O julgamento do mega-processo da máfia de terrenos da Praia, que havia sido adiado para o dia 27 deste mês por alegada falta de notificação de alguns dos 15 arguidos, voltou a ser diferido, desta feita sine die. É que a Tecnicil – única empresa arguida num processo que junta o ex-bastonário dos Advogados e antigo governante, Arnaldo Silva, o ex-vereador da CMP, Rafael Fernandes e o próprio Alfredo Teixeira, dono desse grupo industrial e imobiliário – resolveu agora exigir julgamento por Tribunal Colectivo, alinhando a sua posição com a defendida desde sempre pelo Ministério Público.
Os intervenientes foram informados desta nova decisão judicial na passada sexta-feira, 3, quando todos – sobretudo os herdeiros da família Tavares Homem, principais lesados por essa alegada venda ilegal desenfreada de terrenos da Praia – estavam preparados e animados para ver julgado esse processo que se arrasta há mais de uma década.
Neste momento, segundo confidenciou ao Santiago Magazine um dos seus defensores, estão revoltados e incrédulos, porque, finalmente, já tudo a postos para o caso ir barras da justiça e ser esmiuçado em sede do Tribunal. Na verdade, é uma vez mais que se adia esse julgamento, depois de ter sido agendado pelo juiz do terceiro juizo-crime, Alcides Andrade, para acontecer nesta segunda-feira, 6, mas mudado para o dia 27 deste mês, supostamente, porque os oficiais de diligência não conseguiram notificar em tempo legal (20 dias de antecedência) pelo menos dois dos 15 arguidos – Santiago Magazine sabe agora que um deles é a Conservadora Notária na Praia, Rita Martins.
Agora, em nova reviravolta, o julgamento foi de novo protelado desta vez sem data, o que, com o aproximar das férias judiciais, atira para muito mais longe a marcação de nova data.
Tudo porque, a empresa Tecnicil, também arguida, revolveu em última hora exigir que o julgamento seja por tribunal colectivo e não presidido por um único juiz. Os advogados da Tecnicil decidiram agora alinhar com a posição do Ministério Público e a verdade é que o Tribunal não ignorou essa exigência e suspendeu a sessão de audiência do dia 27, adiando julgamento até indicar uma próxima data.
Em Dezembro, o juiz Alcides Andrade, do 3º juizo-crime, após Audiência Contraditória Preliminar (ACP), decidiu encaminhar todos os arguidos para julgamento do mega-processo da venda ilegal de terrenos da Praia.
Durante a ACP, o juiz Alcides Andrade entendeu que a polémica matéria que tinha em mãos só será resolvida em sede de julgamento, pelo que achou que deveria mandar todos os arguidos a audiência de julgamento.
A ACP, solicitada pelos arguidos, tinha como objectivo chegar a um entendimento com os queixosos de modo a evitar que o processo chegasse às barras do Tribunal para julgamento, arriscando condenação a pena de prisão e indemnizações.
Recorde-se que o Ministério Público deduziu acusação contra 15 indivíduos suspeitos da venda ilegal de terras da Praia, processo intentado pelos herdeiros da família Tavares Homem (Firmina Tavares Homem e António Manuel Tavares Homem), representados pelo seu advogado Emilio Xavier, que já trabalhava com o malogrado advogado Felisberto Vieira Lopes,principal actor no desvendamento deste caso.
São eles: o antigo governante Arnaldo Silva, o ex-vereador da CMP, Rafael Fernandes, o empresário Alfredo Carvalho, a Tecnicil, Armindo Silva (ex-topógrafo da CMP), Maria Helena Oliveira e Sousa (filha de Fernando de Sousa), Maria Albertina Duarte (Ex- director geral de Registo e Notariado), Rita Martins (Notária-Conservadora dos Registos), Elsa Silva (empresária angolana), Victor Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa), Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa (portuguesa), José Manuel Oliveira Sousa (filho de Fernando Sousa), Ivone Brilhante (portuguesa), Maria do Céu Monteiro e Wanderley Oliveira e Sousa (filho de Fernando Sousa).
A lista de réus, para os quais o MP tinha pedido julgamento de tribunal colectivo, inclui ainda uma carta rogatória enviada pelo 3º juizo-crime do Tribunal da Praia às autoridades judiciais portuguesas a fim de notificarem a família dos ofendidos. São cerca de 40 testemunhas que vão prestar declarações no Tribunal.
O esquema
O despacho de acusação do Ministério Público, de 90 páginas, considera que esse grupo agiu “de forma criminosa e altamente prejudicial para o Estado, para a Justiça, para a Autoridade do Estado e para a sociedade em geral, com danos avultadíssimos aos legítimos proprietários”.
O extenso documento, que, no fundo, deitou por terra o argumento de perseguição política e evidenciou crimes comuns, enumerou e deduziu acusação contra 14 indivíduos mais a empresa Tecnicil (enquanto pessoa colectiva). À cabeça, Arnaldo Silva, antigo governante e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, que pela acusação do MP, aparece como pivot de toda a trama, estando por isso acusado de sete crimes: burla qualificada, corrupção activa, organização criminosa, falsificação de documentos, agravado, lavagem de capitais e falsidade informática. Crimes, de resto, que motivaram a sua detenção em 2019, tendo sido depois colocado sob Termo de Identidade e Residência, proibição de contactar os outros visados e interdição de saída do país, medidas entretanto baixadas para apenas TIR.
“O arguido Arnaldo Silva depositou numa das suas contas a quantia que ascende a 70.000.000$00, tendo este advogado de profissão e trabalhador dependente da extinta TACV, e da criada Cabo Verde Airlines, nunca declarado valores que justifiquem a proveniência deste montante”, dizia o despacho do MP, que caracteriza os 14 arguidos mais a Tecnicil de “grupo criminoso”.
No caso de Rafael Fernandes, o MP pedia a aplicação do Termo de Identidade e Residência, assim como ao arguido Alfredo Carvalho, dono da empresa Tecnicil, que, segundo o MP, “apropriou-se ilicitamente de terrenos alheios para a sua comercialização”.
“Alfredo Carvalho e a Tecnicil, ilegalmente se apropriaram de terrenos que sabiam ser alheios, com a conivência dos réus Arnaldo Silva e Maria Helena (n.d.r. herdeira de Fernando de Sousa, suposto donos desses terrenos no Palmarejo e zonas contíguas), com avultados prejuízos aos legítimos proprietários, Caixa Económica de Cabo Verde, BCA e Banco Interatlântico no total que ascende a 1.500.000.000$00 (um bilhão de escudos), à qual se acresce a quantia de 638.000.000$00, lotes e imóveis edificados e vendidos, designadamente os valores pelos quais foram vendidos o condomínio ‘Ondas do Mar’, acrescendo a quantia de 2.000.000.000$00, o que se traduz no valor do terreno e no lucro obtido ainda sem ter em conta o património pessoal do arguido Alfredo Carvalho”.
Todos os 15 réus, grosso modo, estão acusados de crimes de organização criminosa, burla qualificada, falsificação de documentos agravado. O MP chegou inclusive a deduzir o pedido de confisco de bens de Arnaldo Silva, Maria Helena Sousa, Armindo Silva, Elsa Baião Silva, Victor Sousa, Maria Leonor Pinto Balsemão Sousa, José Manuel Sousa, Ivone Brilhante, Wanderley Sousa, Maria albertina Duarte e Rita Martins.
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