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Máfia de terrenos da Praia. ACP manda todos a julgamento
Sociedade

Máfia de terrenos da Praia. ACP manda todos a julgamento

Os 15 arguidos do mega-processo relativo à “Máfia de terrenos da Praia”, com destaque para figuras públicas como Arnaldo Silva, Rafael Fernandes, Alfredo Carvalho e a empresa deste, Tecnicil, vão a julgamento, conforme decisão do juiz que os ouviu na Audiência Contraditória Preliminar. Todos eles estão acusados de burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção activa.

A Audiência Contraditória Preliminar (ACP) feita no 3º juizo crime do Tribunal da Praia decidiu encaminhar todos os arguidos para julgamento do mega-processo da venda ilegal de terrenos da Praia, em que estão envolvidos pelo menos 15 arguidos.

Durante a ACP, o juiz Alcides Andrade, do 3º juizo-crime, entendeu que a polémica matéria que tinha em mãos só será resolvida em sede de julgamento, pelo que entendeu que deveria mandar todos os arguidos a audiência de julgamento.

A ACP, solicitada pelos arguidos, tinha como objectivo chegar a um entendimento com os queixosos de modo a evitar que o processo chegasse às barras do Tribunal para julgamento, arriscando condenação a pena de prisão e indemnizações.

A estratégia falhou, de modo que todos os 15 arguidos vão ter de ir a julgamento, em data ainda a anunciar.

Recorde-se que o Ministério Público deduziu acusação contra 15 indivíduos suspeitos da venda ilegal de terras da Praia, processo intentado pelos herdeiros da família Tavares Homem (Firmina Tavares Homem e António Manuel Tavares Homem), representados pelo seu advogado Emilio Xavier, que já trabalhava com o malogrado advogado Felisberto Vieira Lopes,principal actor no desvendamento deste caso.

São eles: o antigo governante Arnaldo Silva, o ex-vereador da CMP, Rafael Fernandes, o empresário Alfredo Carvalho, a Tecnicil, Armindo Silva (ex-topógrafo da CMP), Maria Helena Oliveira e Sousa (filha de Fernando de Sousa), Maria Albertina Duarte (Ex- director geral de Registo e Notariado), Rita Martins (Notária-Conservadora dos Registos), Elsa Silva (empresária angolana), Victor Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa), Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa (portuguesa), José Manuel Oliveira Sousa (filho de Fernando Sousa), Ivone Brilhante (portuguesa), Maria do Céu Monteiro e Wanderley Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa).

A lista de réus, para os quais o MP tinha pedido julgamento de tribunal colectivo, inclui ainda uma carta rogatória enviada pelo 3º juizo-crime do Tribunal da Praia às autoridades judiciais portuguesas a fim de notificarem a família dos ofendidos. São cerca de 40 testemunhas que vão prestar declarações no Tribunal.

O esquema

O despacho de acusação do Ministério Público, de 90 páginas considera que esse grupo agiu “de forma criminosa e altamente prejudicial para o Estado, para a Justiça, para a Autoridade do Estado e para a sociedade em geral, com danos avultadíssimos aos legítimos proprietários”.

O extenso documento, que, no fundo, deitou por terra o argumento de perseguição política e evidenciou crimes comuns, enumerou e deduziu acusação contra 14 indivíduos mais a empresa Tecnicil (enquanto pessoa colectiva). À cabeça, Arnaldo Silva, antigo governante e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, que pela acusação do MP, aparece como pivot de toda a trama, estando por isso acusado de sete crimes: burla qualificada, corrupção activa, organização criminosa, falsificação de documentos, agravado, lavagem de capitais e falsidade informática. Crimes, de resto, que motivaram a sua detenção em 2019, tendo sido depois colocado sob Termo de Identidade e Residência, proibição de contactar os outros visados e interdição de saída do país, medidas entretanto baixadas para apenas TIR.

