, segundo ele, há “qualquer coisa que está a acontecer que não dá para entender”.
A Inforpress tentou contactar com o inspector responsável pelo Departamento de Crimes contra Pessoa, José Luís Gonçalves, para algum esclarecimento sobre o caso da Nina e Filú, mas tal não foi possível.
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