Há 35 anos, ou seja, em Agosto de 1986, a ingestão de metanol, um produto utilizado para arrefecer motores de aviões, provocou, na aldeia piscatória de Rincão, Santa Catarina, oito óbitos e cerca de 30 hospitalizados.
Este foi o balanço do triste acontecimento que enlutou a outrora pacata povoação piscatória de Rincão, no município de Santa Catarina, interior de Santiago. Mais de três dezenas de pessoas ali residentes ingeriram em grande quantidade um líquido que mais tarde veio a ser identificado como álcool metílico (metanol).
O produto ingerido fora encontrado por três pescadores num bidão que vogava à deriva a uma milha da costa, proveniente do navio a motor “Ilha do Sal”, que encalhou na localidade de Baixo Galhão, ilha do Maio.
O tratamento dos pacientes foi, segundo o pessoal de saúde, uma “maratona”. O dr. Martell, um médico cooperante que se encontrava colocado no hospital de Assomada, passou, praticamente, três noites sem dormir, atendendo as vítimas que ingeriram o metanol.
O primeiro evacuado para Assomada deu entrada já sem vida no hospital local, por volta das cinco horas da tarde. Uma hora mais tarde, uma senhora dos 70 anos e uma criança chegaram em estado de coma e faleceram alguns minutos depois.
“Tudo fizemos para salvar essas vidas, mas não nos foi possível, porque as pessoas tinham consumido uma grande quantidade de metanol”, dissera, na altura o dr. Martell ao repórter do VP, acrescentando que, de início, realizaram um tratamento sintomático, isto é, de acordo com o estado em que se apresentavam as vítimas.
Entretanto, depois de as autoridades procederem à recolha do líquido, que foi analisado, verificaram que se estava em presença de uma substância tóxica.
O vinho foi a única alternativa para a recuperação dos infortunados.
“Isto a princípio pode intrigar as pessoas, mas só dessa maneira é que se pode tratar os doentes”, informara o clínico que acompanhou as vítimas.
Segundo suas explicações, quando o metanol chega ao fígado este o transforma em outro produto tóxico.
“É no fígado que se dão as alterações com grande incidência no centro nervoso óptico, provocando cegueira. Para evitar que isso aconteça, os doentes têm de ingerir o vinho, aguardente, etc, pois o fígado resiste melhor aos efeitos do álcool etílico. Assim, enquanto as enzimas estão ocupadas a transformar este álcool, o fígado não terá tempo para converter o metanol ingerido em outro produto tóxico”, esclareceu.
A história do metanol, que enlutou a aldeia do Rincão, começa por volta das seis da manhã, num dia que parecia ser aprazível para os três pescadores da embarcação de boca aberta chamada “Filomena”, quando avistaram um bidão que se encontrava à deriva, pensando que tinham achado um tesouro.
Regressam a terra com o bidão preso ao “Filomena” e entregam-no ao proprietário da embarcação. A este couberam 50 litros do produto que se julgava ser aguardente e igual quantia aos marinheiros.
As pessoas beberam o conteúdo do bidão, num ambiente de festa que durou poucas horas, porque começaram a morrer. Entre os mortos estavam também crianças que consumiram o produto.
Na altura, ficou evidente a incúria de algumas entidades e instituições, nomeadamente a Empresa Nacional de Administração de Portos (Enapor), que permitiram que diversos bidões continuassem a bordo do navio, flutuando mais tarde, sem se ter em conta os perigos que daí pudessem advir.
Conforme a reportagem publicada no extinto jornal bissemanário Voz di Povo (VP), os porões da embarcação em causa tinham sido abertos mediante a autorização da Enapor na tentativa de recuperar o navio. Todavia, a iniciativa não teve sucesso pelo que os bidões não foram recolhidos.
Por outro lado, milhares de contos em divisas deixaram de ser recuperados, o que constituiu uma perda para a economia nacional.
O mais grave, porém, é que se permitiu que os bidões cheios de combustíveis tóxicos e inflamáveis ficassem a flutuar, os quais podiam eventualmente colidir com um barco e causar incêndios, para além de poluírem o mar, provocando a morte de peixes que são consumidos pela população.
35 anos depois, não há notícias de que alguém ou instituições tenham sido responsabilizados pela tragédia que enlutou Rincão.
A tripulação do barco sinistrado sabia da natureza e perigosidade da carga que transportava e as autoridades que tomaram conta da ocorrência tinham conhecimento que algumas cargas, nomeadamente os bidões de metanol, foram atiradas ao mar e podiam dar às costas.
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