“O arguido Arnaldo Silva depositou numa das suas contas a quantia que ascende a 70.000.000$00, tendo este advogado de profissão e trabalhador dependente da extinta TACV, e da criada Cabo Verde Airlines, nunca declarado valores que justifiquem a proveniência deste montante”, dizia o despacho do MP, que caracteriza os 14 arguidos mais a Tecnicil de “grupo criminoso”.

No caso de Rafael Fernandes, o MP pedia a aplicação do Termo de Identidade e Residência, assim como ao arguido Alfredo Carvalho, dono da empresa Tecnicil, que, segundo o MP, “apropriou-se ilicitamente de terrenos alheios para a sua comercialização”.

“Alfredo Carvalho e a Tecnicil, ilegalmente se apropriaram de terrenos que sabiam ser alheios, com a conivência dos réus Arnaldo Silva e Maria Helena (n.d.r. herdeira de Fernando de Sousa, suposto donos desses terrenos no Palmarejo e zonas contíguas), com avultados prejuízos aos legítimos proprietários, Caixa Económica de Cabo Verde, BCA e Banco Interatlântico no total que ascende a 1.500.000.000$00 (um bilhão de escudos), à qual se acresce a quantia de 638.000.000$00, lotes e imóveis edificados e vendidos, designadamente os valores pelos quais foram vendidos o condomínio ‘Ondas do Mar’, acrescendo a quantia de 2.000.000.000$00, o que se traduz no valor do terreno e no lucro obtido ainda sem ter em conta o património pessoal do arguido Alfredo Carvalho”.

Todos os 15 réus, grosso modo, estão acusados de crimes de organização criminosa, burla qualificada, falsificação de documentos agravado. O MP chegou inclusive a deduzir o pedido de confisco de bens de Arnaldo Silva, Maria Helena Sousa, Armindo Silva, Elsa Baião Silva, Victor Sousa, Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa, José Manual Sousa, Ivone Brilhante, Wanderley Sousa, Maria albertina Duarte e Rita Martins.

“Pelo exposto, requer-se aos meritíssimos juízes se digne julgar procedente o presente pedido de confiscação (…) a favor do Estado de todos os bens imóveis, bens móveis, direitos, títulos, valores e quantias e quaisquer outros objectos depositados em bancos ou outras instituições de crédito, de Arnaldo Silva e Elsa Baião Silva, apreendidos nos presentes autos e ainda dos bens a apreender dos arguidos Armindo Silva e Maria Albertina Duarte, bem assim dos arguidos Alfredo Carvalho e de todos os herdeiros de Fernando de Sousa”, exige o Ministério Público. Em relação à Tecnicil, o MP pede que pague 4 mil contos de caução.

CMP e Governo como assistentes?

Um jurista contactado por Santiago Magazine acha que a Câmara Municipal da Praia e o próprio Governo deveriam constituir-se assistentes do processo para acompanhar o processo de perto e defender os interesses do Estado. "Primeiro, não há Vieira Lopes. Depois, se os arguidos sairem vencedores desta ACP o julgamento irá dar em nada, acabará em águas de bacalhau", diz, sugerindo que, para um melhor acompanhento e sucesso do processo, "quer a Câmara Municipal da Praia, quer o Governo deveriam constituir-se como assistentes para poderem salvaguardar os ulteriores e superiores interesses do Estado, que foi lesado em largos milhares de contos. Só assim se garantiria que a verdade prevalecerá e os infractores serão punidos".

No entender do nosso interlocutor, a CMP e o Governo podem requerer que sejam constituídos assistentes. "Basta um advogado e uma folha de papel", diz, admitindo, contudo que tal não irá acontecer porque "não há vontade política". "Aliás, nenhum partido do arco do poder, PAICV e MpD, falam do assunto, pelo contrário evitam-na porque estão todos implicados. Basta ver que a defesa da Tecnicil baseia-se precisamente no facto de ter adquirido primeiro os terrenos no então advogado de Fernando Sousa, David Hopffer Almada, e só depois da saída deste entrou Arnaldo Silva. Há Jacinto Santos, que não está como arguido mas tudo começou com ele na presidência da Câmara, mas também há Rafael Fernandes, ex-vereador da CMP, no tempo de Óscar Santos". 

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